Rastreamento do câncer de mama nas pacientes de alto risco | Revista Médica Ed. 2 - 2012

Além do FSH, somam-se agora aos recursos laboratoriais as dosagens da inibina B e do hormônio antimülleriano.

Introdução

Vários critérios são utilizados na identificação de mulheres com maior risco para o desenvolvimento do câncer de mama. Esses parâmetros incluem avaliação da história familiar com a consideração de testes genéticos, revisão da história clínica, incluindo resultados de biópsias anteriores, e avaliação da densidade mamográfica.

A maioria de tumores malignos resulta de múltiplas mutações genéticas. A alteração genética inicial pode ser herdada dos pais (câncer de mama familiar) ou ocorrer depois da concepção (câncer de mama esporádico). Mutações de genes herdados desempenham um papel em cerca de 27% de todos os casos de câncer de mama (fig. 1).

Já mutações em dois genes diferentes, BRCA1 e BRCA2 (genes de alta penetrância), podem agir isoladamente e associam-se com câncer mais precoce e com acometimento de muitos componentes da mesma família. Felizmente essas famílias são raras e totalizam apenas de 5 a 7% dos casos de câncer de mama. A maioria dos casos hereditários surge de vários genes mutados cuja interação aumenta o risco para a doença. Assim, as famílias com esse padrão irão conter membros acometidos mais esporádicos.

 

Importância da identificação da paciente de alto risco

1- Aparecimento do câncer numa idade mais precoce
2- Risco muito elevado para desenvolvimento do câncer de mama durante a vida
3- Tumores mais agressivos, com rápido crescimento e maiores taxas de metastatização
4- Possibilidade de associação com outros tumores – síndromes genéticas
5- Estratificação de risco dos demais familiares e sugestão de medidas preventivas mais eficientes.

História familiar

Câncer hereditário: critérios para predisposição

Embora uma elevada proporção de mulheres na população geral possua pelo menos uma parente com câncer de mama, a maioria delas não apresenta aumento substancial do risco ou, no máximo, associa-se a um risco duplicado durante a vida, devido à ação conjunta de fatores ambientais ou genes de baixa penetrância. Somente de 1% a 2% das mulheres têm história familiar sugestiva de herança autossômica dominante com gene de alta penetrância, o que lhes confere um risco de até 80% de desenvolver câncer de mama e, eventualmente, de ovário. Em pessoas com mutações do BRCA1, o risco cumulativo médio aos 70 anos varia entre 55% e 85%, para o câncer de mama, e entre 16% e 60%, para o de ovário. Em mutação do BRCA 2, os riscos variam entre 37% e 85%, para neoplasia mamária, e entre 11% e 27%, para tumor ovariano.

Características da história familiar que sugerem que o câncer possa ter sido causado por gene de alta penetrância incluem:

• Dois ou mais parentes de primeiro grau (pais, irmãs ou filhas) ou de segundo grau (neta, avó, tia, sobrinha, meio-irmão) com câncer de mama e/ou de ovário
• Câncer de mama antes dos 50 anos (pré-menopausa) em um parente de primerio grau
• História familiar de câncer de mama e de ovário
• Um ou mais parentes com dois tumores (de mama e de ovário ou dois tumores mamários independentes)
• Parentes do sexo masculino com câncer de mama

Fonte: American Cancer Society

 

História clínica

Radioterapia – Estudos têm demonstrado um aumento no risco de câncer mamário nas pacientes jovens submetidas a tratamento com radiação mediastinal. Entre as mulheres com doença de Hodgkin, esse risco aumenta significativamente entre 15 e 30 anos após a radioterapia.

Lesões precursoras ou lesões de risco – Correspondem a lesões clínica e biologicamente heterogêneas com potencial para progredir diretamente para um carcinoma invasivo (fig. 2):

a- Hiperplasia ductal atípica (HDA): representa doença proliferativa mamária com risco revisado de 4-5 vezes de progressão para câncer de mama em 17 anos, com duplicação desse risco em pacientes com história familiar.

b- Hiperplasia lobular atípica (HLA) e carcinoma lobular in situ (Clis): tais alterações estão incluídas nas neoplasias lobulares, com risco médio para carcinoma de 10% a 20%. Considera-se o Clis um marcador de risco aumentado para câncer de mama. Na maioria dos casos, é caracteristicamente multifocal e bilateral, sendo que 50% dos pacientes têm múltiplos focos na mama ipsilateral e aproximadamente 30% têm focos na mama contralateral. O seguimento médio do Clis em cinco anos evidenciou câncer em 4,2% a 9,3 % dos casos e, no controle de acima de cinco anos, variou de 7,7% a 26,3%.

c- Carcinoma ductal in situ (CDIS): considerada a lesão precursora verdadeira, por compartilhar alterações morfológicas e genéticas com o tumor invasivo. Possui taxa de progressão para a forma invasiva de 14% a 75% das pacientes. Para os autores, essa alteração já é maligna e não se inclui nas informações de avaliação de risco.

 

Figura 2 Aspectos diagnósticos das lesões precursoras

 

HDA: microcalcificações amorfas agrupadas 

 

 

Clis: nódulo hipoecogênico

 

 

CDIS: microcalcificações pleomórficas com trajeto ductal

 

Densidade mamográfica

A densidade mamária representa um fenômeno radiológico decorrente da interação do feixe de raios X com os componentes do tecido mamário. O tecido adiposo permite a fácil transposição da radiação, produzindo áreas escuras na mamografia. Os tecidos epiteliais e estromais, por outro lado, atenuam os fótons de raios X e determinam áreas brancas ou densas na radiografia. As lesões observadas na mamografia não são facilmente perceptíveis nas áreas fibroglandulares porque apresentam os mesmos coeficientes de atenuação.

Composição mamográfica

A classificação da composição mamária do BI-RADS ACR correlaciona a quantidade de densidade mamária com a sensibilidade do exame mamográfico, e não com o maior ou menor risco para câncer de mama, originalmente proposto por Wolfe. São descritos ainda quatro tipos de composição tecidual mamária (fig. 3).

Figura 3 – Tipos de composição tecidual mamária

 

A densidade mamográfica extensa está fortemente associada com o risco de câncer de mama, o que foi confirmado numa metanálise de 42 estudos, com as seguintes considerações:
• O aumento da densidade sugere maior exposição hormonal e maior proliferação celular, associação com fatores de crescimento (insulina-like I), fibrose estromal e hiperplasia epitelial.
• A densidade pode obscurecer a lesão e reduzir a sensibilidade da mamografia.
• A densidade aumentada global parece representar maior risco do que apenas a área focal de densidade.

Densidade versus risco de câncer de mama

ACR
Risco relativo
Parcial
2,04
Heterogeneamente densa
2,81
Extremamente densa
4,08

 

Ferramentas de análise de risco

O uso de ferramentas de avaliação de risco é a melhor maneira para os médicos exercerem o manuseio clínico adequado das pacientes com risco aumentado. Esses modelos incorporam a história familiar como principal indicador, que é determinante de risco, mas outros incorporam biópsias anormais e história reprodutiva.

As mulheres que são avaliadas primariamente como de alto risco, pelo uso de qualquer um desses modelos, como o Clauss e o Breast Cancer Risk Assessment Tool (Gail), devem ser encaminhadas para centros ou profissionais que tenham experiência em alto risco para um aconselhamento genético e uma avaliação mais definitiva do risco.

Breast Cancer Risk Assessment Tool (modelo de Gail)

Trata-se de uma ferramenta interativa, projetada pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), para estimar o risco de uma mulher desenvolver câncer de mama invasivo com base principalmente em fatores de risco não genéticos. Foi desenvolvida a partir do modelo de Gail original e inclui os seguintes fatores de risco: idade atual, raça, idade da menarca, idade da primeira gestação, número de parentes de primeiro grau com câncer de mama, número de biópsias mamárias anteriores e, na presença de hiperplasia atípica, raça e etnia. O modelo prevê a probabilidade de um grupo de mulheres ter diagnóstico de câncer de mama nos próximos cinco anos e dentro de sua vida (até 90 anos de idade). Embora esse modelo de predição tenha sido validado em grandes populações, uma de suas limitações é o fato de não ser bom para prever risco individual. Além disso, não leva em consideração a história da família paterna e  de segundo grau, e mesmo a idade de início de parentes afetado, o que tem importância na previsão do risco de câncer de mama hereditário. A boa estimativa de risco também pode estar limitada em alguns grupos, como entre as mulheres com história de carcinoma invasivo e carcinoma in situ. Vale lembrar que a presente opção está disponível no site do Inca (http://www.cancer.gov/bcrisktool/).

Modelo de Clauss

O modelo de Clauss estima a probabilidade de a mulher desenvolver câncer de mama em longos períodos com base populacional e com estudos do tipo caso-controle. O cálculo baseia-se na história familiar de câncer e incorpora a história da família mais extensa, mas exclui outros fatores de riscos, como idade da menarca, idade da primeira gestação ou história familiar de câncer de ovário (www4.utsouthwestern.edu/breasthealth/cagene/default.asp).

A concordância dos modelos de Gail e Clauss tem se mostrado relativamente pobre, com as maiores discrepâncias observadas em nuliparidade, múltiplas biópsias benignas da mama e uma forte história familiar paterna ou de primeiro grau.

Testes de estimativa de ser portador de gene de alta penetrância
• Modelo de Tyrer-Cuzick
• Modelo de Couch
• Modelo de Shattuck-Eidens
• Modelo de Frank
• Modelo de Parmigiani (BRCAPRO)

BRCAPRO

Embora menos de 10% de todos tumores malignos da mama sejam ligados a mutações genéticas, tais como BRCA-1 e BRCA-2, as mulheres que transportam essas mutações têm risco muito elevado. Testes genéticos possuem algumas desvantagens importantes, nomeadamente o elevado custo e a frequência de mutações de significado clínico incerto que ocorrem em famílias não selecionadas. Por isso, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica elaborou diretrizes que sugerem que é razoável considerar o teste de mulheres cuja probabilidade de mutação seja superior a 10%.

O BRCAPRO é um programa que calcula a probabilidade de um membro da família, em particular, ser portador de uma mutação da linha germinal do BRCA1 e BRCA2. Os cálculos baseiam-se no modelo bayesiano de determinação da frequência de uma mutação e penetrância do câncer em portadores da mutação.

Modelo Cuzick-Tyrer

Até recentemente, nenhum modelo único havia integrado histórico familiar, exposição ao estrogênio endógeno e doença benigna da mama de uma forma abrangente. O modelo Cuzick-Tyrer, baseado no conjunto de dados adquiridos a partir do Estudo Internacional de Mama Intervenção e outros dados epidemiológicos, pode fazer essa integração. Sua vantagem principal sobre o modelo de Clauss e o BRCAPRO é permitir verificar a presença de múltiplos genes de diferentes penetrâncias. Ele faz uma leitura de BRCA1 e BRCA2, mas também avalia genes de menor penetração, como BRCAX. O Cuzick-Tyrer ainda resolve muitas das armadilhas dos modelos anteriores: a combinação de história familiar extensa, a exposição ao estrogênio endógeno e a doença benigna da mama (hiperplasia atípica).

Características do câncer de mama de alto risco

• Idade: acometimento de pacientes mais jovens, no período pré-menopausa
• Tecido mamário denso
• Baixa incidência de microcalcificações e CDIS
• Elevada incidência de tumores invasivos acima de 1,0 cm
• Elevado índice de comprometimento nodal
• Alta taxa de câncer intervalar
• Tumores com apresentação atípica/padrão medular e de alto grau histológico
• Maiores índices de recidiva, doença metastática e mortalidade

Estratégias de rastreamento em mulheres de alto risco

O rastreamento mamário corresponde à realização de exames não invasivos com intervalos regulares em pacientes assintomáticas, tendo, como objetivo, a identificação precoce do câncer de mama em estágios iniciais, bem como de lesões pré-invasivas. Essa medida, vale salientar, apresenta grande impacto na redução da morbidade e da mortalidade por essa doença.

Mulheres com alta densidade mamária e alto risco para câncer de mama constituem um grande desafio para o rastreamento mamário, tanto pela limitação dos métodos de imagem quanto pelas peculiaridades morfológicas e padrão de crescimento desses tumores.

A mamografia tem sido indicada como método de escolha para detectar o câncer de mama em um estágio inicial. No entanto, para as mulheres com um risco aumentado de câncer de mama, novas tecnologias de rastreamento estão disponíveis para detecção precoce, particularmente em pacientes com menos de 40 anos, para as quais a mamografia é menos sensível. As limitações da mamografia incluem:

- Menor sensibilidade:
• O aumento da densidade dificulta a diferenciação entre elementos fibroglandulares e lesões
• Redução do contraste da imagem
• Aumento da indefinição por artefato de movimento (>mAs)

- Menor incidência de microcalcificações pelo menor índice de detecção do CDIS

- Maiores taxas de falso-negativo:
• Maior incidência de lesões com diferenciação medular e alto grau, que têm aspecto morfológico mais
bem definido e crescimento rápido, com menor desenvolvimento de reação desmoplásica

Caso clínico



A ressonância magnética (RM) vem demonstrando uma alta sensibilidade (de 86% a 100%) para detecção de câncer de mama em mulheres de alto risco, assintomáticas e sintomáticas, apesar de os relatos de especificidade terem sido mais variáveis (de 37% a 97 %), o que pode ser explicado pelo padrão atípico morfológico e cinético desses tumores. A sensibilidade da RM não se altera com a densidade mamária, tampouco com implantes, cirurgia ou idade da paciente, entretanto o rastreamento por esse método pode levar a um aumento dos diagnósticos falso-positivos, com solicitação de maior número de biópsias. Por isso, a Sociedade Americana de Câncer recomenda a RM de rastreamento somada à mamografia para as mulheres que se encontram em, pelo menos, uma das condições a seguir:

- Presença de uma mutação em BRCA1 ou BRCA2

- História de parente de primeiro grau (pai, irmão, filho) com uma mutação em BRCA1 ou BRCA2

- Risco de câncer de mama para toda a vida estimado em 20% a 25% ou mais (tal como definido pela BRCAPRO ou por outras ferramentas de avaliação de risco)

- Tratamento com radioterapia torácica entre as idades de 10 e 30 anos

- Vigência de síndromes clínicas que os colocam em alto risco, tais como de Li-Fraumeni, de Cowden ou Bannayan-Riley-Ruvalcaba, ou probabilidade de ter uma dessas síndromes com base em história em parente de primeiro grau

Por outro lado, ainda não existe evidência suficiente para recomendar ou contraindicar exames de ressonância magnética em mulheres de risco intermediário para a neoplasia mamária: ou seja, com risco de 15% a 20% estimado por uma das várias ferramentas de avaliação de risco aceitas ou com lesões precursoras ou com mamas muito densas ou desigualmente densas à mamografia ou, ainda, que já tiveram câncer de mama, incluindo CDIS. Já para mulheres com risco abaixo de 15% ou para a população geral, a RM de triagem não é recomendada.

Apesar de a RM ser um exame mais sensível, convém lembrar que o método ainda pode perder alguns tipos de câncer que a mamografia é capaz de detectar. Uma ressonância magnética deve, portanto, ser utilizada em adição, e não em substituição a uma mamografia.

Para a maioria das mulheres de alto risco, a triagem com ressonância magnética e mamografia deve começar aos 30 anos – ou até antes, dependendo da história – e continuar enquanto a mulher está bem de saúde. Isso porque a evidência é limitada quanto à melhor idade de início da triagem, Essa decisão deve ser compartilhada entre os pacientes e seus médicos, tendo em conta a situação individual de cada um e suas preferências.

Porcentagem de detecção por RM e mamografia dos tumores mamários em pacientes de alto risco. 



Sensibilidade (S) e especificidade (E) na detecção de tumores pela mamografia em pacientes de alto risco – metanálise