Tudo para fechar o cerco à sífilis

Com a PCR, é possível flagrar o treponema na fase primária.

Doença sistêmica de etiologia bacteriana, a  sífilis é causada pelo Treponema pallidum e divide-se, do ponto de vista clínico, em  fases que podem ser superponíveis ou  intercaladas por períodos variáveis de latência. Da mesma forma que o HIV, a infecção tem de ser rastreada em pacientes  assintomáticos, nas situações de exposição de risco e, sobretudo, na gestação.

No Brasil, segundo os dados do Boletim  Epidemiológico do Ministério da Saúde,  em 2020, foram registrados 115.371 casos  de sífilis adquirida, 61.441 de sífilis em gestantes e 22.065 de sífilis congênita, com 186 óbitos.

As recomendações de diagnóstico variam  de acordo com a fase clínica. Na primária, deve ser feita a pesquisa direta do  Treponema pallidum por microscopia  de campo escuro e/ou coloração pela  prata do raspado da lesão. Como essa  fase precede a produção de anticorpos,  há possibilidade de sorologias negativas.

Por outro lado, o método molecular já  está disponível para identificar o agente  na fase primária por meio da pesquisa do  DNA do T. pallidum por PCR em tempo  real em amostras de lesão (úlcera) genital, oral ou anal. Destaca-se que esse exame tem maior utilidade para identificar a  sífilis no início do cancro, quando os índices de sensibilidade são de cerca de 90%  e os de especificidade, de 99%. Enquanto  a pesquisa direta do T. pallidum requer  a presença de cerca de 5.000 bactérias  para ser positiva, a PCR tem sensibilidade  para detectar 5 bactérias, ou seja, a PCR  é 1.000 vezes mais sensível do que as  técnicas de coloração mais tradicionais.

A PCR em tempo real também pode ser considerada se os resultados dos testes sorológicos não  corresponderem aos achados clínicos sugestivos de  sífilis inicial (CDC, 2015).

Já a fase secundária caracteriza-se por altos títulos de  anticorpos, que podem ser detectados por métodos  que utilizam antígenos treponêmicos (FTA-Abs, ensaios imunoenzimáticos e quimioluminescentes e  TP-hemaglutinação) e antígenos não treponêmicos  (VDRL e RPR). É sempre necessário combinar, ao  menos, duas metodologias, uma treponêmica e uma  não treponêmica. Embora exista equivalência entre o  VDRL e o RPR, esses métodos não devem ser comparados durante o seguimento de um mesmo paciente, uma vez que os títulos obtidos por RPR costumam se apresentar levemente mais altos. A PCR em  tempo real pode ter utilidade no diagnóstico de sífilis  secundária, em casos com apresentações clínicas  e/ou sorológicas atípicas, mais comuns em pacientes  imunossuprimidos.

INTERPRETAÇÃO  DOS TESTES  SOROLÓGICOS PARA SÍFILIS

A realização das sorologias para a investigação de sífilis  segue a Portaria nº 2012, de 19/10/2016, do Ministério  da Saúde. O Grupo Fleury adota o fluxograma reverso contemplado por essa portaria, em que as amostras  são inicialmente submetidas a um teste treponêmico  (quimioluminescência com micropartículas, ou CMIA):  resultados não reagentes nessa etapa podem ser liberados  sem necessidade de complementação. Por sua vez, as  amostras que apresentam resultados reagentes passam por  uma reação não treponêmica (RPR). Se os resultados forem  concordantes, o resultado final é liberado como reagente.  Caso haja discordância, a confirmação requer um segundo  imunoensaio treponêmico (ensaio imunoenzimático, ou EIE).  A combinação dessas técnicas resulta na interpretação abaixo.



INFECTOLOGIA NA PRÁTICA

1. Na presença de teste treponêmico positivo,  os títulos do exame não treponêmico (VDRL  ou RPR) correlacionam-se com a atividade  da doença. Resultados com titulação superior a 1/8 têm maior valor preditivo positivo.  Para gestantes sem histórico de tratamento  efetivo, contudo, o tratamento é indicado independentemente do título do RPR ou VDRL  como parte dos esforços para o combate à  sífilis congênita.

2. Os exames feitos com antígeno treponêmico, uma vez positivos, usualmente assim permanecem por toda  a vida do indivíduo,  a despeito do tratamento. Sua positividade isolada pode  representar infecção pregressa (cicatriz sorológica). Entretanto, para gestantes com perfil de  infecção pregressa sem histórico de tratamento, a antibioticoterapia deve ser considerada.

3. A positividade isolada do teste não treponêmico sugere falsa reatividade biológica e deve  suscitar a investigação de outras etiologias  diferentes da sífilis. Por outro lado, gestantes  têm indicação de tratamento mesmo nas situações de impossibilidade de realização do teste treponêmico para a etapa de confirmação.

4. Sorologias de pacientes com coinfecções e/ou imunodeficiências requerem interpretação individualizada, uma  vez que podem apresentar comportamento particular.

5. Pacientes com resultados positivos  em duas técnicas treponêmicas e que  não tenham sido tratados, mesmo  com o teste não treponêmico negativo, têm recomendação de tratamento, visto que a sífilis latente com longo  período de evolução e a sífilis terciária  podem evidenciar queda dos títulos de  anticorpos não treponêmicos e, consequentemente, sorologias não reagentes nessas metodologias.

6. Após o tratamento, há necessidade de  seguimento com RPR ou VDRL, mas o  método tem de ser o mesmo adotado ao  diagnóstico, com periodicidade trimestral,  nos primeiros 12 meses, e semestral, até  os 24 meses, para os casos que persistirem positivos após um ano. Em gestantes, esse rastreamento deve ser mensal.  Durante o seguimento, uma variação de,  pelo menos, duas diluições (por exemplo, de 1/4 para 1/16) é necessária para  que se considere a alteração significativa.



Pediu FTA-Abs e  o laboratório fez quimioluminescência?  Pediu VDRL e foi  feito RPR? Não tem problema!

O avanço da Medicina Laboratorial permitiu a implantação de  métodos mais sensíveis, específicos e ágeis no fluxograma diagnóstico  da sífilis. Assim, técnicas treponêmicas automatizadas, como a  quimioluminescência, podem – e devem – ser utilizadas em substituição  ao FTA-Abs, seja como confirmatórias de um teste não treponêmico  reagente (fluxograma direto), seja como triagem na primeira etapa  (fluxograma reverso, o mais comum e eficiente em laboratórios de alta  demanda). Do mesmo modo, a interpretação do RPR é absolutamente a  mesma do VDRL, com a vantagem de que o RPR é mais sensível e menos  sujeito à subjetividade na leitura. Dessa forma, a substituição traz benefícios  para o paciente, que deve ser orientado, entretanto, a fazer o seguimento  sempre no mesmo laboratório para garantir a testagem com o mesmo  método, possibilitando a comparação dos títulos durante a evolução.

Aos obstetras  das futuras mamães:

É muito comum recebermos contatos de colegas obstetras apreensivos em relação  a resultados que utilizaram o fluxograma reverso – isto é, com amostras negativas  liberadas sem a realização do célebre VDRL – ou em relação ao uso do RPR como técnica não treponêmica. Fique tranquilo! Essas possibilidades já são contempladas  no Manual Técnico para Diagnóstico da Sífilis (Ministério da Saúde) desde 2016  e oferecem vantagens para sua paciente, uma vez que, em geral, a gestante faz  parte de uma população de baixo risco pré-teste, mas cuja investigação requer alta  sensibilidade e agilidade. O mais importante é ter uma relação próxima com a equipe  médica do laboratório para poder discutir todas as dúvidas que possam surgir.


CONSULTORIA MÉDICA:

Ginecologia e Biologia Molecular 

Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel 

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Dr. Ismael D. C. G. Silva 

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Infectologia 

Dra. Carolina S. Lázari 

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Dr. Celso Granato 

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Microbiologia 

Dr. Jorge L. M. Sampaio 

[email protected]  

Dra. Paola Cappellano Daher 

[email protected]