Por um coletivo melhor | Revista Fleury Ed. 38

Atitude política transcende o voto e o engajamento em partidos. Criar pequenos gestos para impactar positivamente a vida das pessoas está ao alcance de todos.


Atitude política transcende o voto e o engajamento em partidos. Criar pequenos gestos para impactar positivamente a vida das pessoas está ao alcance de todos

Atitude política vai muito além do ambiente partidário. “Há um conjunto de definições, mas todas elas esbarram na responsabilidade frente à coisa pública e ao coletivo. Envolve, por exemplo, desde uma ação conjunta em prol da comunidade à votação para representantes nas eleições”, explica o professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador no Núcleo de Antropologia Urbana da USP (NAU) José Guilherme Magnani. Na sua avaliação, a proliferação de coletivos, principalmente entre jovens, é um exemplo bem-acabado de uma atitude política que está bem distante do senso comum. “São manifestações sem liderança aparente, que usam os recursos que estão à disposição, com forte engajamento dos seus membros. Em todas elas, o cuidado com a coisa pública está lá, permeando objetivos e ações”, afirma. O certo é que atitude política está ao alcance de qualquer um. São pequenos gestos que podem impactar a vida das pessoas ao redor. “Resultados positivos retroalimentam esse espírito. Levam os participantes a acreditar que suas iniciativas têm êxito, criando um círculo virtuoso e transformando esses acontecimentos em símbolos importantes na comunidade”, avalia Magnani. Andrea Pesek, Claudia Visoni, Daniel Zibordi e Yuri Mendoza, de maneiras distintas, agiram em prol de suas comunidades, influenciando dezenas, centenas e milhares de pessoas. Conheça suas iniciativas.

Para ir além das reuniões

“O direito de um sempre termina quando começa o do outro.” Premissa básica para a convivência harmoniosa em comunidade, o ditado nem sempre é seguido, afinal, ajustar gostos e preferências não é lá algo simples. Os moradores do condomínio Parque das Flores Residencial, em Jardim das Vertentes, na Zona Oeste de São Paulo, encontraram no diálogo uma solução.

Com dois blocos e 280 apartamentos, as centenas de moradores contam com um bastante ativo grupo de WhatsApp para debater problemas do condomínio. “A maior parte das discussões gera sugestões proveitosas. Com isso, cada ideia já nasce a partir de um debate prévio, o que é mais assertivo”, avalia Yuri Mendoza, síndico do condomínio. “Se usássemos apenas as reuniões condominiais, talvez muita coisa ainda não tivesse sido feita”, completa.

Foi a partir das conversas pelo WhatsApp que surgiu a ideia da Vaga Solidária, que consiste em ceder a visitantes vagas ociosas na garagem, como de pessoas que viajam no final de semana. “Não há vagas para visitantes e havia um problema de furto de veículos na rua. Considerando que temos dificuldade para fazer segurança privada em espaços públicos, a solução foi muito boa”, explica Mendoza.

Das mensagens no grupo, também saíram outras decisões. A mais recente é sobre o que fazer com as lixeiras após a proibição, por parte Corpo de Bombeiros, de mantê-las nos andares. “Estamos testando alternativas e mantendo todo mundo informado”, diz o síndico, que considera os moradores engajados nas soluções dos problemas. “Mas tudo tem seu bônus e ônus. A parte ruim é que qualquer desentendimento acaba se tornando público”, diz.

Engajamento gera engajamento

Há 21 anos, dois membros de uma ONG paulista se depararam com uma situação comum a todas essas instituições. Sem recursos para tocar as atividades diárias, quebravam a cabeça para tentar obter novas fontes de receitas. Dessa necessidade, surgiu a Famizza (Família da Pizza). A ideia era simples: organizar um rodízio de pizza, cobrando ingresso com valor fixo e chamando a comunidade local. A verba arrecadada era totalmente direcionada para a entidade.

Voluntários se engajaram e o encontro foi um sucesso. “Havia diretores de outras entidades no local, muitos deles gostaram da ideia e pediram para organizar um rodízio só para eles. Aí o Famizza engrenou”, conta Daniel Zibordi, coordenador da instituição. Hoje, o modelo continua o mesmo, bem como o objetivo. Há eventos em que mais de 30 voluntários trabalham para confeccionar as pizzas e servir aos convidados.

“O mais bacana é ver todos engajados, dedicando-se desde cedo no evento. Acabamos criando uma rede de voluntários, que conta ainda com pessoas das instituições atendidas”, revela Zibordi. “Mas tudo isso é uma consequência positiva do trabalho. Nossa missão é sempre a mesma: ajudar as entidades a arrecadar fundos para bancar suas atividades.”

Anualmente, são promovidos até 19 eventos, com diferentes entidades. “Temos lista de espera de 30 instituições filantrópicas”, diz Zibordi, destacando que, só em 2016, foram feitas mais de 6,5 mil pizzas nos eventos. “No total, auxiliamos as entidades a arrecadar cerca de R$ 270 mil no ano passado.”

Uma horta para a cidade

Tudo começou em 2011. Após uma palestra sobre agricultura urbana, a jornalista Claudia Visoni viu que não estava sozinha em seu gosto pelo tema. Logo, criou-se um grupo em uma rede social, chamado Movimento dos Hortelões Urbanos. “Compartilhávamos experiências sobre plantio doméstico. Um ano depois, o grupo já tinha 1,2 mil participantes.” Uma foto de uma planta aqui, um debate sobre sementes acolá, até que alguém teve uma ideia: por que não criar uma horta comunitária?

“Era início de 2012, e esse desejo tomou impulso em reuniões presenciais. Como moro na região de Pinheiros, assim como várias outras pessoas do grupo, pensamos na praça das Corujas.” Nascia a Horta das Corujas, com três objetivos claros: educação nutricional, fortalecimento comunitário, regeneração ambiental e reconexão com a natureza.

“Procuramos a subprefeitura do bairro, que nos pediu duas coisas: não plantar árvores, já que a praça já é suficientemente arborizada, e cuidar bem do espaço. Assim, começamos nosso sonho”, relembra Claudia. Andrea Pesek chegou um pouco depois, com a horta já produzindo. “Nasci aqui na região, mas morei em sítio e sempre tive contato com a terra. Um dia, minha filha falou que havia uma horta comunitária na praça. Não entendi muito bem, mas decidi conhecer. E aqui estou”, brinca.

Hoje, a Horta das Corujas ocupa uma área de 800 metros quadrados e produz cacau, café, banana e hortaliças, entre outras culturas. Dez pessoas participam ativamente da iniciativa, explica Andrea. “Temos pelo menos duas pessoas aqui todos os dias para podar e regar. Já o público que frequenta é muito variado, indo de moradores de ruas a moradoras do bairro”, completa.

Para as duas, o mais interessante da horta é a maneira como as pessoas interagem com ela. “Tem gente que vem e se apropria, ou seja, serve-se da plantação ou ‘rouba’ uma muda. Há ainda quem fica tímido, pede para entrar, o que é muito engraçado, afinal, a praça é pública”, diverte-se Claudia. “Plantamos para a cidade. Geramos riqueza para todos”, finaliza Andrea.