Neoplasia maligna caracterizada por proliferação descontrolada de plasmócitos na medula óssea e produção monoclonal de imunoglobulina, o MM acomete preferencialmente adultos ao redor de 60 anos.
Associação de dados morfológicos, imunofenotípicos, citogenéticos e de imagem favorece o estadiamento e a definição prognóstica dessa neoplasia plasmocitária.
Paciente do sexo feminino, 51 anos, com quadro de astenia e dispneia aos grandes esforços, iniciado dois meses antes, e dores ósseas em quadril, além de radiografia com lesões líticas em bacia, fêmur e calota craniana. No hemograma, foi detectada anemia normocrômica/normocítica (Hb = 7,9 g/dL), associada ao achado de hemácias empilhadas (rouleaux). A eletroforese de proteínas demonstrou a presença de componente monoclonal na região de gamaglobulinas. Diante de tais dados, o hematologista pediu um mielograma, que evidenciou medula óssea hipercelular, com 45% de plasmócitos, o que sugeriu a hipótese de mieloma múltiplo (MM). Confira os resultados:
Por dentro do Mieloma Múltiplo |
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Neoplasia maligna caracterizada por proliferação descontrolada de plasmócitos na medula óssea e produção monoclonal de imunoglobulina, o MM acomete preferencialmente adultos ao redor de 60 anos. Uma vez que o tratamento passou por enormes avanços nos últimos anos, graças à introdução de novos medicamentos, há necessidade de um diagnóstico preciso para oferecer ao paciente todas as alternativas possíveis. Além disso, estudos citogenéticos indicam que o MM é uma doença heterogênea, o que sugere abordagem terapêutica adaptada ao risco de cada indivíduo. Isso significa que, em conformidade com o prognóstico estratificado pelos testes genéticos, pode-se fazer a seleção e a sequência das medicações mais apropriadas. |
Amostra de medula óssea com mais de 40% de plasmócitos, caracterizando o MM
ARQUIVO FLEURY
Na suspeita de neoplasia plasmocitária, deve-se investigar a presença de proteína monoclonal no soro e na urina – no caso, a proteinúria de Bence-Jones em urina de 24 horas.
A eletroforese em gel de agarose ou a eletroforese capilar em amostras de soro e de urina configuram os métodos de eleição para uma triagem inicial. Quando há pico monoclonal no soro, sua quantificação precisa ser feita por análise densitométrica para permitir a comparação com avaliações subsequentes.
As imunoglobulinas séricas também têm de ser quantificadas por nefelometria, pois esta consegue dosar as não envolvidas, em especial quando diminuídas, um achado comum no mieloma múltiplo (imunoparesia). Por outro lado, a técnica costuma hiperestimar a concentração da proteína monoclonal, sobretudo quando muito elevada, razão pela qual convém preferir a densitometria para esse seguimento evolutivo.
A imunoeletroforese, ou imunofixação, é o método de escolha para confirmar a presença de proteína monoclonal e para definir o subtipo envolvido de imunoglobulina de cadeia pesada (IgG, IgM e IgA) e leve (kappa ou lambda). Preconiza-se seu uso diante de hipogamaglobulinemia – um achado frequente no mieloma de cadeia leve – ou quando a eletroforese de proteínas séricas se encontra normal, mas há suspeita de amiloidose primária ou de outras neoplasias plasmocitárias que cursam com baixa proteína monoclonal.
Já a dosagem de imunoglobulinas de cadeia leve livres no soro está indicada para todos os pacientes recém-diagnosticados com neoplasia plasmocitária, tendo especial relevância no seguimento de amiloidose primária, mieloma de cadeia leve e mieloma não secretor ou oligossecretor. O exame igualmente pode ser útil nos casos de gamopatia monoclonal de significado indeterminado, mieloma assintomático e plasmocitoma solitário, já que resultados anormais predizem um risco aumentado de progressão para MM sintomático.
No mieloma, os plasmócitos aparecem como grupamentos intersticiais ou nódulos focais, ainda com hematopoese preservada, ou exibem infiltrado difuso intersticial, com substituição do tecido hemato¬poético. Quando correspondem a 30% ou mais dos elementos celulares, pode-se confirmar o diagnóstico, embora raros casos de plasmocitose reativa igualmente atinjam tal percentual.
A hipótese de mieloma múltiplo ainda deve ser sugerida quando os plasmócitos formam efeito de massa que desloca os elementos normais da medula óssea, mesmo que sua porcentagem seja menor que 30% do contingente celular.
As atipias nos plasmócitos, que se caracterizam por imaturidade nuclear e pleomorfismo, raramente ocorrem em situações de plasmocitose reativa, sendo, portanto, um indicador valioso para diagnosticar a neoplasia plasmocitária. Da mesma forma, é possível observar atividade osteoclástica na biópsia de medula dos pacientes com mieloma múltiplo, o que resulta em lesões ósseas líticas à radiografia.
O exame imuno-histoquímico no material de biópsia tem indicação para quantificar precisamente o número de plasmócitos, por meio do marcador CD138, e para confirmar a monoclonalidade, com a pesquisa das cadeias leves kappa e lambda de imunoglobulinas.
O marcador CD56 apresenta expressão aberrante em 67% a 79% dos casos de mieloma múltiplo, entretanto é negativo em cerca de 80% das leucemias de plasmócitos. Alguns pacientes podem ser positivos para ciclina D1, o que se correlaciona com a presença da t(11;14)(q13;q32) e com o padrão morfológico linfoplasmocítico no mieloma múltiplo.
Atualmente, a imunofenotipagem por citometria de fluxo consiste em uma ferramenta importante no diagnóstico e no monitoramento de pacientes com suspeita de mieloma múltiplo, uma vez que identifica e discrimina, de modo inequívoco, plasmócitos normais e neoplásicos na medula óssea, com sensibilidade de detecção de um plasmócito em 100 mil células.
A análise do presente caso demonstrou 40% de plasmócitos clonais, que expressavam o antígeno CD38 com elevada intensidade e também o CD138, além das imunoglobulinas de cadeia leve kappa e de cadeia pesada IgG, ambas intracitoplasmáticas. Os plasmócitos clonais expressavam de forma anômala o antígeno CD56 e apresentavam perda de expressão dos antígenos CD45 e CD19. Não foram identificados plasmócitos normais.
Indicações da imunofenotipagem nas gamopatias monoclonais |
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Gráficos bivariados de citometria de fluxo mostram a presença de plasmócitos neoplásicos (em azul) para cadeia leve de imunoglobulina kappa, com expressão aberrante do antígeno CD56 e perda anômala de CD45
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O cariótipo deve ser feito na avaliação inicial da doença, pois oferece informação prognóstica relevante, tanto ao permitir a separação dos pacientes no grupo hiperdiploide e no grupo não hiperdiploide quanto ao demonstrar deleções, adições ou translocações cromossômicas. É importante que o exame seja complementado pela hibridação in situ por fluorescência (FISH), realizada nos plasmócitos clonais com sondas para investigar as alterações del(13q), del(17p), t(4;14), t(11;14) e t(14;16).
A del(13q) exerce efeito amplificador na expressão de genes reguladores do ciclo celular e se associa a uma curta sobrevida global ou livre de eventos. A del(17p), por sua vez, leva à perda de heterozigose do TP53 e é considerada característica de mieloma múltiplo de alto risco. Alterações estruturais no gene IGH, localizado no 14q32, também implicam risco elevado.
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Os pacientes são divididos em subgrupos identificados com base nas translocações envolvendo 14q32, tais como t(4;14)(p16;q32), que confere prognóstico desfavorável, t(11;14)(q13;q32), considerada de prognóstico favorável, e t(14;16)(q32;q23), que apresenta dados conflitantes, ora adversos, ora indiferentes.
É comum ainda a ocorrência de alterações no cromossomo 1, que estão associadas a deleções, quando se encontram no braço curto, e a amplificações, quando no braço longo. Ganhos no 1q21 aumentam o risco de progressão do mieloma múltiplo. Já a incidência de amplificações costuma ser mais observada em recaídas.
Os pacientes com mieloma múltiplo devem ser inicialmente avaliados com radiografia de crânio, coluna e ossos longos. Contudo, essa técnica tem baixa sensibilidade para detectar alguns focos osteolíticos, além de não identificar a maior parte das lesões extramedulares e ser limitada para verificar a resposta ao tratamento. Dessa forma, a tomografia com baixa dose de radiação, a ressonância magnética e o exame de PET/CT com glicose marcada com FDG têm sido cada vez mais usados nesses casos por apresentarem sensibilidade e especificidade superiores à radiografia. O estudo por PET/CT, em particular, ainda diferencia lesões ativas de inativas e contribui para a avaliação da resposta à terapia e para a investigação de suspeita de recorrência ou progressão da doença.
TC da bacia demonstra lesão lítica comprometendo o sacro (setas). As imagens de PET/CT evidenciam intenso aumento da atividade metabólica na lesão.
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TC aponta massa com atenuação de partes moles paravertebral esquerda (setas), em íntimo contato com o músculo psoas, que apresenta captação da glicose marcada (setas) nas imagens de PET/CT
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Critérios para o diagnóstico de discrasia plasmocitária, de acordo com o International Multiple Myeloma Working Group
Mieloma múltiplo sintomático (três critérios presentes) |
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Mieloma múltiplo assintomático (dois critérios presentes) |
Gamopatia monoclonal de significado indeterminado(três critérios presentes) |
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No caso avaliado, os mais de 40% de plasmócitos clonais detectados pelos estudos morfológicos e imunofenotípicos, o componente monoclonal em 8,25 g/dL e a presença de anemia e de lesões ósseas líticas confirmaram o diagnóstico de mieloma múltiplo. As dosagens séricas de ß2-microglobulina (10,5 mg/L) e albumina (4,4 g/dL) correspondem ao estágio III do Sistema Internacional de Estadiamento de Mieloma Múltiplo, conforme descrito:
Estágio | Critério | Sobrevida média |
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I | ß2-microglobulina <3,5 mg/L e albumina =3,5 g/dL | 62 meses |
II | II Não se classifica como estágio I e III | 44 meses |
III | III ß2-microglobulina =5,5 mg/L | 29 meses |
* Greipp PR, et al. J Clin Oncol. 2005; 23:341
O caso apresentado também ilustra situação de prognóstico desfavorável do ponto de vista citogenético, dada a presença da t(4;14). O tratamento desenhado para esses pacientes inclui quimioterapia e transplante de células-tronco hematopoéticas.
Assessoria Médica |
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Citogenética e Hematologia Dra. Maria de Lourdes Chauffaille [email protected] Hematologia e Citometria de Fluxo Dr. Alex Freire Sandes [email protected] Dr. Matheus Vescovi Goncalves [email protected] Dr. Edgar Gil Rizzatti [email protected] Anatomia Patológica Dra. Flávia Fernandes Silva Zacchi [email protected] Dra. Leda Viegas de Carvalho [email protected] Imagem Dr. Gustavo Meirelles [email protected] |
Pode ser utilizada para detectar o DNA da bactéria Leptospira spp. no plasma.
Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
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