A febre reumática (FR) é um tipo de reumatismo que acomete crianças a partir dos 3 anos de idade, embora seja mais comum dos 5 aos 15 anos. É uma doença rara em países desenvolvidos, mas relativamente comum no Brasil. Trata-se de uma complicação inflamatória tardia de infecções de garganta causadas por uma bactéria chamada estreptococo. Entretanto, estima-se que, do total de crianças que tenham faringites, apenas de 2,5% a 4% desenvolvam esse quadro de febre reumática. Nesta doença podem ser afetadas as articulações, o coração, o sistema nervoso e a pele. As manifestações cardíacas são as mais graves, uma vez que podem lesar as valvas do coração e comprometer suas funções, limitando a qualidade vida do paciente em curto e em longo prazo. O comprometimento cardíaco da febre reumática ainda é uma das causas mais freqüentes de cirurgias cardíacas em indivíduos adultos. Embora a origem dessa doença esteja vinculada à presença do estreptococo, existem outros fatores implicados no desenvolvimento da mesma. Sabe-se que ocorre uma resposta inapropriada do sistema imunológico, que leva à produção de anticorpos contra proteínas do próprio organismo, devido a uma semelhança destas com a proteína M presente na membrana do estreptococo. Esses anticorpos podem então causar danos em tecidos articulares, na pele, no sistema nervoso e no coração. |
"A doença se caracteriza por quadros cardíacos, articulares, neurológicos e cutâneos, que podem aparecer cerca de uma a três semanas após a infecção pelo estreptococo. O comprometimento cardíaco, a cardite, é a manifestação mais freqüente dessa doença. O sopro no coração ocorre em 100% dos pacientes, podendo ou não causar queixas de batedeira (palpitações), cansaço e falta de ar aos esforços, dependendo do grau de comprometimento da valva cardíaca. Em alguns casos há quadros de inflamação das membranas que envolvem o coração (pericardite) e até evolução para quadros mais graves como de insuficiência cardíaca. Já a artrite caracteriza-se por inflamações nas grandes articulações, com um caráter migratório e autolimitado. A presença de dor intensa, inchaço e calor local, sobretudo nos joelhos e nos cotovelos, pode limitar bastante os movimentos, mas evolui para a cura, sem deixar sequelas. Um outro sinal clínico muito importante é a Coréia, que embora seja rara, é altamente sugestiva de febre reumática. Caracteriza-se por movimentos involuntários, desordenados dos braços e pernas. Embora raro, podem aparecer pequenos caroços (nódulos) debaixo da pele, duros, indolores, localizados nas superfícies das articulações e, eventualmente, no couro cabeludo. Outra lesão de pele rara, mas característica, é o eritema marginado, que são manchas fugazes, com bordas nítidas avermelhadas e centro claro, localizadas no tronco. A febre reumática pode ocorrer em surtos agudos e autolimitados, com duração de um a seis meses. As recorrências ocorrem especialmente nos primeiros cinco anos após o surto inicial e naqueles pacientes com antecedente de doença cardíaca. A principal causa dessa doença é a infecção recorrente pelo estreptococo. Muitas crianças têm infecções de faringe e escarlatina, que são causadas por esta bactéria. No entanto, a evolução para febre reumática só se dá naquelas que possuem uma predisposição para apresentar essa reação inflamatória. Acredita-se que tal vulnerabilidade seja por herança familiar, mas, na verdade, ainda não se conhecem muito bem as causas do desenvolvimento desta resposta inflamatória inadequada ao estreptococo e de outras enfermidades que também cursam com processos de auto-agressão."
"O diagnóstico da febre reumática depende de uma boa avaliação médica, que inclua o conjunto de manifestações clínicas e a história da criança, com relato de faringite ou escarlatina recentes. Os resultados de testes laboratoriais de sangue podem revelar a existência de processo inflamatório no organismo – os chamados marcadores de inflamação – e o contato prévio com o estreptococo, caracterizado pela presença do anticorpo anti-estreptolisina (ASLO). O encontro de dois sinais clínicos mais significativos, como a coréia e o sopro cardíaco, associado a evidência de infecção recente pelo estreptococo já é suficiente para confirmar a hipótese. Entretanto, como alguns dos sintomas não são específicos e pode haver infecções pelo estreptococo sem sintomas, o diagnóstico de febre reumática muitas vezes é um desafio para o médico. Assim, é muito importante descartar outras doenças, como artrite reumatóide juvenil, anemia falciforme, leucemia, que podem apresentar sintomas semelhantes."
"O tratamento busca eliminar o estreptococo (tratamento inicial) e prevenir novas infecções (fase de profilaxia). Inicialmente, consiste na aplicação da penicilina benzatina em dose única, independente da época em que a infecção tenha ocorrido, com a finalidade de erradicar o estreptococo do organismo da criança. Nessa fase também se prioriza o combate aos sintomas com o uso de antiinflamatórios não-hormonais para as artrites e de corticóides para as complicações do coração. Além do emprego de medicações neuropsiquiátricas para o tratamento da coréia. O repouso durante as crises agudas é recomendado, sobretudo para crianças com cardite e artrite. A segunda etapa, chamada de profilaxia secundária, inclui a aplicação da penicilina benzatina a cada duas a três semanas, por tempo prolongado, a ser definido pelo médico individualmente. Assim, de acordo com a gravidade da doença, alguns pacientes recebem medicamentos até os 18 anos, outros até os 25 e, eventualmente, por toda a vida. O objetivo dessa estratégia é evitar o surgimento de novos surtos da doença, que podem comprometer cada vez mais o coração do paciente. A melhor maneira de evitar a instalação da febre reumática é consultar um médico sempre que houver suspeita de uma infecção causada pelo estreptococo, para que esta seja diagnosticada e prontamente combatida. Essa é uma medida importante, uma vez que não há vacina específica ou outra forma efetiva de prevenir os processos infecciosos nas vias respiratórias da população infantil, sobretudo na idade escolar. A adesão às fases do tratamento médico proposto é fundamental para minimizar os danos ao coração e evitar a necessidade de intervenções cirúrgicas cardíacas. Além disso, é sempre bom salientar que cultivar bons hábitos de higiene e cuidados com a saúde das crianças diminui muito a predisposição destas à ação dos microrganismos como o estreptococo."