Strain atrial: uma nova ferramenta clínica para avaliação da função cardíaca

Strain atrial: uma nova ferramenta clínica para avaliação da função cardíaca

O   átrio esquerdo   desempenha um papel importante na fisiologia cardíaca. Estima-se que a perda de sua função, que ocorre com o aparecimento de fibrilação atrial (FA), reduza significativamente o débito cardíaco, em valores de até 30%. Além disso, o enrijecimento e a perda da complacência dessa estrutura aumentam a pressão intracavitária, que se transmite para a circulação pulmonar e pode causar dispneia. 

A função do átrio pode ser estudada por diversas técnicas. Dentre eles, destaca-se o strain atrial, uma nova tecnologia ecocardiográfica que utiliza algoritmos de rastreio de pontos (speckle tracking) da imagem da parede atrial, ao longo do ciclo cardíaco, para mensurar a função do átrio esquerdo e, assim, identificar precocemente qualquer disfunção muitas vezes antes do surgimento de alterações volumétricas ou arritmias sustentadas. 

Trata-se de um exame não invasivo, feito sem uso de contraste ou radiação, que se integra ao ecocardiograma transtorácico convencional. 

A aquisição das imagens é automatizada e padronizada, com alta reprodutibilidade. Como diferencial, a técnica oferece uma análise detalhada da mecânica miocárdica do átrio esquerdo – algo, por vezes, negligenciado, mas fundamental para a homeostase cardíaca. Para completar, no Fleury os achados são interpretados por uma equipe especializada.

Vantagens da tensão atrial

⊲ Exame não invasivo, sem uso de contraste ou radiação
⊲ Aquisição automatizada e padronizada, com alta reprodutibilidade
⊲ Integração ao laudo ecocardiográfico convencional
⊲ Análise avançada da mecânica de câmaras cardíacas
⊲ Interpretação por equipe especializada


A avaliação da deformação atrial identifica os três componentes da função atrial, que incluem a fase de reservatório, a de conduto e a de contração (figuras 1 e 2). A fase do reservatório corresponde à capacidade do átrio esquerdo de acomodação do sangue das veias pulmonares durante a sístole ventricular.

Figura 1. Exemplo de análise da função do átrio por meio da medida do strain atrial, com uso de software dedicado, em um indivíduo normal. SR: tensão de reservatório; S CD: tensão de condução; S CT: tensão de contração; 4CH: corte de quatro câmaras; 2CH: corte de duas câmaras; LAVmax: volume máximo do átrio esquerdo; BIP: valor das medidas considerando os dois planos.

Figura 2. Na curva da função atrial, conforme setas mostram os diferentes valores utilizados para a medida das fases de reservatório, condução e contração.

A fase de condução, por sua vez, diz respeito ao esvaziamento passivo do átrio, que contribui para o enchimento ventricular na protodiástole. Já a fase de contração mostra o átrio esquerdo se contraindo ativo, o que contribui para o volume telediastólico ventricular.

Valores normais para cada fase da fisiologia atrial
Strain
Média da população
Limite inferior
Reservatório
38%
26%
Conduto
21%
12%
Contração
16%
8%


Das três medidas, a do strain de  reservatório do átrio esquerdo tem  se mostrado um marcador robusto para a estratificação de risco e tomada de decisão em diversos  cenários clínicos. 

Vale ponderar que a aquisição e a interpretação do strain atrial podem ser limitadas por janela  acústica inadequada, presença de  aneurisma de septo interatrial ou dispositivos intracardíacos, como  oclusores de CIA (ex.: Amplatzer).  Na presença de FA, a análise se restringe à fase de reservatório e há grande variabilidade das  medidas devido a alterações do  ciclo cardíaco. 

De qualquer maneira, o strain atrial  representa um avanço significativo  na avaliação de pacientes com suspeita de disfunção atrial ou elevação oculta das pressões de enchimento. Por ser um exame  simples, seguro e altamente  informativo, tem aplicação especialmente relevante em  contextos com sintomas  inespecíficos, múltiplos fatores  de risco ou condições associadas a remodelamento atrial. Sua incorporação ao Fleury reforça o compromisso da instituição com  a medicina personalizada e a excelência diagnóstica.


Aplicações clínicas relevantes

● Suspeita de fibrilação atrial paroxística ou pós-ablação:  pacientes com episódios silenciosos ou não documentados  de FA podem apresentar strain atrial reduzido, indicando  remodelamento do átrio com disfunção funcional, o que  traz possibilidade de aumento expressivo do risco de  acidente vascular encefálico (AVE). Portanto, o strain atrial  mostra-se útil tanto na estratificação de risco quanto na  investigação etiológica de AVE. No pós-ablação de FA,  valores baixos sugerem risco de recorrência e síndrome do  átrio esquerdo rígido. 

● Doença atrial subclínica (síndrome de Bayes): a presença de  sobrecarga atrial esquerda no ECG, PR prolongado ou bloqueio  interatrial pode indicar disfunção atrial oculta, configurando a  síndrome de Bayes. Isso ocorre especialmente em pacientes  com hipertensão, diabetes, obesidade ou apneia do sono. 

● Dispneia a esclarecer/suspeita de insuficiência cardíaca  e fração de ejeção preservada (ICFEP): em indivíduos com  sintomas de ICFEP, o strain atrial reduzido pode indicar  elevação crônica das pressões de enchimento, justificando  investigação com ecocardiograma de estresse diastólico. 

● Doença hipertensiva do coração: a hipertensão é capaz  de ocasionar remodelamento atrial precoce. O strain atrial  identifica disfunção funcional antes da dilatação ou do  aparecimento de arritmias. 

● Valvopatias (mitral e aórtica): mesmo em valvopatias  moderadas, a redução do strain atrial condiz com repercussão  funcional precoce do átrio esquerdo, com impacto sobre a  classe funcional, especialmente na estenose aórtica. 

● Estratificação de risco cardiovascular geral: a redução do  strain atrial se associa a piores desfechos clínicos, contribuindo  na avaliação ambulatorial e pré-operatória.


Resumo das indicações clínicas do strain de átrio esquerdo
Indicação
Informação adicional oferecida pelo strain atrial
FA paroxística ou pós-ablação
Remodelamento atrial e risco de  
recorrência pós-ablação
Síndrome de Bayes/doença atrial subclínica
Detecção precoce de disfunção atrial ou mesmo dilatação
Hipertensão arterial sistêmica
Disfunção atrial funcional precoce  (valor prognóstico)
Dispneia a esclarecer/ICFEP
Indício indireto de elevação crônica da pressão de enchimento
Valvopatia mitral ou aórtica
Disfunção atrial com impacto funcional precoce
Estratificação de risco cardiovascular
Associação com desfechos adversos (valor prognóstico  incremental)


Consultoria médica em Ecocardiografia

Dr. David Costa de Souza Le Bihan - [email protected] 

Dr. João Cesar Nunes Sbano -  joã[email protected] 

Dra. Paola Smanio - [email protected] 

Dr. Renato de Aguiar Hortegal - [email protected] 

Dr. Rodrigo Walace O. Barbosa -  [email protected] 

Dr. Tiago Rodrigues Politi -  [email protected] 

Dr. Wilson Mathias Junior - [email protected]


Referências:

Echocardiographic reference ranges for normal left atrial function parameters: results from the EACVI NORRE  study. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2018;19(6):630–638.  doi:10.1093/ehjci/jey018. 

Normal values and reference ranges for left atrial strain by  speckle-tracking echocardiography: the Copenhagen City  Heart Study. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2022;23(1): 42–51. 

Normal Ranges of Left Atrial Strain by Speckle-Tracking  Echocardiography: A Systematic Review and MetaAnalysis. J Am Soc Echocardiogr. 2017;30(1):59–70. 

Association between left atrial strain and left ventricular  diastolic function in patients with acute coronary  syndrome. J Echocardiogr. doi:10.1007/s12574-018-0403-7. 

Potential Usefulness and Clinical Relevance of Adding Left  Atrial Strain to Left Atrial Volume Index in the Detection  of Left Ventricular Diastolic Dysfunction. JACC Cardiovasc  Imaging. 2018;11(10):1405–1415. 

Usefulness of atrial deformation analysis to predict left  atrial fibrosis and endocardial thickness in patients  undergoing mitral valve operations. Am J Cardiol.  2012;110(10):1501–1506. 

Left atrial function by speckle-tracking echocardiography  in mitral regurgitation: association with surgical  indications and survival. J Am Soc Echocardiogr.  2013;26(9):1053–1062. 

Comparison of left atrial volumes and function by realtime 3D echocardiography in patients post-AF ablation.  Am J Cardiol. 2008;102(7):847–853. Prediction of AF in HFpEF: Incremental Value of Left Atrial  Strain. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(1):131 – Figuras.