Grandes avanços vêm sendo conquistados nas terapias contra diversos tipos de neoplasia, aumentando significativamente a sobrevida de pacientes oncológicos nas últimas décadas. Entre aqueles que sobrevivem ao câncer, a doença cardiovascular é importante causa de morbidade e mortalidade, seja pela idade geralmente mais avançada de tais indivíduos e pelos fatores de risco comuns às duas condições, seja por efeitos dos tratamentos adjuvantes sobre o sistema cardiovascular, incluindo a quimioterapia e a radioterapia.
Embora a maioria das definições de cardiotoxicidade em diretrizes e ensaios clínicos de Oncologia esteja focada em mudanças na função sistólica do ventrículo esquerdo e no desenvolvimento de sintomas de insuficiência cardíaca, existem diversos outros efeitos cardiovasculares adversos das terapias contra câncer, incluindo arritmias cardíacas, doença cardíaca isquêmica, eventos tromboembólicos, hipertensão pulmonar, hipertensão arterial, doença pericárdica e doença valvar.
Os mecanismos de desenvolvimento de toxicidade cardiovascular podem variar, a depender da classe de quimioterápicos. Classicamente, destaca-se como forma de cardiotoxicidade a disfunção ventricular secundária ao uso das antraciclinas, quimioterápicos largamente utilizados no tratamento do câncer de mama, além de sarcomas, linfomas e leucemias.
Algumas quimioterapias mais novas, como o trastuzumabe, um anticorpo humanizado contra o receptor HER-2, mostraram-se associadas à queda da fração de ejeção e à insuficiência cardíaca em quase 30% dos pacientes em estudos clínicos iniciais, porém se observa uma recuperação, embora nem sempre total, da função ventricular após a interrupção da terapia.
Diante disso, a avaliação cardiovascular pré-introdução de quimioterápicos potencialmente cardiotóxicos assume grande importância. Além da anamnese e de um exame físico com foco no sistema cardiovascular, estão indicados o eletrocardiograma de 12 derivações, a pesquisa de biomarcadores circulantes e exames de imagem que identifiquem pacientes de maior risco para cardiomiopatia e eventos cardiovasculares adversos.
Avaliação ecocardiográfica
Para o manejo e o seguimento de pacientes oncológicos, propõe-se uma abordagem integrada de métodos clínicos e diagnósticos com cooperação entre cardiologistas e oncologistas, na qual a ecocardiografia desempenha papel fundamental em dois momentos distintos, ou seja, o início e o término do tratamento.
A ecocardiografia é o método de escolha para a avaliação de pacientes antes, durante e após o tratamento oncológico por apresentar ampla disponibilidade, possibilidade de repetições com facilidade, baixo custo, ausência de exposição à irradiação e segurança em pacientes com disfunção renal concomitante. Além de poder estudar as dimensões das câmaras cardíacas e a função ventricular sistólica e diastólica em repouso e durante estresse, o exame permite avaliar as valvas cardíacas, a aorta e o pericárdio, bem como a condição hemodinâmica do paciente.
O uso de contraste miocárdico pode ter utilidade para melhorar a avaliação da função ventricular global e regional quando a qualidade das imagens obtidas é subótima. Na situação de função ventricular esquerda limítrofe ou na presença de imagens ecocardiográficas duvidosas (janela acústica inadequada), deve-se considerar a realização de ressonância magnética.
A avaliação da deformação miocárdica (análise do strain miocárdico pela técnica de speckle tracking) consiste em uma nova tecnologia ecocardiográfica capaz de detectar precocemente a disfunção miocárdica subclínica, podendo ser usada como ferramenta preditora de cardiotoxicidade nos pacientes em tratamento de câncer. O strain longitudinal global (SLG) configura ótimo parâmetro de deformação miocárdica, que prediz, com alta sensibilidade, a posterior redução da FEVE.
Uma redução relativa acima de 15% no SLG em relação ao basal é considerada anormal, mostrando-se um marcador precoce de disfunção ventricular. Idealmente, as medidas de strain precisam ser comparadas com os valores iniciais e obtidas sempre com o mesmo equipamento devido às variações das referências de normalidade existentes entre os diferentes fabricantes e versões de software (figura 1).
Figura 1 – Exemplo de avaliação da deformação miocárdica em indivíduo normal. SLG estimado pela técnica de speckle tracking em 19%. No quadrante inferior esquerdo, observa-se a representação final do strain (bulls eye), com valores do strain regional calculados nos 17 segmentos miocárdicos.
Papel das técnicas de Medicina Nuclear
Na avaliação da cardiotoxicidade por quimioterápicos
O risco de cardiotoxicidade é bem maior em pacientes com história prévia de doença cardíaca. Complicações cardiopulmonares graves e potencialmente fatais da quimioterapia incluem vasoespasmo coronariano, angina, infarto do miocárdio, arritmias, hipertensão arterial, disfunção ventricular esquerda, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), derrame pericárdico e fibrose pulmonar.
A ventriculografia radioisotópica, particularmente indicada por não ser dependente de observador e pela possibilidade de uso em pacientes com janela acústica inadequada, mostra-se bastante útil em pacientes obesos ou submetidos a cirurgias ou à irradiação torácica prévia.
Vale salientar que o método de imagem escolhido inicialmente precisa ser mantido por todo o seguimento.
Devido à natureza relativamente irreversível da disfunção sistólica em pacientes com cardiotoxicidade induzida por algumas drogas, como a antraciclina, a detecção precoce, ainda na fase subclínica, antes da diminuição da FEVE, é essencial. Para tanto, podem ser utilizadas imagens neuronais simpáticas com 123I-mIBG. Alterações na captação e na retenção e na razão com a captação do mediastino, assim como na taxa de washout de mIBG, fornecem informações prognósticas importantes.
Na avaliação de isquemia miocárdica
Anormalidades na perfusão miocárdica podem ocorrer após quimioterapia e/ou radioterapia. Pacientes com câncer, atualmente, apresentam maior sobrevida em razão dos avanços no diagnóstico e na terapêutica oncológica. Isso resulta em sua exposição a mais fatores de risco de doença aterosclerótica, o que, associado à cardiotoxicidade dos agentes quimioterápicos, leva a aumento da prevalência e da gravidade da isquemia miocárdica nessa população. O tratamento oncológico vem sendo, inclusive, considerado fator de risco cardiovascular em mulheres pela aceleração da aterosclerose e por promover inflamação. Durante o tratamento, o paciente pode apresentar qualquer forma de doença coronariana, estável ou instável.
Na suspeita de isquemia, principalmente em indivíduos que realizarão grandes cirurgias, pode-se recorrer à cintilografia miocárdica sob estresse físico ou farmacológico, de acordo com as características e a capacidade funcional dos pacientes.
Na avaliação de embolia pulmonar
As neoplasias associam-se a risco de trombose aumentado em quatro vezes e o emprego da quimioterapia eleva essa possibilidade em aproximadamente seis vezes. É uma grave complicação em pacientes com câncer e uma das principais causas de óbito nesse grupo. A cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão pode ser utilizada para o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar (TEP).
Na avaliação da cardiotoxicidade por radioterapia
A radioterapia é usada no tratamento de vários tipos de tumor. As complicações cardiovasculares dessa terapêutica configuram uma preocupação adicional no manejo do paciente oncológico, implicando a necessidade de diagnóstico precoce e a intervenção imediata. A irradiação do tórax pode causar danos ao miocárdio, às valvas, às artérias coronárias e ao pericárdio, sendo este a estrutura mais frequentemente acometida. A incidência de complicações cardiovasculares induzidas por radioterapia aumenta com altas doses de irradiação e com a associação de quimioterapia. Pacientes com doença arterial coronariana preexistente são mais vulneráveis ao comprometimento vascular, mas as complicações da radioterapia também ocorrem em indivíduos sem os tradicionais fatores de risco.
No diagnóstico de amiloidose cardíaca
Técnicas que fornecem identificação de amiloides cardíacos e diferenciam suas formas, como a cintilografia cardíaca com 99mTc-pirofosfato, têm papel relevante na detecção precoce dessa importante causa de insuficiência cardíaca em pacientes com câncer.
Em tumores cardíacos
As doenças malignas podem afetar o coração em uma variedade de formas, seja por infiltração do coração por tumores primários, seja por infiltração metastática secundária no miocárdio e outras estruturas cardíacas. A manifestação cardíaca mais observada é o desenvolvimento de derrame pericárdico. Neoplasias cardíacas primárias são raras e frequentemente difíceis de diagnosticar, com uma prevalência cumulativa geral de até 0,3%. Apesar da baixa prevalência, têm gerado grande interesse devido às diversas apresentações clínicas. Mais de 75% das neoplasias cardíacas primárias se mostram benignas, das quais os mixomas são mais comuns. Das malignas primárias, os angiossarcomas são as mais encontrados. As neoplasias cardíacas secundárias apresentam prevalência muito superior às primárias, da ordem de 30 a 40 vezes, e geralmente resultam de doença metastática ou invasão direta de tumores no peito. Apresentam-se clinicamente conforme sua localização anatômica e, portanto, os sintomas podem variar segundo a manifestação sistêmica, cardíaca, metastática ou local.
PET-scan com FDG
A tomografia por emissão de pósitrons (PET) de corpo inteiro é considerado padrão-ouro para a detecção de tumores malignos associados a altas taxas de metabolismo glicolítico anaeróbico, especialmente para a avaliação de metástases. Usando como radiofármaco o 18FDG, o exame tem importante papel para diferenciar lesões hipermetabólicas, que são provavelmente malignas, de outras com baixa captação de FDG, que podem representar tumores teciduais ou benignos.
Ressonância magnética cardíaca
Método de imagem relevante para rastrear cardiotoxicidade relacionada à quimioterapia, a ressonância magnética cardíaca oferece precisão diagnóstica e reprodutibilidade na aferição dos volumes ventriculares e na estimativa da FEVE. Há também possibilidade de avaliar alterações miocárdicas na fase pré-clínica que precedem a disfunção ventricular, mesmo quando assintomática, e de detecção de edema tissular resultante de processos inflamatórios agudos, como na miocardite. Além disso, estuda outras estruturas cardíacas, como valvas, vasos e pericárdio.
Figura 2 – Queda importante da FEVE após quimioterapia em paciente de 55 anos, que apresentava falta de ar e importante queda da capacidade funcional após quimioterapia. Nota-se que a FEVE caiu de 56% para 38%.
Consultoria médica
Dra. Mirian Magalhães Pardi
Dra. Paola Smanio
Dra. Viviane Zorzanelli Rocha Giraldez
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