O conhecimento das neoplasias mieloproliferativas crônicas (NPM) sofreu grande avanço na última década graças à descoberta da mutação somática
MICHAEL ABBEY/PHOTORESEARCHERS/LATINSTOCK
O conhecimento das neoplasias mieloproliferativas crônicas (NPM) sofreu grande avanço na última década graças à descoberta da mutação somática JAK2V617F, em 2005 (Baxter 2005 et al; Kralovics et al, 2005; Levine et al, 2005; Vainchenker et al, 2011). Com isso, compreendeu-se melhor o mecanismo fisiopatogênico que envolve a via de sinalização JAK/STAT, o que propiciou o desenvolvimento de nova terapia-alvo dirigida (Lavi, 2014). Mais recentemente, a descoberta da mutação no gene da calreticulina ampliou ainda mais o entendimento da lesão na via JAK/STAT e de seu papel na patogênese da NMP negativa para o cromossomo Philadelphia (Ph).
As NMP são doenças clonais de célula-tronco hematopoética em que há proliferação aumentada das séries mieloides com maturação eficaz, o que leva à leucocitose no sangue periférico, ao aumento da massa eritrocitária ou à trombocitose. Em geral, progridem para fibrose medular ou transformação leucêmica. Entre elas, de acordo com a classificação da OMS (Swerdlow et al, 2008), figuram várias doenças, porém a policitemia vera (PV), a mielofibrose idiopática (MF) e a trombocitemia essencial (TE) se destacam por suas similaridades (Chauffaille, 2010; Bittentourt et al, 2012).
A mutação JAK2V617F ocorre devido à troca da guanina pela timidina, que resulta na substituição da valina pela fenilalanina no códon 617 do gene JAK2 (Levine & Gilliland, 2008), levando à ativação constitutiva de tirosinoquinase e ocasionando a proliferação e a diferenciação celular mieloide (Levine & Gilliland, 2008). Após o achado da JAK2V617F, a PV, a MF e a TE passaram a ser chamadas de NMP Ph-negativas, distinguindo-se da leucemia mieloide crônica, na qual a presença do cromossomo Philadelphia a identifica como uma entidade mieloproliferativa com fisiopatogenia distinta (Quintás-Cardama & Cortes, 2009).
Como cerca de 90% das PV apresentam JAK2V617F, a detecção dessa mutação tornou-se fundamental na investigação inicial das poliglobulias ou eritremias. Evidentemente que o diagnóstico de PV requer a exclusão de causas secundárias de poliglobulia e que a dosagem de eritropoetina sérica, por estar elevada nessas situações, também auxilia a diferenciar eritremia secundária de primária (Michiels et al, 2015).
No que diz respeito à carga alélica de JAK2V617F em PV, tanto podem ser encontrados mais de 50% dos alelos mutados (homozigoto), quando são denominados de alta carga, quanto baixa porcentagem de carga mutada, isto é, com menos de 50% (heterozigoto/homozigoto). A JAK2V617F em homozigose associa-se a maior exuberância da doença, a maior frequência e tamanho da esplenomegalia, a sintomas constitucionais mais frequentes e, se a carga alélica for superior a 75%, a maior risco trombótico (Vannucchi et al, 2007). Tais pacientes também apresentam mais frequentemente uma maior transformação em mielofibrose e uma menor contagem plaquetária. Em geral, a carga alélica elevada é mais prevalente em homens que mulheres.
Os casos de poliglobulias negativos para JAK2V617F devem ser subsequentemente investigados para a mutação no éxon 12 do gene JAK2, vista em menos de 10% dos pacientes com PV (Spivak et al, 2014; Alvarez-Larran et al, 2014; Rumi et al, 2014).
Com isso, a imensa maioria dos indivíduos com poliglobulia adquirida passou a ser identificada pela lesão molecular. E os poucos restantes podem ainda ser portadores de outras alterações mais raras, como EZH2, ASXL1, TET2, DNMT3 e IDH1/2, entre outras que, entretanto, também estão presentes nas demais NMP (Rumi et al, 2014).
Vale ponderar que a JAK2V617F não é exclusiva da PV, pois ocorre em 60% e 50% dos pacientes com MF e TE, respectivamente. O fato de uma única mutação associar-se a fenótipos tão diferentes como policitemia e trombocitemia foi, de certa forma, esclarecido por Campbell et al (2005), quando encontraram pacientes com TE e JAK2V617F com características de PV. Diante disso, concluíram que as duas doenças com a mesma alteração genética formavam uma continuidade biológica na qual o grau de eritrocitose é determinado por modificadores fisiológicos ou genéticos. Em adição, MF e TE podem apresentar mutação no receptor de trombopoetina, MPLW515K ou MPLW515L, em menos de 10% dos casos negativos para JAK2 (Spivak et al, 2014).
Nesse contexto, a maioria das PV e mais da metade das MF e TE passaram a ter lesão molecular identificável, abreviando procedimentos diagnósticos e atestando o caráter clonal dessas neoplasias. Restava, no entanto, um conjunto de pacientes com MF e TE sem mutações detectáveis.
A vez da mutação no gene CALR
No fim de 2013, dois estudos observaram mutações recorrentes no éxon 9 do gene da calreticulina (CALR) em 70% dos pacientes sem JAK2 ou MPL mutados (Klampfl et al, 2013; Nangalia et al, 2013). A calreticulina é uma proteína com várias funções em processos biológicos, incluindo proliferação e apoptose, e que, quando mutada, ativa a via JAK/STAT.
A mutação CALR pode ocorrer na forma de deleção de 52 pares de base (mutação tipo 1) ou de inserção de cinco pares de base (tipo 2) no éxon 9 do gene CALR, detectáveis por sequenciamento. Essa alteração é mutuamente exclusiva às demais, sendo a segunda mais frequente nas NMP Ph-negativas.
Mais possibilidades
Agora, com esse conjunto de mutações, quatro possibilidades se apresentam para os pacientes com MF ou TE:
Dados relativos ao significado clínico e à relevância dessa descoberta para a evolução e o tratamento de tais doenças ainda se encontram em estudo, mas, aparentemente, os portadores de mutação no gene CALR são mais jovens e têm maior contagem de plaquetas ao diagnóstico quando comparados àqueles com a mutação em JAK2 (Andrikovics et al, 2014).
O fato é que, graças à identificação dessas alterações, o diagnóstico ficou mais preciso e pode-se ter melhor compreensão da fisiopatogenia das NPM.
Assessoria Médica |
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Dra. Maria de Lourdes Chauffaille [email protected] |
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