Densitometria óssea: Tudo o que você precisa saber

Tópicos presentes neste capítulo

  • Metodologia e critérios diagnósticos  
  • Regiões de interesse para a densitometria óssea  
  • Controle de qualidade e reprodutibilidade dos exames  
  • Densitometria óssea: Critérios para a solicitação  
  • Referências bibliográficas  

A osteoporose é uma doença esquelética sistêmica, caracterizada tanto por uma deficiência quantitativa quanto qualitativa de osso. Tal conceito é universalmente aceito há mais de uma década. No entanto, os métodos de avaliação da microarquitetura óssea permanecem pouco informativos enquanto que a densitometria por DEXA (dual energy x-ray absorptiometry), a técnica mais atual para a medida da densidade mineral óssea, tornou-se "padrão ouro" para o diagnóstico de osteoporose e para uma variedade de aplicações clínicas e de pesquisa.

Desde a década de 60, com o desenvolvimento da absorciometria de feixe único de energia (single photon absorptiometry, SPA) para medir a densidade mineral óssea (bone mineral density, BMD) do antebraço, inúmeras modalidades de aparelhos baseados em fontes radioativas e posteriormente em raios X permitiram a medida de sítios ósseos periféricos e axiais, com progressiva melhora na acurácia e precisão. A densitometria óssea por DEXA é um método quantitativo de avaliação da massa óssea extremamente útil. A menor massa óssea é um fator preditivo para fraturas osteoporóticas tão valioso como a hipertensão e níveis de colesterol na avaliação do risco de acidente vascular cerebral e/ou infarto do miocárdio.

Em 1994, a Organização Mundial da Saúde, baseada no fato que a medida fornecida pela densitometria por DEXA, a BMD, responde por cerca de 70% da resistência óssea e tem uma relação exponencial com o risco de fraturas (1), com excelente reprodutividade, definiu o diagnóstico densitométrico de osteoporose (2,3).

Conteúdo:

Metodologia e critérios diagnósticos

A técnica baseia-se na atenuação, pelo corpo do paciente, de um feixe de radiação gerado por uma fonte de raio X com dois níveis de energia. Este feixe atravessa o indivíduo no sentido póstero-anterior e é captado por um detector. O programa calcula a densidade de cada amostra a partir da radiação que alcança o detector em cada pico de energia. O tecido mole (gordura, água, músculos, órgãos viscerais) atenua a energia de forma diferente do tecido ósseo, permitindo a construção de uma imagem da área de interesse (Fig. 1).

Figura 1 - Densitômetro DPX-IQ Lunar

O exame fornece o valor absoluto da densidade mineral óssea da área estudada, em g/cm2. Embora densidade seja uma medida volumétrica e a BMD em posição antero-posterior, que é a mais comumente utilizada, seja o resultado do conteúdo mineral ósseo dividido pela "área" e não por "volume" de osso, existe uma grande correlação entre a densidade por "área" e a densidade real, volumétrica, medida por tomografia computadorizada.

O laudo também fornece o número de desvios padrão do resultado obtido em relação à média de adultos jovens, população que representa o pico de massa óssea. Este desvio padrão, ou T-score, é usado para definir o diagnóstico de osteoporose segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde: valores até (-1) desvios padrão (d.p) da média são considerados normais, valores entre (-1,1) e (-2,4) d.p. definem osteopenia e valores ³ (-2,5) d.p. diagnosticam osteoporose. Mais de 90% dos indivíduos com fraturas a mínimos traumas ou atraumáticas têm valores de densidade mineral óssea além de -2,5 desvios padrão da média de adultos jovens e esta é a razão para que este valor de corte fosse escolhido para o diagnóstico de osteoporose, mesmo na ausência de fraturas. Para cada desvio padrão abaixo da média, eleva-se de 1,5 a três vezes o risco de fraturas osteoporóticas, dependendo do sítio ósseo analisado.

O Z-score ou número de desvios padrão em relação à média esperada para a idade do paciente é outro parâmetro de interesse, particularmente nas osteoporoses secundárias a doenças crônicas ou ao uso crônico de medicamentos que afetam a massa óssea.

A dose de radiação que o operador recebe, mantendo-se a um metro da mesa quando o aparelho estiver em funcionamento, está nos mesmos níveis da radiação ambiental. O paciente recebe uma dose de 6,7 a 31uSV no exame de coluna lombar ou fêmur e uma dose ainda menor no exame de corpo total. Para compreendermos a magnitude destes valores, basta compararmos com uma tomografia (1000uSv) ou com um exame radiográfico de tórax (60 a 200 uSv).

Regiões de interesse para a densitometria óssea

A densitometria por DEXA (4,5) pode avaliar a coluna lombar (PA e perfil), o fêmur proximal, o antebraço e o corpo inteiro com sua composição corporal. Algumas condições clínicas e/ou artefatos podem prejudicar ou inviabilizar o exame, tais como: realização de exames radiológicos contrastados (enema opaco, tomografia, EED, mielografia, etc.), exames de Medicina Nuclear, próteses e grampos metálicos de sutura (staples) na área do exame, grandes deformidades vertebrais, doença osteodegenerativa tanto em coluna quanto em fêmur, obesidade (> 125 kg), calcificações de tecidos moles adjacentes ou na projeção da área de interesse, antecedente de fraturas, ascite e impossibilidade de posicionamento adequado.

Coluna lombar


Figura 2 - Densitometria de coluna lombar

O exame da coluna lombar (Fig. 2) em posição póstero-anterior avalia o segmento de L1 a L4, que é usado para o diagnóstico de osteoporose e que apresenta a melhor sensibilidade para a monitoração terapêutica. O exame da coluna lombar na projeção lateral permite que se excluam as estruturas posteriores dos corpos vertebrais, minimizando os efeitos somatórios da doença osteodegenerativa sobre a densidade mineral óssea. Porém, a dificuldade de se posicionar o paciente e as deformidades torácicas comuns nos idosos fazem com que a reprodutibilidade do exame seja inaceitável. Desta forma, o exame lateral não é indicado para o diagnóstico de osteoporose e é usado apenas em condições especiais.

Fêmur proximal

A análise do exame de fêmur proximal (Fig. 3) envolve a medida de BMD em três regiões: colo de fêmur, trocanter maior e a região do Triângulo de Wards (área de menor densidade da região proximal do fêmur, com predomínio de osso trabecular). Esta área de Wards não pode ser usada para o diagnóstico de osteoporose, pois superestima o percentual esperado de indivíduos osteoporóticos, conforme o último Consenso da International Society for Clinical Densitometry (5). O programa também nos fornece uma medida de todo o fêmur proximal, o fêmur total, que por ser menos dependente de posicionamento e apresentar um coeficiente de variação menor, pode ser muito útil no seguimento do paciente.

Figura 3 - Densitometria de fêmur proximal, revelando alterações morfológicas secundárias à poliomielite

Estudos populacionais demonstram que a maioria dos indivíduos normais não apresenta diferenças significativas entre os fêmures direito e esquerdo, não havendo relação com o membro superior dominante. Por esta razão, o exame é realizado rotineiramente apenas à direita, por convenção. No entanto, como em cerca de 10% dos pacientes se observa uma diferença significativa maior que 1d.p. e que pode alterar o diagnóstico para este sítio ósseo, optamos por apresentar o resultado de ambos os fêmures. As condições clínicas que podem justificar esta diferença são osteoartrite acentuada em articulação coxo-femural, doença de Paget em fêmur, seqüelas de acidente vascular cerebral ou poliomielite, fraturas proximais ou distais de membros inferiores e atividades esportivas.

Antebraço

A avaliação da BMD do antebraço pode ser útil em três situações: no hiperparatiroisdismo primário, pois a perda óssea tende a afetar predominantemente o osso cortical, que pode ser avaliado de forma sensível na diáfise do rádio; quando o fêmur ou a coluna lombar não puderem ser avaliados, para complementação diagnóstica; e nos pacientes com antecedentes familiares de fratura de Colles (rádio distal), pois o fator genético é muito importante neste tipo de fratura.

Três regiões são delimitadas: o rádio ultra-distal (com predomínio de osso trabecular), a região diafisária do rádio e ulna (com predomínio de osso cortical) e a região intermediária que inclui tanto osso cortical quanto trabecular.

Corpo inteiro

O exame do corpo inteiro, ou a composição corporal por densitometria, é o método de escolha para obter-se o conteúdo de gordura e massa magra (músculos, vísceras e água corporal) do organismo, além de fornecer a BMD total do esqueleto. É um método rápido, utiliza pouca radiação e discrimina pequenas variações dos componentes corporais. A análise da composição corporal é útil na avaliação nutricional do indivíduo, na fase de crescimento e aquisição de massa óssea, em programas de condicionamento físico e na evolução e no tratamento de muitas doenças que afetam a massa óssea. A BMD total não deve ser usada para o diagnóstico de osteoporose por sua pouca sensibilidade.


Controle de qualidade e reprodutibilidade dos exames

Em aparelhos de densitometria óssea calibrados adequadamente e submetidos a rigorosos procedimentos de controle de qualidade, a variação do exame atribuída à máquina, ao operador e decorrente do posicionamento adequado do paciente está em torno de 1% para a coluna lombar, 1,5% para o colo de fêmur e menor que 1% para o exame de corpo total. Nos indivíduos osteoporóticos, a precisão é menor e o coeficiente de variação (CV%) pode alcançar 2 a 2,5%, tanto para a coluna lombar quanto para o colo de fêmur pois, quanto menos osso, mais difícil é medi-lo. Em nosso serviço, avaliando 140 pacientes com média de idade de 53 anos (34 a 81 anos), 50% normais quanto à massa óssea, 35% osteopênicos e 15% osteoporóticos, obtivemos um CV de 0,87% para coluna lombar e de 1,41% para o colo do fêmur. Deste modo, com um intervalo de confiança de 95%, variações maiores que 2,5% para coluna lombar e 4% para o fêmur podem ser consideradas estatisticamente significativas ou relevantes do ponto de vista clínico.

Se os exames de densitometria óssea forem repetidos em máquinas de fabricantes diferentes, teremos que somar os erros de precisão de cada máquina, o que dificulta muito a interpretação dos resultados.


Densitometria óssea: Critérios para a solicitação

Na anamnese, a observação de fatores de risco associados à osteoporose não identifica os pacientes com osteopenia com a mesma sensibilidade que a densitometria óssea. Este fato é particularmente relevante na população de mulheres na perimenopausa e nos pacientes que apresentam condições clínicas que induzam uma osteoporose secundária.

Quem então deve fazer um exame de densitometria óssea? De acordo com a National Osteoporosis Foundation (NOF), que reúne um grande número de pesquisadores de diversas especialidades envolvidas com osteoporose, estas são as indicações formais para o estudo da massa óssea:

• Todos os indivíduos com mais de 65 anos;
• Indivíduos com deficiência de hormônios sexuais;
• Mulheres na perimenopausa que estejam cogitando usar terapia de reposição hormonal, para auxiliar esta decisão;
• Pacientes com alterações radiológicas sugestivas de osteopenia ou que apresentem fraturas osteoporóticas;
• Pacientes em uso de corticoterapia crônica;
• Pacientes com hiperparatiroidismo primário;
• Pacientes em tratamento da osteoporose, para controle da eficácia da terapêutica.

Além dessas indicações, existem inúmeras outras condições clínicas que, por predisporem à perda óssea, são consideradas fatores de risco e justificam a avaliação. Os fatores de risco são:

Antecedente genético

Inúmeros trabalhos observacionais demonstram a agregação familiar de menor massa óssea e a concordância deste traço em gêmeos mono e dizigóticos. Cerca de 70 a 80% da variação da densidade mineral óssea pode ser atribuída a fatores genéticos. Caucasianos e orientais apresentam maior incidência de fraturas do que populações negras, assim como mulheres de qualquer raça em relação aos homens. Deste modo, o antecedente familiar, particularmente materno, de fraturas osteoporóticas é uma indicação para o exame;

Riscos ambientais

Deficiências e/ou distúrbios nutricionais como baixa ingestão de cálcio, baixo peso, dietas de restrição calórica, alcoolismo, excessos de sódio e proteína animal; consumo de cigarro; sedentarismo; longos períodos de imobilização;

Doenças crônicas

Hipertiroidismo, tratamento do câncer diferenciado de tiróide com doses supressivas de T4, hipercortisolismo, insuficiência renal crônica, hepatopatias, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças de má absorção intestinal, hipercalciúria idiopática e artrite reumatóide. O risco de fraturas também está associado a maior risco de quedas, principalmente em pacientes com déficit visual, de força muscular no quadríceps e/ou cognitivo, alterações de marcha e disfunções neurológicas que afetem o equilíbrio;

Uso crônico de drogas

A incidência de fraturas osteoporóticas em usuários de corticosteróides por mais de seis meses é de cerca de 30 a 50%. Mesmo doses pequenas de glicocorticóides, incluindo os inalatórios, podem causar perda óssea na maioria dos indivíduos. Outras drogas associadas à perda óssea são ciclosporina, bloqueadores da secreção de gonadotrofinas, heparina, anti-convulsivantes como hidantoína, carbamazepina e fenobarbitúricos e os quimioterápicos. Drogas que provoquem hipotensão postural ou alterações do equilíbrio, como anti-hipertensivos, barbitúricos, benzodiazepínicos e diuréticos, podem aumentar o risco de quedas.


Referências bibliográficas

1. Miller PD, McClung M. Prediction of fracture risk: bone density. Am J Med Sci 1996; 312: 257-259
2. Reference Data: WHO 1994. Assessment of fracture risk and its application to screening for postmenopausal osteoporosis. Technical Report Series. WHO, Geneva.
3. NIH Consensus Development Panel on Osteoporosis. South Med J 2001; 94(6): 569-573
Baran DT, Faulkner KG, Genant HK, Miller PD, Pacifici R. Diagnosis and management of osteoporosis: guidelines for the utilization of bone densitometry. Calcif Tissue Int 1997; 61: 433-440
4. International Society for Clinical Densitometry Position Development Conference. J Clin Densitom 2002; 5 (suppl): S11-S17.
5. Kanis JA. Diagnosis of Osteoporosis and assessmentof Fracture Risk. Lancet 2002; 359: 1929-1936.