Avaliação por imagem das doenças neurometabólicas adquiridas

Determinados padrões de acometimento encefálico podem estar ligados a diagnósticos etiológicos.

É comum nos depararmos com situações neurológicas desafiadoras na prática clínica, as quais, em grande parte das vezes, se manifestam por disfunções cognitivas ligadas a quadros infecciosos e toxicometabólicos sistêmicos. Trata-se de um diagnóstico sindrômico amplo, que abrange desde quadros transitórios ou potencialmente reversíveis até doenças graves, relacionadas a danos encefálicos permanentes.

Nem sempre os sinais e sintomas apresentam relação direta com a gravidade da doença, o que ressalta a necessidade de aliar o raciocínio neurológico sistematizado à utilização de ferramentas que auxiliem a estreitar os diagnósticos diferenciais, permitindo a adoção de um manejo terapêutico rápido e efetivo. Nesse contexto, os exames neurorradiológicos assumem papel fundamental, possibilitando a detecção de alguns padrões de acometimento encefálico que, por vezes, estão ligados a diagnósticos etiológicos mais específicos, além de fornecerem dados prognósticos para a condição neurológica em questão.

Considerando-se as inúmeras etiologias que incorrem em estados confusionais, neste breve espaço abordamos algumas das causas toxicometabólicas mais prevalentes em nosso meio por intermédio da análise de padrões de imagem. Antes, porém, vale lembrar que o envolvimento encefálico relacionado a essas causas habitualmente se manifesta na forma de edema, refletindo disfunções no nível celular que comprometem o equilíbrio osmótico e a difusibilidade da molécula de água nos compartimentos intracelular, extracelular e intramielínico. Em vários casos, a disfunção neuroaxonal está diretamente relacionada com o excesso de neurotransmissores excitatórios acumulados na fenda sináptica, o que se traduz, em se tratando de anatomia radiológica, em acometimentos bilaterais e simétricos de regiões classicamente mais suscetíveis a esse tipo de dano.

Os padrões de apresentação variam e cada um favorece um grupo específico de doenças, estabelecendo um possível nexo causal. No entanto, o contrário não é verdadeiro. Nem sempre uma doença tem um único padrão de imagem, o que ressalta o papel do médico radiologista na avaliação individualizada do caso, bem como a necessidade de correlação com dados clínicos.

A seguir, conheça os padrões mais relevantes relacionados a  toxicometabólicas

Padrão 1 - Acometimento dos núcleos da base e dos tálamos

Esse padrão pode resultar em hipersinal nas sequências ponderadas em T2 e FLAIR, hipossinal em T2 ou hipersinal em T1. Como exemplos mais cotidianos, podemos citar a encefalopatia de Wernicke, as disfunções paratiroidianas e a estriatopatia diabética.

Encefalopatia de Wernicke

Uma vez que a deficiência de tiamina (vitamina B1) está em sua base fisiopatológica, essa condição pode ser desencadeada por situações que comprometam a absorção do nutriente pelo trato gastrointestinal, destacando-se abuso de álcool, cirurgias bariátricas, hiperêmese de diversas naturezas e até mesmo distúrbios alimentares.

Clinicamente, a encefalopatia se apresenta como um quadro confusional agudo que, por vezes, se associa à ataxia e à disfunção da motricidade ocular. Nos exames de imagem, a manifestação da fase aguda da doença se traduz por áreas de hipersinal em T2 e FLAIR e de restrição à difusão das moléculas de água – em cerca de metade dos casos, é possível observar realce pelo meio de contraste. As regiões mediais dos tálamos, os corpos mamilares e os hipotálamos são locais comumente afetados, bem como a placa tectal, a substância cinzenta periaquedutal e os putâmens (figura 1).


Figura 1

Estriatopatia diabética

Complicação não cetótica tardia de quadros hiperglicêmicos, no contexto do diabetes mellitus tipo 2, a estriatopatia diabética cursa com distúrbios do movimento conhecidos por hemicoreia e hemibalismo. Os estudos de imagem mostram hiperatenuação (na tomografia computadorizada) ou hipersinal em T1 (na ressonância magnética) afetando o estriado de forma unilateral (figura 2). Na grande maioria dos casos, o quadro é reversível.


Figura 2

Toxicidade associada à vigabatrina

Habitualmente não provoca sintomas e possui caráter reversível após a descontinuação da medicação, que é utilizada para o tratamento de espasmos infantis. Também se manifesta por áreas de hipersinal em T2 e FLAIR, com restrição à difusão das moléculas de água, acometendo, de forma mais frequente, os globos pálidos, os tálamos, a região dorsal do tronco encefálico e os núcleos denteados cerebelares (figura 3).


Figura 3

Disfunções paratiroidianas

A disfunção das glândulas paratiroides leva a um distúrbio do metabolismo do cálcio, com consequente deposição desse mineral nos núcleos da base. A tomografia computadorizada revela calcificações simétricas nos globos pálidos, putâmens e núcleos caudados. Os tálamos, a substância branca subcortical e os núcleos denteados também podem estar envolvidos (figura 4). Essas alterações se apresentam no estudo de ressonância magnética como áreas de baixo sinal nas sequências de suscetibilidade magnética, por vezes com hipersinal nas imagens ponderadas em T1.


Figura 4

Padrão 2 - Acometimento cortical proeminente

Encefalopatia hipoglicêmica do adulto

Decorre de um desequilíbrio entre a oferta de glicose e sua demanda pelas células do sistema nervoso central. Caracteriza-se por crises convulsivas e rebaixamento no nível de consciência em pacientes diabéticos, sobretudo nos que utilizam insulina. Os achados de imagem mais comuns são áreas de hipersinal em T2 e FLAIR, com restrição à difusão das moléculas de água, comprometendo os giros nas regiões occipitoparietais e temporais, com edema e apagamento dos sulcos corticais nessas áreas (figura 5). O envolvimento dos núcleos da base confere pior prognóstico ao paciente. Os tálamos, a substância branca encefálica e o cerebelo são comumente poupados.

A encefalopatia hipoglicêmica pode ainda acometer recém-nascidos de mães diabéticas, geralmente dentro dos primeiros três dias de vida. Também se manifesta predominantemente nas regiões occipitoparietais, acometendo as substâncias branca e cinzenta, além de frequentemente afetar os tálamos. Os achados de imagem podem ser superponíveis aos observados na encefalopatia hipóxico-isquêmica e, em alguns casos, as duas condições se sobrepõem, o que implica estreita correlação com a história clínica para o manejo adequado do paciente.


Figura 5

Encefalopatia hiperamonêmica

O excesso de amônia tem, como principal causa, a insuficiência hepática aguda. No entanto, outras condições podem levar a esse desequilíbrio metabólico, como toxicidade por algumas medicações, choque séptico, transplante de medula óssea e nutrição parenteral, sobretudo se por tempo prolongado. O excesso de amônia produz efeito tóxico direto sobre o cérebro, causando náuseas, vômitos e letargia. Caso o tratamento não seja instituído de forma rápida, crises convulsivas e estado comatoso podem ocorrer.

Os estudos de ressonância magnética mostram áreas de hipersinal em T2 e FLAIR e intensa restrição à difusão, que acometem, de forma bilateral e simétrica, a ínsula e o cíngulo, bem como os núcleos da base e os tálamos. A substância branca hemisférica e as regiões occipitais e perirrolândicas costumam ser poupadas (figura 6). Um detalhe interessante é a caracterização do pico de glutamina/glutamato entre 2,1 e 2,4 ppm na espectroscopia de prótons de hidrogênio, com tempo de eco curto.


Figura 6

Padrão 3 - Acometimento simétrico da substância branca periventricular

No contexto oncológico, é possível observar esse padrão em associação ao uso de agentes quimioterápicos, o que a literatura descreve como leucoencefalopatia tóxica aguda. O uso de metotrexato está incluído nessa entidade. As encefalopatias urêmica e hepática também podem ter apresentação de imagem semelhante.

Leucoencefalopatia tóxica relacionada ao uso de metotrexato

Sua apresentação clínica e radiológica é ampla, ocorrendo cerca de 2 a 14dias após a administração da medicação, apesar da possibilidade de haver quadros mais tardios.

A maioria dos pacientes não apresenta sintomas e as alterações de imagem costumam ser transitórias. Como achados de imagem mais prevalentes da condição estão as áreas de hipersinal em T2 e FLAIR e a restrição à difusão na substância branca hemisférica, de forma bilateral e assimétrica, envolvendo múltiplos territórios vasculares e poupando as fibras em U (figura 7). A alteração de sinal em T2/FLAIR pode persistir, mesmo após a resolução dos sintomas.


Figura 7

Padrão 4 - Acometimento simétrico e central da ponte

A síndrome da desmielinização osmótica é o protótipo desse padrão e caracteriza-se por desmielinização aguda no contexto de alterações abruptas da osmolaridade sérica. A causa mais comum é a correção rápida de hiponatremia, porém outras condições podem desencadear a síndrome ou predispor o paciente à desmielinização.

Os oligodendrócitos são células especialmente sensíveis a mudanças de osmolaridade e exibem diferenças de distribuição regional no encéfalo, predominando no tronco encefálico. Isso explica a prevalência das alterações na região central da ponte, que se manifestam por hipersinal em T2 e FLAIR que poupa a periferia, o trato corticoespinhal e as fibras pontinas transversas, formando uma imagem com aspecto em “tridente” (figura 8), em geral, cerca de uma a duas semanas após o início dos sintomas. No entanto, é possível observar restrição à difusão das moléculas de água já na fase aguda, fato que permite um diagnóstico mais precoce dessa condição. O acometimento extrapontino pode ocorrer concomitantemente ao acometimento pontino ou mesmo de forma isolada. Os locais mais comumente afetados incluem os núcleos da base, os tálamos e a substância branca hemisférica, sobretudo em localização justacortical. Por vezes, pode ser observada necrose cortical laminar.


Figura 8

Conclusão

O diagnóstico das doenças toxicometabólicas encefálicas é desafiador. O conhecimento de padrões de acometimento, aliado a informações clínicas, guia o raciocínio diagnóstico, estreitando as possíveis etiologias e favorecendo abordagens terapêuticas mais acuradas. A avaliação por imagem do sistema nervoso central fornece dados prognósticos e pode ser ferramenta útil na avaliação evolutiva e de eficácia dos tratamentos instituídos.

Consultoria médica em Neuroimagem

Dr. Carlos Jorge da Silva
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Dr. Diego Cardoso Fragoso
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Dr. Leandro Tavares Lucato
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Dra. Milena Krieck Farche
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