Em todo o mundo, quase 40 milhões de pessoas vivem com o HIV, dentre as quais cerca de 1,5 milhão corresponde a menores de 15 anos, de acordo com o Relatório Global da Unaids. Em 2023, foram registradas 1,3 milhão de novas infecções e 630 mil mortes relacionadas à aids. Segundo os dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de dezembro de 2024, os casos notificados de infecção pelo HIV aumentaram em 4,5% no Brasil em 2023, em comparação ao ano anterior.
A taxa também vem crescendo nas gestantes, parturientes e puérperas, com incremento de 33,2% na última década. Para ter uma ideia, houve mais de 166 mil casos notificados de 2000 até junho de 2024 e 3,3 casos por mil nascidos vivos em 2023. Esse aumento ocorreu em todo o território brasileiro e foi mais expressivo no Norte (76,5%) e no Nordeste (69,3%). A maioria das gestantes notificadas já sabia que vivia com o HIV antes do pré-natal e representou 61,6% dos casos naquele ano.
Quanto às crianças expostas a esse vírus, de 2015 até junho de 2024, o Brasil registrou 68.152 casos notificados. Cerca de um terço ocorreu no Sudeste, seguido por Nordeste e Sul (ao redor de 23% cada), Norte (12-14%) e Centro-Oeste (cerca de 6%). Em 2023, quando houve 6.732 casos, observou-se leve queda em comparação aos outros anos.
No período analisado, 97,5% das crianças expostas ao HIV tinham menos de 1 ano de idade e 92% dos casos notificados envolviam bebês com menos de 7 dias de vida. Destaca-se que a infecção pelo HIV em gestante, parturiente ou puérpera e a exposição da criança ao risco de transmissão vertical do vírus configuram-se como agravos de notificação compulsória desde 2000. Vale ressaltar que a notificação de bebês expostos deve ser realizada imediatamente após o nascimento.
Fatores de risco para a transmissão
A transmissão vertical do HIV ocorre durante o trabalho de parto e no decorrer do parto em cerca de dois terços dos casos e, em um terço, pela transmissão intrauterina, em especial nas últimas semanas de gestação.
Sabe-se, atualmente, que a carga viral elevada e a ausência de terapia antirretroviral (TARV) constituem os principais fatores de risco para a ocorrência da transmissão vertical, mas há outros que aumentam essa probabilidade nas pacientes com carga viral detectável, tais como vaginose bacteriana, sífilis, uso de drogas ilícitas e relação sexual sem uso de preservativos, além de aspectos relacionados à própria gestação (prematuridade, baixo peso do recém-nascido, procedimentos obstétricos invasivos, bolsa rota por mais de quatro horas, trabalho de parto prolongado e parto vaginal operatório). Hoje, contudo, a alta potência dos esquemas antirretrovirais utilizados ao longo da gestação e a eficácia desse tratamento para que a carga viral fique rapidamente indetectável tornam raro, no momento do parto, o evento de carga viral superior a 1.000 cópias/mL, o que faz com que tais fatores sejam menos relevantes na incidência geral de transmissão.
A infecção pelo HIV não tratada durante o período gestacional está associada a risco de transmissão do vírus da gestante para o feto ou recém-nascido em 15% a 45% dos casos. Em gestações em que as intervenções profiláticas são realizadas adequadamente durante o pré-natal, o parto e a amamentação, o risco de transmissão vertical do HIV, quando há supressão da carga viral da grávida, cai para menos de 1%. Em um estudo francês recente, que envolveu mais de 5 mil gestações, não houve nenhum caso de transmissão vertical do HIV em pacientes com carga viral indetectável que faziam uso de TARV desde o período periconcepcional (Sibiude et al., 2023).
Os esforços empregados pelo Brasil para a prevenção resultaram em uma importante redução das taxas de transmissão vertical do HIV e, consequentemente, da incidência dessa infecção em crianças: em 2023, a taxa de transmissão por essa via foi inferior a 2% e a de incidência de HIV em crianças, menor que 0,5 caso por mil nascidos vivos. Desse modo, o Ministério da Saúde entregou à Organização Pan-Americana de Saúde, no início do mês de junho, o relatório para a obtenção da certificação internacional de eliminação da transmissão vertical do HIV, o que poderá representar um momento histórico na trajetória da luta contra a aids no País.
Rotina sorológica no pré-natal
O rastreamento da infecção pelo HIV está indicado em três momentos do ciclo gravídico- -puerperal: na primeira consulta do pré-natal, idealmente no primeiro trimestre da gestação, no início do terceiro trimestre (28 semanas) e no momento do parto ou do aborto, independentemente de exames anteriores. Destaca-se também que a testagem deve ser oferecida à paciente sempre que houver exposição de risco e/ou violência sexual.
Seguindo a recomendação do Ministério da Saúde, os testes rápidos para HIV (imunocromatográficos) são os métodos preferenciais para o diagnóstico, visto que possibilitam iniciar precocemente a terapia antirretroviral e, por conseguinte, a prevenção da transmissão vertical. Pode-se empregar a testagem laboratorial, desde que o resultado saia em tempo curto e que o retorno breve da gestante esteja garantido, a fim de não haver perda da janela de oportunidade para começar o tratamento. Para o momento do parto, por outro lado, os testes rápidos têm sempre preferência.
Confirmação diagnóstica pré-natal
Uma vez feita a triagem com o método imunocromatográfico ou com os imunoensaios de terceira ou quarta geração, um resultado positivo requer confirmação diagnóstica. Embora, nessa etapa, também possam ser usados exames baseados em anticorpos, como Western Blot, Imunoblot e Imunoblot rápido, os testes moleculares (carga viral) apresentam eficácia superior, dada sua maior sensibilidade, e possibilitam o diagnóstico de infecções recentes e/ou agudas. Desse modo, devem ser preferencialmente indicados com o objetivo de confirmar a infecção em gestantes, o que permite o diagnóstico precoce e a instituição das medidas terapêuticas para a pessoa gestante o mais brevemente possível, assim como de intervenções profiláticas para o recém-nascido imediatamente após o nascimento.
Resultados falso-reagentes nessa população, ainda que raramente, podem ocorrer nos métodos imunológicos devido à presença de aloanticorpos, bem como em decorrência de doenças autoimunes, múltiplos partos, transfusões sanguíneas, hemodiálise ou da própria gestação. Nesses casos, porém, a carga viral será sempre indetectável.
O Fleury utiliza o Fluxograma 3 do Manual Técnico estabelecido pela Portaria nº 29, de 2013, do Ministério da Saúde. O método inicial empregado é a quimioluminescência, um teste imunoenzimático de quarta geração, que pesquisa, simultaneamente, antígenos p24 do nucleocapsídeo viral e anticorpos específicos contra o HIV. O antígeno p24 pode ser detectado no soro de pessoas recentemente infectadas por volta de três semanas após a exposição, enquanto os anticorpos se tornam detectáveis em cerca de quatro semanas.
As amostras reagentes no teste de triagem são confirmadas por meio de teste molecular (PCR em tempo real quantitativa, ou carga viral). Se o resultado for indetectável ou houver detecção de menos de 5.000 cópias/mL, considera-se a amostra indeterminada para HIV. Uma carga viral igual ou superior a 5.000 cópias/mL, por sua vez, define a amostra como reagente para o HIV.
Avaliação de pessoas gestantes que vivem com HIV
Diante de um diagnóstico de infecção pelo HIV, o teste de genotipagem pré-tratamento está indicado para todas as pessoas gestantes. A solicitação desse exame e a coleta da amostra de sangue devem ser feitas antes de iniciar a TARV, a fim de orientar o esquema terapêutico, mas não há necessidade de aguardar o resultado da genotipagem para iniciar o tratamento. A partir de então, usa-se a carga viral para o monitoramento da resposta à TARV. A obtenção de um resultado indetectável antes do momento do parto configura o objetivo primordial para a prevenção da transmissão vertical. As pessoas gestantes em uso de TARV com carga viral indetectável apresentam taxa de transmissão vertical do HIV inferior a 1%, de modo que a via de parto pode ser indicada com base em critérios obstétricos, sem que haja obrigatoriedade de parto cirúrgico.
Quando realizar a carga viral do HIV |
| Durante a gravidez, recomenda-se fazer o teste em três momentos: ■ Como confirmação diagnóstica, para gestantes que desconheciam sua condição, ou na primeira consulta do pré-natal, para estabelecer a magnitude da viremia daquelas que já sabiam viver com HIV. ■ Quatro semanas após introdução ou mudança da TARV, a fim de avaliar a resposta ao tratamento. ■ Com 34 semanas de gestação, para a definição da via de parto. Se houver dúvida quanto à adesão à TARV, a carga viral deve ser medida em qualquer ocasião. |
Diagnóstico da infecção pelo HIV em crianças expostas
O diagnóstico precoce da infecção pelo HIV nas crianças é importante em decorrência da possibilidade de progressão mais rápida para imunodeficiência e doença sintomática, sobretudo nos casos de infecção intraútero ou no decorrer do trabalho de parto, devido à imaturidade imunológica. A investigação deve ser realizada sempre que houver história de exposição ao vírus durante a gravidez, o parto ou o aleitamento.
Especialmente no terceiro trimestre de gestação, a passagem transplacentária de anticorpos maternos IgG anti-HIV pode interferir no diagnóstico da transmissão vertical, uma vez que eles podem persistir no soro da criança até os 18 meses ou, raramente, até os 24 meses. Assim sendo, os exames baseados na pesquisa de anticorpos não têm utilidade nessa faixa etária, mas, sim, os testes moleculares, como a quantificação do RNA viral (carga viral) e a detecção do DNA proviral. A primeira coleta da carga viral está indicada imediatamente após o nascimento e antes do início da profilaxia com antirretroviral.
Se a carga viral for detectável, independentemente do valor da viremia, deve-se realizar, de preferência, o DNA proviral ou, se o teste não estiver disponível, uma nova carga viral.
O diagnóstico de transmissão vertical do HIV é confirmado na presença de DNA proviral detectável ou de carga viral com níveis ≥100 cópias/mL em duas coletas consecutivas. Se o resultado da segunda carga viral for <100 cópias/mL, deve-se proceder ao DNA proviral. Da mesma forma, se esse resultado for detectável, confirma-se o diagnóstico de transmissão vertical do HIV. Quando os resultados da primeira ou da segunda carga viral ou do DNA proviral são indetectáveis, preconiza-se manter o rastreio por meio da coleta de carga viral aos 14 dias de vida, duas semanas após o término da profilaxia (6 semanas de vida) e oito semanas após o término da profilaxia (12 semanas de vida).
Nas crianças com idade superior a 18 meses, a investigação se torna igual à do adulto, ou seja, com realização de, pelo menos, dois testes, um inicial e um segundo mais específico para aumentar o valor preditivo positivo de um resultado reagente.
Toda criança exposta ao HIV, e que eventualmente não tenha coletado a amostra de carga viral no momento oportuno, precisa fazer o exame imediatamente. As coletas seguintes seguem o fluxo e os períodos indicados para cada faixa etária.
| Critérios de definição de caso em crianças |
| Caso suspeito de infecção pelo HIV | • Criança exposta, com idade até 18 meses, com primeira carga viral detectável em qualquer valor e segunda carga viral detectável <100 cópias/mL: realizar o DNA proviral para definição de caso • Criança em qualquer faixa etária com suspeita clínica de imunodeficiência: iniciar investigação laboratorial conforme a idade |
| Criança com idade até 18 meses infectada pelo HIV | Criança exposta com: • Carga viral detectável em qualquer valor, com DNA proviral detectável ou • Primeira carga viral detectável em qualquer valor e segunda carga viral detectável ≥100 cópias/mL |
| Criança com idade superior a 18 meses infectada pelo HIV | Criança exposta ou com suspeita clínica de imunodeficiência, teste de triagem (imunoensaio) reagente e: • Imunoensaio confirmatório (Western Blot, Imunoblot ou Imunoblot rápido) reagente ou • Carga viral detectável ≥5.000 cópias/mL |
| Aids em menores de 13 anos | • Evidência laboratorial de infecção pelo HIV e presença de, pelo menos, uma doença indicativa de aids em caráter moderado ou grave e/ou • Contagem de CD4 inferior à esperada para a idade da criança |
| Critérios para exclusão definitiva do diagnóstico de infecção pelo HIV na criança • Pelo menos duas cargas virais indetectáveis obtidas após a suspensão da profilaxia antirretroviral • Boas condições clínicas e bom desenvolvimento neuropsicomotor, sem evidência de déficit imunológico, excluindo-se alterações dessas condições que não possam ser justificadas pela infecção pelo HIV • Documentação da sororreversão anti-HIV em imunoensaio realizado na criança aos 12 meses de idade. Se não houver sororreversão nessa idade, realizar novo imunoensaio aos 18 meses e, se ainda permanecer reagente, repetir nova coleta aos 24 meses de idade. |
Exames oferecidos pelo Fleury para diagnóstico e seguimento de infecção por HIV |
HIV-1/HIV-2, anticorpos totais e antígeno | HIV-1 por PCR, quantitativo | HIV, detecção qualitativa por PCR, DNA proviral | HIV-1, resistência a medicamentos antirretrovirais | |
Indicações | • Diagnóstico da infecção pelo HIV-1 ou pelo HIV-2 em crianças com mais de 18 meses de idade e em pessoas de qualquer idade a partir de 30 dias após a provável exposição, quando apresenta maior sensibilidade • Rastreio da infecção pelo HIV no pré-natal | • Diagnóstico da infecção por HIV para pessoas com suspeita de infecção aguda (há menos de 30 dias), para gestantes com teste de triagem positivo e para crianças com idade até 18 meses, expostas ou com suspeita clínica •Acompanhamento da resposta à terapia antirretroviral | Diagnóstico da infecção pelo HIV para crianças com idade até 18 meses, expostas ou com suspeita clínica | Avaliação do perfil genotípico de resistência/sensibilidade do HIV-1 aos medicamentos antirretrovirais para pessoas sabidamente infectadas pelo HIV-1 e, preferencialmente, com carga viral igual ou superior a 500 cópias/mL |
Método | Imunoensaio quimioluminescente com micropartículas (CMIA) de quarta geração. O método pesquisa, de forma simultânea, antígenos p24 no nucleocapsídeo viral e anticorpos específicos contra o HIV, sem, no entanto, discriminá-los | Reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real | Reação em cadeia da polimerase (PCR) | Sequenciamento das regiões codificantes da protease, da transcriptase reversa e da integrase do HIV-1 pelo método de sequenciamento de nova geração (NGS) |
Amostra | Sangue | Sangue | Sangue | Sangue |
Valor de referência | • Não reagente (negativo): inferior a 1,0 • Indeterminado: de 1,0 a 7,0 • Reagente (positivo): superior a 7,0 | Indetectável Limite inferior de detecção: 20 cópias/mL (33 UI/mL) | Não detectado | Ausência de mutações de resistência |
Prazo de resultado | Em até dois dias úteis (incluindo sábados) | Em até quatro dias úteis (incluindo sábados) | Em até 15 dias | Em até dez dias corridos |
Consultoria Médica
Infectologia
Dra. Carolina dos Santos Lázari [email protected]
Dr. Celso Granato [email protected]
Infectologia e Microbiologia
Dr. Matias Chiarastelli Salomão [email protected]
Dra. Paola Cappellano Daher [email protected]
Medicina Fetal
Dr. Gilmar de Souza Osmundo Junior [email protected]
Dra. Joelma Queiroz Andrade [email protected]
Dra. Luciana Carla Longo e Pereira [email protected]
Dr. Mário H. Burlacchini de Carv
Referências
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Crianças e Adolescentes: Módulo 1: Diagnóstico, manejo e acompanhamento de crianças expostas ao HIV. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. 64p.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2022. 224p.
Menezes ML. HIV e gravidez. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); 2018. (Protocolo Febrasgo – Obstetrícia, no. 93/ Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas).
Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV em Adultos e Crianças – Brasília: Ministério da Saúde, 2018. 149p.
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico HIV e Aids 2024, dezembro 2024.
Sibiude, J. et al. Update of perinatal human immunodeficiency virus type 1 transmission in France: zero transmission for 5482 mothers on continuous antiretroviral therapy from conception and with undetectable viral load at delivery. Clin. Infect. Dis. 76, e590–e598 (2023).
Zugaib M. Tratado de Obstetrícia, 3ª edição, 2016.
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