Rastreamento mais individualizado | Revista Médica Ed. 3 - 2016

Risco, densidade mamária e idade devem balizar indicação de métodos de imagem na pesquisa do câncer de mama, diz radiologista dos EUA.

Para o radiologista Thomas Stavros, o uso dos métodos de imagem conforme o risco das pacientes, a densidade mamária e a idade torna o rastreamento do câncer de mama mais eficaz. “No grupo de mulheres com risco médio e mamas densas, por exemplo, a ultrassonografia suplementar pode encontrar 3-4 cânceres adicionais em cada mil”, assinala Stavros, que é professor da Universidade do Texas, em San Antonio, membro do Comitê BI-RADS de Ultrassonografia do Colégio Americano de Radiologia e autor do livro Ultrassonografia da Mama. “Mesmo a tomossíntese, que aos poucos substitui a mamografia por sua menor taxa de falso-positivos, não suprime a necessidade do ultrassom nos casos de maior densidade mamária”, enfatiza ele, que concedeu a presente entrevista durante a Jornada Paulista de Radiologia.  

Thomas Stavros,
professor da Universidade
do Texas, EUA

Quando a mamografia deve ser solicitada? 

O rastreamento mamográfico anual teria de começar aos 40 anos. Enquanto se debate se as mulheres deveriam aguardar ou não até os 50 anos para fazer esse exame, 33-40% de todos os anos perdidos por câncer de mama ocorrem no sexo feminino abaixo da quinta década de vida. O fato é que o tumor mamário tende a crescer mais rápido nas pacientes com cerca de 40 anos, razão pela qual as mamografias (MG) anuais deveriam ser definitivamente garantidas entre 40 e 50 anos, enquanto, na pós-menopausa, tende a crescer mais lentamente, daí por que se argumenta que o rastreamento mamográfico poderia ser menos frequente após os 50 anos. Nos EUA, o Colégio Americano de Radiologia preconiza a MG anual após os 40 anos, porém a US Preventive Services Task Force recomenda o exame a cada dois anos, e apenas a partir dos 50 anos. Em duas regiões da Suécia, essa indicação baseia-se nos dados vigentes de rastreamento e na sobrevida local, o que, na minha opinião, é a melhor e a mais científica recomendação dentre as de todos os países do mundo. 

Qual o papel da tomossíntese mamária no rastreamento do câncer de mama?

Embora a MG digital de campo total seja o padrão-ouro para o rastreamento, aos poucos ela vem sendo substituída pela tomossíntese mamária, ou mamografia 3D, pelo fato de esta apresentar menores taxas de falso-positivos – algo que, na prática, significa redução na necessidade de incidências mamográficas adicionais ou de ultrassonografia (US) posterior. Contudo, apesar de a tomossíntese encontrar mais cânceres que a mamografia digital sozinha (1-2 a mais por mil mamografias), a US ainda pode detectar três cânceres por mil que a tomossíntese não detectou. Portanto, a mamografia 3D não tornará a US desnecessária para pacientes com mamas densas.

Diante de história de neoplasia mamária, devemos solicitar US e MG, mesmo sem achados palpatórios? 

A indicação dos métodos de imagem depende da idade, do risco para câncer de mama ao longo da vida e da densidade mamária. Enquanto a MG deveria ser iniciada aos 40 anos nas mulheres de risco médio, as com história familiar positiva para a doença em parente de primeiro grau precisam iniciar o rastreamento dez anos antes da idade em que a familiar recebeu o diagnóstico de câncer. Nas pacientes com risco médio ou discretamente aumentado e com mamas densas, a US suplementar pode encontrar 3-4 cânceres adicionais em cada mil mulheres. Já naquelas com alto risco de câncer ao longo vida (≥20% segundo modelos como Gail, BRCAPRO ou Tyrer-Cusick), preconiza-se a ressonância magnética (RM) das mamas com contraste por conta de sua maior sensibilidade, já que o método detecta cerca de 15 cânceres por mil mulheres após uma MG negativa. A imagem mamária molecular com radiofármaco pode ser indicada para pacientes de alto risco em quem a RM é contraindicada, embora se trate de um exame com dose relativamente elevada de radiação. 

Se uma MG feita como screening mostra anormalidades, a paciente geralmente é reconvocada para fazer novas imagens, com magnificação da área. Isso ocorre no seu serviço?

 

Nos EUA, há uma grande variação no manejo dos achados mamográficos. Em alguns serviços, as incidências adicionais são sempre realizadas em tais casos, seguidas ou não pela US. Em outros, como o departamento em que atuo, encaminhamos primeiramente para a US as mulheres que apresentam nódulos ou assimetrias à MG. Havendo uma resposta definitiva, podemos evitar o custo e a dose de radiação das imagens mamográficas adicionais. Por outro lado, nas pacientes com microcalcificações ou com distorção arquitetural sem nódulo associado, fazemos as incidências adicionais em primeiro lugar, mas, mesmo nesse grupo, frequentemente recorremos à US. Há casos em que o câncer se apresenta como distorção arquitetural na MG e praticamente desaparece nas incidências adicionais, embora possamos detectá-lo na US. Isso é particularmente visto no carcinoma lobular invasivo.

E quanto à RM de mamas como ferramenta de rastreamento?

A RM com contraste é o método mais sensível para a detecção do câncer de mama. Contudo, devido a seu custo elevado e à preocupação com as doses anuais de gadolínio, reservamos essa ferramenta para as pacientes de alto risco. Alguns pesquisadores estão tentando reduzir o custo do exame com protocolos de aquisição de imagens e leitura mais rápidos – é a “ressonância abreviada”. Outros exploram aplicações do exame sem contraste para o rastreamento, com o uso das sequências de difusão. Apesar disso, esses estudos ainda não progrediram o suficiente. Por outro lado, as taxas de falso-negativo e de câncer de intervalo para a RM são tão baixas que se cogita realizá-la como método de rastreamento para pacientes de alto risco a cada dois ou três anos ou, ainda, alterná-la com MG e US para reduzir os custos e o número de injeções de contraste.

Mulheres de alto risco para câncer de mama precisam de um protocolo específico? 

Além do risco acima da média para neoplasia de mama, essas mulheres possuem maior chance de ter um tumor não detectado na mamografia por apresentarem mamas mais densas, bem como maior probabilidade de desenvolver cânceres agressivos e de crescimento rápido, que aparecem nos intervalos entre mamografias de rastreamento. Ademais, portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 são provavelmente mais sensíveis ao câncer de mama induzido por radiação. Por todas essas razões, recomenda-se rastreamento suplementar com outros métodos de imagem

depois da mamografia ou no lugar desta. A RM com contraste é o método mais sensível nesse contexto, configurando o procedimento de escolha para pacientes de alto risco.

Que características sugerem malignidade à US, já que o exame depende do observador?

Os nódulos encontrados na mamografia ou à palpação são geralmente maiores e com características mais suspeitas, que se desenvolvem quando a lesão interage com o tecido adjacente, afetando sua forma e detalhes de sua superfície. Nódulos benignos são usualmente ovais, bem circunscritos e com orientação paralela à pele, enquanto os malignos mostram-se quase sempre irregulares, apresentam margens indistintas ou espiculadas, podem afetar os ductos adjacentes e frequentemente têm orientação perpendicular à pele. Já os nódulos encontrados pela US têm tamanho menor, interagem muito menos com os tecidos adjacentes e, portanto, usualmente apresentam características de imagem menos suspeitas do que os detectados ao estudo mamográfico ou ao exame físico. As margens indistintas configuram o achado mais comum nos cânceres identificados pela US, seguidas pela orientação perpendicular à pele – altura maior que largura. Apenas uma minoria dos tumores diagnosticados por esse método evidencia características adicionais, como sombra acústica ou espículas. 

        Entrevista concedida à radiologista Andrea Gonçalves de Freitas, assessora médica do Fleury em Imagem.