Aspectos clínicos dos erros inatos do metabolismo

Tópicos presentes neste capítulo

  • O que investigar em lactente com quadro de síndrome de Reye?  
  • A existência de malformações e dismorfismos já ao nascimento exclui a possibilidade de EIM?  
  • O que investigar em recém-nascido que nasce bem e entra em coma, sem outra causa aparente?  
  • Quais as principais EIM que podem levar a distúrbio de consciência de instalação aguda em recém nascidos?  
  • As convulsões podem ser conseqüentes a EIM?  
  • O que são as epilepsias mioclônicas progressivas?  
  • Quais são os EIM que levam a sintomas extrapiramidais?  
  • O que são leucodistrofias?  
  • Que problemas genéticos e metabólicos podem causar ataxia?  
  • Quais os erros metabólicos que envolvem o metabolismo do cobre?  
  • Como se classificam e quais são as doenças peroxissomais?  
  • O que são doenças mitocondriais?  
  • O que se entende por “doença de depósito”?  
  • O que são porfirias?  
  • Quais as manifestações clínicas das porfirias?  
  • Como é estabelecido o diagnóstico laboratorial de porfiria?  
  • Quais os erros metabólicos que envolvem a frutose?  
  • Quais são as doenças do metabolismo do glicogênio?  
  • Quais erros metabólicos podem causar deficiência imunológica?  
  • Que EIM cursam com manifestações predominantemente renais?  
  • Quais são os EIM que têm manifestações cardíacas entre seus sintomas principais?  
  • Quais as principais manifestações oftalmológicas dos EIM?  
  • Quais as principais manifestações dos EIM no sistema ósteo-articular?  

O que investigar em lactente com quadro de síndrome de Reye?

Inúmeros defeitos bioquímicos já foram descritos associados à síndrome de Reye que se caracteriza por coma, edema cerebral, hepatomegalia, elevação de amônia e das transaminases plasmáticas e hipoglicemia, especialmente quando ela ocorre antes dos 3 anos de idade. Entre as causas mais importantes, estão os defeitos da beta oxidação de ácidos graxos, em especial a deficiência da desidrogenase de acil-CoA de cadeia média (medium chain acil-CoA dehydrogenase, MCAD), e os defeitos do ciclo da uréia. A investigação de pacientes com síndrome de Reye deve incluir a realização do perfil de acilcarnitinas e aminoácidos (especialmente ornitina, ácido arginosuccínico, citrulina e glutamina) e a dosagem de ácidos orgânicos e ácido orótico na urina.

A existência de malformações e dismorfismos já ao nascimento exclui a possibilidade de EIM?

Não. Embora durante muitos anos tenha se acreditado que erros inatos do metabolismo não levassem a dismorfismo, conhece-se atualmente diversos EIM que se manifestam já na vida fetal e se caracterizam por graus variados de dismorfismo. Entre eles temos:

• Síndrome de Smith-Lemli-Opitz, que leva a microcefalia, retardo de crescimento, dismorfismo facial e, quando afeta meninos, hipospadia e criptorquidia. Está também associado a defeitos graves do fechamento do tubo neural (holoprosencefalia e anencefalia) e é conseqüente a defeito da síntese de colesterol, levando a hipocolesterolemia e elevação de seu precursor, 7-OH colesterol.
• Síndrome de Zellweger, decorrente de defeito na formação do peroxissomo, organela celular responsável entre outras coisas pela síntese de sais biliares e degradação de ácidos graxos de cadeia muito longa. Determina alterações hepáticas, renais, dismorfismo facial, retardo grave do desenvolvimento e hipotonia muscular.
• Deficiência da desidrogenase pirúvica, que é a enzima que faz a junção entre a glicólise e o ciclo de Krebs. Cursa com acidose, dismorfismo facial, e malformações do sistema nervoso, tais como agenesia de corpo caloso e hidrocefalia.
• Algumas doenças de depósito, como a gangliosidose GM1 generalizada e a sialidose podem se manifestar já ao nascimento com hepatoesplenomegalia e dismorfismo facial.
• Defeitos congênitos da glicolização (CDG), grupo de doença recentemente definido decorrente de incapacidade em adicionar carbohidratos a diversas proteínas, entre as quais a transferrina. Diversas enzimas presentes no sistema de Golgi são responsáveis por esse quadro, que tem manifestações multissistêmicas, incluindo atrofia do cerebelo, dismorfismo facial, derrame pericárdico, déficit de fatores de coagulação, etc. A análise de isoformas de transferrina, que se mostram com glicolização deficiente, permite o diagnóstico desse grupo de doenças.

O que investigar em recém-nascido que nasce bem e entra em coma, sem outra causa aparente?

A possibilidade de EIM deve ser considerada em recém-nascido (RN) que apresente distúrbio de consciência de instalação aguda, após intervalo livre de sintomas. Nesta situação, outras doenças, tais como infecções, hipoglicemia, hemorragia intracraniana e distúrbios metabólicos são, em geral, as primeiras considerações diagnósticas. Deve-se ter particular atenção quanto à existência de acidose (gasometria e lactato sérico), cetose, hipoglicemia, hiperamonemia e ao teor de alguns aminoácidos plasmáticos, como glicina e leucina.

Estes pacientes devem realizar ampla investigação, que inclui:

• Dosagem de lactato e piruvato sérico
• Gasometria e glicemia
• Pesquisa de corpos cetônicos na urina (se positivo, dosar beta hidroxi-butirato plasmático)
• Dosagem de amônia plasmática
• Determinação de aminoácidos urinários e plasmáticos especialmente glicina, citrulina e ornitina)
• Determinação de ácidos orgânicos urinários.

Quais as principais EIM que podem levar a distúrbio de consciência de instalação aguda em recém nascidos?

Diversos erros do metabolismo podem ter esta apresentação, entre eles:

• Hiperamonemias conseqüentes à deficiência de uma das enzimas envolvidas com o ciclo da amônia ou a hiperglicinemia não cetótica.
• Aminoacidopatias, como a doença da urina com odor de xarope de bordo, causada por defeito na metabolização de aminoácidos de cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina) e a hiperglicinemia não cetótica, decorrente de defeito na metabolização da glicina.
• Organoacidopatias, como as acidúrias metilmalônica, propiônica e isovalérica.

As convulsões podem ser conseqüentes a EIM?

As crises convulsivas são um dos mais freqüentes sintomas neurológicos e sua etiologia é muito variável. Dentro do conjunto de manifestações clínicas dos EIM, elas podem ser tanto o sintoma dominante, como ser pouco importantes. Afecções como a fenilcetonúria não tratada, a doença de Tay-Sachs e a adrenoleucodistrofia ligada ao X, podem cursar com convulsões em sua evolução, mas outros sintomas costumam dominar o panorama clínico. Em outras doenças, no entanto, as convulsões, pela precocidade ou freqüência, são bastante relevantes dentro da história clínica. Entre as doenças nas quais a convulsão é manifestação clínica dominante, temos:

• Aminoacidopatias, como a hiperglicinemia não cetótica.
• Deficiência da proteína transportadora de glicose (GLUT 1), que leva a persistente redução do teor de lactato e glicose no líqüor, associado à glicemia normal.
• Deficiência de sulfito oxidase e deficiência do cofator de molibdênio, que cursam com níveis baixos de ácido úrico plasmático e aumento na excreção urinária de sulfocisteína e taurina.
• Doença de Menkes, por defeito na distribuição e transporte de cobre intracelular e que leva a níveis muito baixos de cobre e ceruloplasmina plasmáticos.

O que são as epilepsias mioclônicas progressivas?

As epilepsias mioclônicas progressivas tem como principal manifestação a ocorrência de crises epilépticas do tipo mioclônica, que se caracterizam por contrações súbitas de grupamentos musculares, levando a deslocamento de um segmento corporal ou do tronco. Eles podem ser decorrentes de diversos defeitos metabolicos, entre os quais:

• Lipofuscinose ceróide neuronal, grupo heterogêneo de doenças herdadas de forma autossômica recessiva e caracterizadas por perda visual progressiva por retinopatia, deterioração cognitiva e crises mioclônicas. Conhece-se atualmente sete genes que podem levar a esse quadro, podendo ter início entre 2 e 10 anos de idade. Há raros relatos de casos de início na vida adulta.
• Deficiência de sialidase, que leva a crises mioclônicas, involução neuromotora e presença de mancha vermelho cereja na mácula.
• Deficiência de beta-glicosidade, característico da forma subaguda (tipo 3) da doença de Gaucher, que cursa com hepatoesplenomegalia, involução neuropsíquica, ataxia e epilepsia mioclônica.
• Doença de Unverricht-Lundborg, também conhecida como mioclônica báltica, decorre de deficiência da enzima lisossomal cistatina B e cursa com epilepsia mioclônica associada a lento declínio cognitivo.
• Doença de Lafora, forma rara de mioclônia progressiva acompanhada de rápida demenciação.

Quais são os EIM que levam a sintomas extrapiramidais?

Manifestações extrapiramidais do tipo distonia e coreoatetose podem fazer parte de alguns EIM, entre os quais:

• Doença de Wilson, que cursa com distonia e coreoatetose e pode ser diagnosticada por meio da dosagem de cobre plasmático e da ceruloplasmina (que se mostram baixos) e do cobre urinário, que se acha elevado.
• Distonia DOPA-responsiva, que se caracteriza por distonia, que se mostra menos intensa no início do dia e que piora ao longo do mesmo. É decorrente de defeito de síntese do neurotransmissor dopamina, por deficiência de GTP ciclo-hidrolase ou de tirosina hidroxilase.
• Doença de Niemann-Pick tipo C, que é consequente a defeito no trânsito intracelular de colesterol e causa distonia e demenciação progressivas, acompanhado de paralisia do olhar conjugado vertical para cima.
• Doença de Hallevorden-Spatz, que cursa com grave distonia, demenciação e retinite pigmentar. O estudo por ressonância magnética mostra alteração muito típica em globo pálido e recentemento demonstrou-se ser decorrente de deficiência na enzima pantotenato quinase.
• Síndrome de Leigh, decorrente de deficiência na produção mitocondrial de ATP, pode levar a distonia e coreoatetose. O estudo por ressonância magnética mostra lesão em núcleos da base e tronco encefálico.

O que são leucodistrofias?

As leucodistrofias são um grupo heterogêneo de doenças que podem ser geneticamente determinadas ou ter outra etiologia. Algumas afecções, tais como as infecções congênitas por rubéola ou citomegalovirus e as lesões isquêmicas perinatais da substância branca podem levar a alterações da substância branca encefálica; esses diagnósticos podem ser estabelecidos pela história clinica, exames laboratorias e de neuroimagem, como tomografia ou ressonância magnética, e não apresentam caráter progressivo. Na maior parte das vezes, no entanto, as leucodistrofias são geneticamente determinadas e se caracterizam por progressiva alteração focal ou difusa da substância branca, que costuma surgir após período livre de qualquer sintoma; em certas leucodistrofias, a mielina presente nos nervos periféricos também pode se achar alterada. Os sintomas das leucodistrofias vão depender da etiologia e da região que se encontra mais comprometida, existindo grande variabilidade com relação à idade de início dos sintomas. Os exames de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia de crânio, contribuem para demonstrar a alteração da substância branca, e o diagnóstico específico estará na dependência da realização de análises bioquímicas especiais, orientadas a partir do quadro clínico e dos exames de imagem. Os exames que podem estar indicados incluem a dosagem de ácidos graxos de cadeia muito longa (elevados na adrenoleucodistrofia ligada ao X) e a determinação da atividade de enzimas lisossomais (como a arilsulfatase A anormal na leucodistrofia metacromática e a galactocerebrosidase, alterada na doença de Krabbe).

Que problemas genéticos e metabólicos podem causar ataxia?

As ataxias hereditárias correspondem a um grupo bastante grande de doenças que se caracterizam por alteração predominante da coordenação e do equilíbrio. Em alguns casos, ela pode ser decorrente de doença metabólica; em outros de uma doença degenerativa. As ataxias hereditárias podem ser de herança autossômica recessiva ou dominante; podem ter curso progressivo ou intermitente.

Ataxias crônicas de caráter recessivo

As ataxias crônicas de caráter recessivo podem ser conseqüentes à alterações do cerebelo ou da propriocepção. A idade de início é variável, mais precoce na ataxia-telangiectasia (AT) e síndrome CDG (síndrome da glicoproteína deficiente em carboidrato), mais tardia na ataxia de Friedreich e deficiência por vitamina E e ataxia (AVED). O diagnóstico das ataxias recessivas depende de achados clínicos (como telangiectasias oculares na AT, escoliose e pés cavos na ataxia de Friedreich) e laboratoriais (deficiência imunológica na AT, alteração do padrão de glicolização da transferrina na síndrome CDG, deficiência de vitamina E na AVED).

Ataxias de caráter dominante

Embora a definição clínica das ataxias dominantes seja bastante antiga, somente com o avanço da genética molecular passou a ser possível uma classificação que agrupasse, de forma mais racional, as ataxias de transmissão dominante. Pelo menos 12 diferentes genes são responsáveis pelas doenças deste grupo, coletivamente chamadas de ataxias espino-cerebelares (e conhecidas pela abreviatura SCA). Uma destas formas, a doença de Machado-Joseph (ou SCA3), inicialmente descrita entre os portugueses de ascendência açoriana, é mais freqüente no Brasil. Na maior parte das vezes não é possível definir-se clinicamente a que grupo pertence determinado paciente sendo necessário recorrer-se a estudo de DNA. O diagnóstico é feito a partir da história clínica e herança compatível e é confirmado por técnicas de biologia molecular. A análise molecular para diversas formas de SCA encontra-se disponível em algumas rotinas laboratoriais

Ataxia intermitente

Um distúrbio intermitente da coordenação pode ser encontrado em alguns EIM de aminoácidos (doença Hartnup, decorrente da dificuldade de reabsorção de aminoácidos aromáticos, em especial do triptofano) ou por alteração de canais de potássio (ataxia periódica familiar).

Quais os erros metabólicos que envolvem o metabolismo do cobre?

São conhecidas duas condições em que existe alteração no metabolismo do cobre: a doença de Wilson e a doença de Menkes.

A doença de Wilson, de herança autossômica recessiva, decorre de comprometimento na excreção biliar do cobre. Com isto existe redução dos níveis plasmáticos de cobre e de sua proteína carreadora, ceruloplasmina, além de aumento do teor tecidual deste metal, inicialmente no fígado e depois em outros órgãos. A excreção urinária de cobre é também aumentada As manifestações da doença de Wilson são principalmente hepáticas (cirrose) e neurológicas (lesão de núcleos da base) e são passíveis de tratamento com o uso de substâncias que aumentem a excreção urinária de cobre.

A doença de Menkes, de herança recessiva ligada ao X, decorre de comprometimento do transporte e da distribuição celular de cobre. Com isto, observa-se níveis sangüíneos muito baixos de cobre e de sua proteína carreadora, ceruloplasmina. A deficiência de cobre interfere com a atividade de diversas enzimas que utilizam este metal em seu núcleo ativo, como co-fator, comprometendo, entre outras, a respiração celular e a maturação do colágeno. As manifestações clínicas iniciam-se já nos primeiros meses de vida e caracterizam-se por alteração de cabelos, palidez cutânea e graves alterações neurológicas, com hipotonia muscular, retardo mental e crises convulsivas.

Como se classificam e quais são as doenças peroxissomais?

As doenças peroxissomais podem comprometer a função de uma única ou de diversas proteínas presentes na organela. As mais conhecidas são:

Síndrome de Zellweger, Doença de Refsum infantil e Adrenoleucodistrofia neonatal. Decorrem do comprometimento de múltiplas proteínas peroxissomais. Caracterizam-se por dismorfismo facial, sinais de comprometimento hepático e renal, hipotonia muscular e convulsões. O exame ultra-estrutural do fígado, em geral, mostra uma formação deficiente de peroxissomos. Do ponto de vista bioquímico, observa-se acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa, ácido fitânico e plasmalogênio.

- Adrenoleucodistrofia (ALD), de herança ligada ao cromossomo X, afeta indivíduos do sexo masculino, ocasionando graus variados de comprometimento neurológico e de insuficiência adrenal (Addison). Podem ocorrer diferenças fenotípicas dentro de uma mesma família. Do ponto de vista bioquímico, caracteriza-se por elevação no teor de ácidos graxos de cadeia muito longa, conseqüente à anormalidade em proteína transportadora da membrana peroxissomal. Clinicamente, costuma-se reconhecer duas formas de ALD:

1. forma cerebral, que cursa com desmielinização difusa, ocasionando rápida deterioração intelectual, sensorial e motora. Inicia-se em geral na primeira década de vida, após período assintomático de pelo menos 3 anos.

2. forma mieloneural, que leva ao comprometimento dos nervos periféricos e da medula espinhal, resultando em paraparesia espástica. Inicia-se, em geral, após os 15 anos de idade e tem curso lentamente progressivo.

- Doença de Refsum, que cursa com ataxia, ictiose, neuropatia periférica e retinite pigmentar. Do ponto de vista bioquímico, existe um acúmulo de ácido fitânico, que é um ácido graxo de cadeia ramificada presente em proteínas de origem animal, especialmente no leite. Inicia-se a partir da segunda década de vida.

O que são doenças mitocondriais?

O termo doença mitocondrial é empregado para se referir a um grupo de moléstias em que há alteração do funcionamento da mitocôndria, em especial da oxidação fosforilativa, responsável pela produção de ATP. As doenças mitocondriais podem ser conseqüentes à uma mutação afetando o DNA mitocondrial ou o DNA nuclear, que codificam proteínas necessárias para a respiração celular. O quadro clínico é bastante polimorfo, incluindo sinais de comprometimento muscular, cardíaco, auditivo, visual e dos sistemas endócrino e nervoso. Um dos indicadores laboratoriais de doença mitocondrial é a elevação do lactato plasmático e no líqüido céfalorraquidiano.

O que se entende por “doença de depósito”?

Doença de depósito, ou de armazenamento, é o termo utilizado para se designar um grupo de doenças que se caracteriza por acúmulo de determinadas substâncias dentro dos lisossomos. A doença de depósito sempre decorre de um defeito de enzima envolvida na degradação de uma molécula complexa, que pode ser um polímero de açúcar, como os glicosaminoglicanos, também conhecidos por mucopolissacárides, ou um glicolípide, composto por lípide e açúcares, recebendo denominações como esfingolípide. O acúmulo intralisossomal destas substâncias pode levar ao comprometimento da função celular até à sua destruição. Alternativamente, um metabólito da substância acumulada pode ser tóxico para a célula. Os órgãos que mais freqüentemente são afetados pelas doenças de depósito são o cérebro, o fígado, o baço e o sistema esquelético. Entre as doenças de depósito temos a doença de Gaucher (acúmulo de glicosil-ceramida), Tay-Sachs (acúmulo de gangliosídeo monosiálico 2, ou GM2) e as diversas mucopolissacaridoses.

O que são porfirias?

As porfirias são um grupo de doenças geneticamente determinadas, que podem ter herança autossômica dominante ou recessiva, caracterizadas do ponto de vista bioquímico por comprometimento da síntese do anel porfirínico. Este anel, ligado ao ferro, vai constituir o grupo heme, que é parte integrante do núcleo ativo de diversas enzimas (como os citocromos) ou proteínas com capacidade de se ligar ao oxigênio (como a hemoglobina e a mioglobina). A síntese do grupo heme envolve diversas enzimas que, quando têm sua atividade reduzida, levam ao aparecimento das porfirias.

Quais as manifestações clínicas das porfirias?

As manifestações clínicas das porfirias são bastante variadas e costumam ser divididas em neuropsiquiátricas e cutâneas. A forma mais freqüente de porfiria é a porfiria aguda intermitente, decorrente de deficiência da enzima porfobilinogênio deaminase. Esta patologia, de herança dominante, apresenta grande variabilidade na expressão clínica e cerca de 90% dos portadores jamais apresenta qualquer manifestação. Os sintomas tem caráter intermitente e a alteração clínica mais freqüente é dor abdominal, acompanhada de distúrbios autonômicos (taquicardia, sudorese, retenção ou incontinência urinária), confusão mental e polineuropatia motora. Medicamentos como sulfas e barbitúricos podem precipitar uma crise de porfiria. As formas cutâneas de porfiria são bastante raras e caracterizam-se por erupções em regiões expostas ao sol.

Como é estabelecido o diagnóstico laboratorial de porfiria?

A possibilidade de porfiria deve ser considerada em diversas condições clínicas e o diagnóstico pode ser estabelecido com o emprego de exames quantitativos como a dosagem urinária ácido delta aminolevulínico, de coproporfirias, urobilinogênio e porfobilinogênio ou pela determinação da atividade de algumas enzimas em eritrócitos, tais como ácido alfa-amino levulínico dehidratase (ALA-D) e porfobilinogênio deaminase (PBG-D).

Quais os erros metabólicos que envolvem a frutose?

A frutose é um monosacáride que está presente em alimentos como a sacarose (açúcar de mesa) e frutas. Existem quatro EIM da frutose: a deficiência de frutoquinase, que é assintomática, a deficiência da frutose 1-fosfato aldolase, ou intolerância hereditária à frutose, a deficiência da frutose 1,6 difosfatase e a acidemia D-glicérica. Na intolerância hereditária à frutose existe hipoglicemia, vomitos e retardo no crescimento, que surgem após ingestão de frutose. A deficiência de frutose 1,6 difosfatase ocorre hepatomegalia, hipoglicemia e acidose láctica. O quadro clínico da acidúria D-glicérica não está bem determinado, havendo indivíduos inteiramente assintomáticos, mas a maior parte das manifestações são neurológicas, com retardo do desenvolvimento neuromotor.

Quais são as doenças do metabolismo do glicogênio?

Existem 11 diferentes enzimas que estão envolvidas com o metabolismo do glicogênio e que levam a manifestações hepáticas, cardíacas e musculares, isolada ou associadamente. Nas formas com comprometimento hepático, observa-se hepatomegalia, hipoglicemia e acidose láctica. O comprometimento cardíaco é característico da deficiência de alfa glicosidase (doença de Pompe) e alterações musculares isoladas, caracterizadas por maior fatigabilidade, acidose láctica e mioglobinúria.

Quais erros metabólicos podem causar deficiência imunológica?

A deficiência imunológica pode fazer parte de alguns erros metabólicos, podendo ocorrer isoladamente ou estar associada a outros sintomas

Deficiência imunológica isolada:
• Deficiência da adenosina deaminase (leva a imunodeficiência grave, combinada, de células T e B).

Deficiência imunológica associada a outros sintomas:
• Ataxia-telangiectasia (deficiência de imunoglobulinas, especialmente IgA)
• Deficiência de biotinidase (deficiência da imunidade celular)
• Acidúria metilmalônica (risco de infecção bacteriana por agentes capsulados causada por deficiente opsonização)
• Galactosemia (risco de sepsis por E. coli)

Que EIM cursam com manifestações predominantemente renais?

Cinco EIM se manifestam primordialmente com problemas renais:

Doença de Fabry, que é uma doença lisossomal decorrente de defeito da alfa-galactosidase e que leva a depósito do glicolípide globotriaosilceramida em lisossomos dos glomerulos, ocasionando insuficiência renal na segunda ou terceira décadas de vida. Associadamente, existe o aparecimento de lesões cutâneas e dores muito intensas por neurite em mãos e pés. O diagnóstico é estabelecido pela dosagem da enzima alfa-galactosidase (triaosilceramidase) em plasma. Recentemente, foi desenvolvido tratamento dessa doença, por meio de reposição intravenosa da enzima deficiente.

Cistinose, decorrente de defeito no transporte de cistina (dímero do aminoácido sulfurado cisteína ) do lisossomo para o citoplasma, que causa tubulopatia do tipo Fanconi e opacificação de córnea. O diagnóstico é feito pelo encontro de cristais de cistina em células da medula óssea. A cistina plasmática pode estar normal nesta doença.

Cistinúria, decorrente de defeito na reabsorção tubular de cistina e outros aminoácidos dibásicos, manifesta-se com aparecimento de cálculos urinários de cistina.

Oxalúria primária, conseqüente a defeito de enzima peroxissomal hepática específica para o metabolismo do oxalato; ocasiona a formação de cálculos de oxalato de cálcio, de aparecimento nos primeiros anos de vida.

Tirosinemia tipo I, EIM da tirosina e que cursa com manifestações hepáticas e acidose tubular renal.

Acidemia metilmalônica, que leva a insuficiência renal crônica.

Defeito de síntese de coenzima Q10, que pode cursar com síndrome nefrótica.

Quais são os EIM que têm manifestações cardíacas entre seus sintomas principais?

A ocorrência de miocardiopatia dilatada pode ser o sinal cardinal de alguns erros metabólicos, como:

• Glicogenoses, como a doença de Pompe (glicogenose tipo II)
• Doenças envolvendo o metabolismo energético (doenças mitocondriais), que cursam com elevação do lactato sérico.
• Acidemias orgânicas, tais como a acidúria glutárica do tipo II ou deficiência de múltiplas desidrogenases.
• Defeitos da oxidação de ácidos graxos, especialmente a deficiência da desidrogenase de acidos graxos de cadeia longa-CoA.
• Deficiência primária de carnitina, decorrente de defeito em sua absorção.

Quais as principais manifestações oftalmológicas dos EIM?

Os EIM podem cursar com grande variedade de manifestações oftalmológicas, entre as quais:

Opacificação de córnea
• Doença de Hurler (MPS I)
• Mucolipidose IV
• Cistinose (cristais de cistina)

Catarata
• Defeitos da biogênese peroxissomal: doença de Zellweger, condrodisplasia rizomélica punctata.
• Galactosemias

Degeneração macular, com presença de mancha macular vermelho-cereja
• Deficiência de esfingomielinase (doença de Niemann Pick tipo A)
• Deficiência de beta-galactosidase (gangliosidose GM1)
• Deficiência de hexosaminidase A e B (doença de Tay-Sachs e Sandhoff)
• Deficiência de sialidase

Degeneração pigmentar da retina
• Lipofuscinose ceróide neuronal (vários tipos)
• Doença de Hallevorden-Spatz (deficiência de pantotenato quinase)
• Doenças mitocondriais

Atrofia de nervo óptico
• Deficiência de galacto-cerebrosidase (doença de Krabbe)
• Doenças mitocondriais

Luxação de cristalino
• Homocistinúria
• Deficiência de sulfito oxidase e deficiência do cofator de molibdênio

Deposição de cobre na membrana de Descemet (anel de Kayser-Fleisher)
• Doença de Wilson

Distúrbios do movimento conjugado do olhar
• Doença de Niemann-Pick tipo C (paralisia do olhar vertical)
• Doença de Gaucher tipo 3 (paralisia do olhar horizontal

Quais as principais manifestações dos EIM no sistema ósteo-articular?

lterações do sistema osteoarticular são encontradas principalmente nas mucopolissacaridoses, especialmente na doença de Hurler (MPS I), Hunter (MPS II), Morquio (MPS IV), Maroteaux-Lamy (MPS VI) e Sly (MPS VII). Nesse grupo de doenças, as alterações estão presentes no crânio, coluna vertebral e falanges distais. Além das mucopolissacaridoses, deformidades esqueléticas especialmente na coluna vertebral são encontradas em indivíduos ocm gangliosidose GM1.