Alterações hematológicas nas infecções virais.

Tópicos presentes neste capítulo

  • Introdução  
  • Os linfócitos  
  • Aspectos morfológicos dos linfócitos  
  • Linfócitos normais  
  • Linfócitos atípicos ou reativos  
  • Linfócitos grandes e granulares  
  • Plasmócitos  
  • Resfriado comum  
  • Aspectos clínicos  
  • Influenza  
  • Aspectos clínicos  
  • Influenza H1N1 e H3N2  
  • Aspectos clínicos  
  • Mononucleose infecciosa (Epstein-Barr Virus- EBV)  
  • Aspectos clínicos  
  • Citomegalovírus  
  • Aspectos clínicos  
  • Dengue  
  • Parvovirose  
  • Aspectos clínicos  
  • Sarampo  
  • Febre amarela  
  • Hepatites virais  
  • Alterações hematológicas no HIV  
  • Novo coronavírus, COVID – 19  
  • Leitura recomendada  

Introdução

As infecções virais compreendem as afecções mais frequentes da prática clínica. Muitas vezes, manifestam-se com sintomas gerais como febre, fadiga, mialgia, exantemas e hiporexia. Frequentemente têm curso autolimitado, raramente necessitam de tratamento medicamentoso e tem como foco primário principalmente as vias aéreas superiores, o trato gastrointestinal e o sistema fagocítico-mononuclear. Nos casos mais corriqueiros, devido à baixa gravidade do quadro, a identificação do agente etiológico é raramente pesquisada no dia-a-dia e a realização de exames complementares muitas vezes também não é necessária, sendo o hemograma realizado apenas nos casos mais graves ou de evolução arrastada.

Por outro lado, alguns tipos de vírus levam a síndromes clínicas específicas, com manifestações clínicas e laboratoriais marcantes e diferenciadas, como a mononucleose infecciosa e as síndromes mono-like, as hepatites virais, as arboviroses, a parvovirose e a síndrome de imunodeficiência relacionada ao HIV.

Desta forma, as variações encontradas no hemograma podem ser das mais diversas, a depender da doença de base com a qual estamos lidando. Apesar de muitas alterações poderem estar presentes no hemograma de pacientes com infecções virais, os linfócitos são as principais células do sistema imune a combater essas infecções, de modo que este setor é o que mais apresentará alterações, seja de caráter quantitativo, quanto qualitativo (morfológico).

Os linfócitos

Morfologicamente, são células mononucleadas, de núcleo redondo/ovalado, regular, sem nucléolos e com cromatina condensada, de citoplasma escasso a moderado, levemente basofílico e geralmente sem grânulos, medindo cerca de 10-12 micra (pouco maiores que as hemácias – 7-8 micra). Seu número normal varia amplamente conforme a idade, perfazendo cerca de 900-2.900 células/µL no adulto (tabela 1).


Tabela 1 – Variação da contagem linfocitária com a idade.

Idade

Masculino e Feminino

(células/mm3)

Nascimento

2.000-11.000

01-07 dias

2.000-11.000

08-14 dias

2.000-17.000

15-59 dias

2.500-16.500

2-5 meses

2.500-16.500

6-11 meses

4.000-10.500

1-2 anos

1.500-7.000

3-5 anos

1.500-7.000

6-11 anos

1.500-6.500

12-15 anos

1.200-5.200

> 16 anos

900-2.900

Adaptado de Natan & Oski, para a população pediátrica e Mayo Clinic, para a população de adultos.


Os linfócitos são células do sistema imune adaptativo, cuja função varia de acordo com o tipo de linfócito: linfócitos B, linfócitos T e células NK (natural killer). Linfócitos B e T normais são virtualmente indistinguíveis pela morfologia quando fora de atividade. Por outro lado, células NK e linfócitos T ativados também são indistinguíveis morfologicamente. No hemograma, todos são contados em conjunto como “linfócitos”.

Linfócitos B

Os linfócitos B são células responsáveis pela síntese de anticorpos (imunoglobulinas - Igs), gerados a partir de precursores linfoides na medula óssea, de onde emergem como células maduras, isto é, já apresentam produção de imunoglobulinas completas. Estas são expressas na superfície celular, formadas pela integração da cadeia pesada e da cadeia leve.

As imunoglobulinas (Igs) são formadas através de um complexo processo de rearranjo gênico dos genes das regiões VDJ da cadeia pesada (VJ para a cadeia leve) e posteriormente pela hipermutação somática da região variável (V) da cadeia pesada e pela troca de classe da cadeia pesada (class-switch). Tais processos têm por objetivo gerar uma grande diversidade de anticorpos, cada qual específico para um determinado antígeno. A imunoglobulina forma, junto a outras proteínas, o “receptor de células B”, componente vital para a vida e desenvolvimento das células B.

Ao emergir da medula óssea, as células B, ainda sem contato com antígeno, são chamadas células B jovens ou “naive”, e possuem IgM e IgD de superfície e baixa atividade proliferativa e secretora. Após o contato com o antígeno e sob a coestimulação de linfócitos T CD4, migram para os órgãos linfoides secundários, especialmente linfonodos e baço, onde proliferam e passam pelos processos de hipermutação somática e class switch na região do centro germinativo, gerando então a imunoglobulina final, muito mais específica contra o antígeno em questão, podendo ser IgG (o mais comum), IgA (mais abundante em mucosas) e eventualmente IgE e IgD, ou mesmo mantendo-se IgM. Após a proliferação das células B produtoras da Ig adequada, muitas migrarão para o tecido infectado, onde se transformarão em plasmócitos, secretando grandes quantidades de Igs. A proliferação das células B pode ser intensa e gerar adenomegalias ou hepato-esplenomagalia, muitas vezes dolorosas ao toque e de rápida evolução. Após a eliminação do antígeno, a maioria das células B irá entrar em apoptose e os órgãos linfoides voltarão para seu tamanho normal, mas algumas células permanecerão circulantes por muitos anos como células B de memória.

Os linfócitos B ativados não apresentam alterações morfológicas significativas em sangue periférico. No entanto, eventualmente alguns plasmócitos circulantes poderão aparecer em momentos de alta proliferação de linfócitos B.

Linfócitos T

Os linfócitos T também são células do sistema imune adaptativo. Possuem diversas subpopulações, mas duas são as principais, com funções muitos distintas: linfócitos T auxiliadores (T helper, que expressam o antígeno CD4, ou linfócitos TCD4) e linfócitos T citotóxicos (que expressam CD8, TCD8). Assim como os linfócitos B, os linfócitos T possuem um receptor de membrana (TCR – T cell receptor) especializado no reconhecimento dos antígenos, gerados por rearranjo gênico, com enorme diversidade e formados por cadeias complementares, em sua maioria alfa-beta, mas também gama-delta.

Os linfócitos TCD4 tem como função, reconhecer antígenos externos apresentados por moléculas do HLA do tipo II, presentes nas células apresentadoras de antígenos (APCs): células dendríticas, macrófagos e linfócitos B. Neste caso, as APCs fagocitam os antígenos externos e apresentam para o linfócito CD4. Após este reconhecimento, irão proliferar e estimular a resposta imune, mediante ativação de outros tipos celulares, como linfócitos B, linfócitos TCD8 e células NK.

Já os linfócitos TCD8 possuem função bastante diversa. Eles são células eminentemente citotóxicas, que reconhecem antígenos expressos pelo HLA tipo I. A maioria dos antígenos expressos pelo HLA-I são antígenos próprios do organismo (antígenos self), gerados pela degradação de proteínas sintetizadas dentro da própria célula e para os quais não há linfócitos com TCRs reativos. No entanto, em infecções virais, ocorre o uso das organelas celulares para produção das proteínas virais, com frequente incorporação do DNA viral ao DNA celular e, portanto, as proteínas virais passam a ser apresentadas pelo HLA tipo I, como se fossem “self”. No entanto, o TCR do linfócito TCD8 reconhece estes antígenos estranhos, diferenciando-os dos antígenos “self” e iniciam resposta citotóxica direta contra as células infectadas. Neste momento, ocorre ativação dos linfócitos T citotóxicos, com mudança de sua morfologia, com aumento do citoplasma e presença de grânulos contendo as enzimas citotóxicas, como granzimas e perforinas. Tais linfócitos podem ser visualizados no sangue periférico, sendo muitas vezes relatados como linfócitos atípicos, que serão detalhados mais à frente neste capítulo.

Células NK

As células NK são células citotóxicas do sistema imune inato, que também exercem atividade citotóxica, de maneira similar à dos linfócitos T CD8. No entanto, reconhecem antígenos de maneira diferente, através da ligação entre receptores das células NK (receptores KIR – Killer Immunoglobulin-like Receptor) e a própria molécula de HLA. Assim, em células normais, a ligação entre o HLA e o KIR, impede a ação da célula NK, numa relação “senha-contrassenha”. Em infecções virais, é comum a redução do número de moléculas HLA expressas, ou mudança na forma e tipo de expressão das moléculas HLA, como um mecanismo de escape da resposta imune. Nestas situações, diminui-se o fator inibidor da atividade NK e, portanto, passa a exercer sua atividade citotóxica sobre a célula alvo.

As células NK apresentam morfologia diversa dos linfócitos T e B, apresentando citoplasma algo mais abundante, menos basofílico e com grânulos avermelhados. No entanto, são raras e representam, em geral, menos de 5% dos linfócitos circulantes. Apesar desta morfologia sugestiva, esta não é patognomônica, podendo também ser observada em linfócitos TCD8.

Aspectos morfológicos dos linfócitos

Linfócitos normais

Como referido anteriormente, são células pequenas, de cerca de 10-12 micra, de aspecto regular, redondas, com pouco citoplasma e cromatina condensada sem nucléolos.

Linfócitos atípicos ou reativos

São linfócitos maiores, (cerca de 20 micra) que se caracterizam especialmente pelo citoplasma abundante e basofílico, com presença de alguns grânulos. Apresentam caracteristicamente uma maior intensidade da basofilia na região submembranosa quando no contato com hemácias (Figura 7, 8 e 9). O núcleo pode apresentar cromatina menos condensada em algumas células (cromatina intermediária), eventuais nucléolos, e mesmo terem membrana com contorno irregular. Outro ponto importante é que, nos quadros de atipia, nem todas as células apresentam todas as características citadas, com presença de grande pleomorfismo celular. Aparecem principalmente nas infecções virais do grupo das síndromes mono-like e são mais comuns em crianças, podendo permanecer por semanas após a resolução do quadro. Nos gráficos de dot plots dos aparelhos automatizados que fazem a separação celular por citometria de fluxo, aparecem como uma “extensão” da população linfocitária, por seu maior tamanho (maior FSC) e complexidade (maior SSC).

Nem sempre a distinção entre atipia linfocitária e células de origem maligna é fácil, e recomenda-se a correlação com outros exames complementares e com o quadro clínico para definição da natureza destas células.

Os vírus se caracterizam por utilizarem a maquinaria linfócitos infectados para se reproduzirem, e com isto comumente induzem a lifocitose relativa com ou sem leucocitose, e muitas vezes com linfopenia e presença de linfócitos reativos ou atípicos. Os linfócitos reativos são linfócitos B ativados que reagem contra vírus produzindo anticorpos contra os vírus.

No hemograma também são comuns leucopenias, trombocitopenias em diferentes graus. Linfocitoses em lactantes e recém-nascidos são esperadas, e a linfocitoses em crianças merecem atenção, pois nesta faixa etária há grande prevalência de processo infeccioso viral respiratório, que podem cursar com linfocitoses discretas a moderadas, como também aumento do número de linfócitos por formação do sistema imunológico.

Os equipamentos eletrônicos contam com precisão os linfócitos circulantes, emitem alarmes de atypical lymphocytes ou Variant Lymphocytes, anotado pela maioria dos aparelhos hematológicos eletrônicos, Beckman Coulter, Horiba, Abott, Sysmex. Mindray, Advia. A ISHL (International Society for Laboratory Hematology) publicou recomendações para padronização da Nomeclatura e da graduação das alterações morfológicas no sangue periférico,   uma vez que os aparelhos hematológicos não são capazes de descrever as variações morfológicas dos linfócitos reativos, pois estes linfócitos podem exibir nucléolos, pleomorfismo citoplasmatico e nuclear, basofilia citoplasmática ou aspecto plasmocitoide. A terminologia para estes linfócitos é muito variada e confusa com muitos termos diversos para descrever a mesma célula. Linfócitos variantes, reativos, ativados, anormais ou atípicos, Células de Downey Tipo 1, 2 ou 3, Células de Turk, Imunoblastos ou mesmo combinações de células como linfócitos monocitóides, plasmocitóides. A recomendação é que o termo “linfócito reativo” seja usado para descrever linfócitos de etiologia benigna e o termo “linfócito anormal” quando houver suspeita de malignidade ou etiologia clonal, comum em linfomas periféricos.

Na presença de linfócitos atípicos acima de 5% contados pelos aparelhos eletrônicos, as lâminas devem ser revisadas, pois os linfócitos reativos são comuns em hemogramas de pacientes com dengue, mononucleose infeciosa, hepatites virais, citomegalovírus, toxoplasmose, HIV/Aids associadas a inúmeras infecções oportunistas.  

As infecções virais têm associação direta com a linfocitopenia, e este achado pode auxiliar, mas não descarta processos virais, sendo comuns em pacientes HIV. No hemograma do HIV também são vistos reações leucemóides em pacientes com infecções bacterianas, como também inclusões intraneutrofílicas sugestivas de Histoplasma capsulatum, forma disseminada.

Nas infecções causadas pelos vírus da HIV, da hepatite, influenza e herpes tipo 8, assim como em algumas pneumonias bacterianas ou na febre tifóide, a linfopenia pode ser causada por diferentes mecanismos, como a destruição do próprio linfócito infectado, sequestro esplênico ou desvio desses linfócitos para os linfonodos ou trato respiratório.

Outras alterações podem ser observadas nos processos virais agudos, como anemia, que pode ser decorrente de um processo hemolítico imune, como pode acontecer na mononucleose infecciosa, ou do comprometimento medular, com infecção da célula hematopoiética precursora, como acontece no HIV. Alguns vírus podem estar associados a quadros de aplasia de medula óssea, como vírus da hepatite e a infecção pelo parvovírus B19 frequentemente em aplasia eritróide transitória. A trombocitopenia pode acompanhar quadros de rubéola, varicela e mononucleose infecciosa, enquanto a infecção pelo citomegalovírus em pacientes imunossuprimidos pode causar pancitopenia. As trombocitopenias podem resultar de destruição de plaquetas pelo baço em pacientes com hepatites, plaquetopenias imune associada a vírus, e na dengue, ocorre trombocitopenia por desvio de plasma para o espaço tecidual, hemoconcentração, e a trombocitopenia pode resultar em quadros hemorrágicos com contagens de plaquetas inferior a 20.000/mm3.

Linfócitos grandes e granulares

São linfócitos de tamanho maior que dos linfócitos normais, mas que apresentam citoplasma menos basofílico que os atípicos, com aspecto azul pálido até levemente rosado nas colorações de Giemsa, e maior regularidade no contorno nuclear e cromatina em geral condensada. Possuem grânulos citoplasmáticos avermelhados em quantidade moderada a elevada. Estão aumentados tanto em situações reacionais de caráter crônico, mas podem corresponder também a células NK e eventualmente serem células malignas da leucemia de linfócitos grandes e granulares (LGL – Large Granular Leukemia).

Plasmócitos

Correspondem à fase final de diferenciação dos linfócitos B, sendo células ovaladas com citoplasma intensamente basofílico, núcleo redondo de cromatina condensada sem nucléolos e caracteristicamente excêntrico, com presença de área clara perinuclear correspondendo ao abundante complexo de Golgi.

Resfriado comum

Aspectos clínicos

Corresponde a um conjunto de doenças que se manifestam por febre baixa, leve mal-estar, hiporexia, secreção e congestão nasal, tosse e cefaleia, podendo ainda acometer orofaringe e laringe causando odinofagia, hiperemia orofaríngea e até rouquidão caso atinjam as cordas vocais. A secreção nasal tende a ser intensa e clara, ficando amarelada ao progredir do quadro. Geralmente são auto-limitadas e se resolvem em poucos dias. Casos mais excepcionais podem evoluir com quadro mais agressivo e de maior morbi-mortalidade, particularmente em imunossuprimidos.

São causadas por diversos tipos de vírus, sendo os mais comuns os rinovirus, coronavirus e enterovírus. Em crianças, outros vírus como os bocavirus podem estar presentes, embora seu papel patogênico não esteja totalmente esclarecido.

Diagnóstico diferencial

Clinicamente apresentam grande sobreposição com outras condições clínicas, especialmente as infecções por vírus Influenza (Gripe), epiglotites, faringite estreptocócica e rinossinusites bacterianas agudas. Todas estas condições também tendem a se iniciar com quadro de febre e localização orofaríngea/nasofaríngea. No entanto, muitas outras condições clínicas podem apresentar quadro prodrômico inicial similar, com febre, mialgia, cefaleia e queda do estado geral e serem erroneamente classificadas com possível infecção viral de vias aéreas superiores.

Hemograma

Embora não seja mandatória a solicitação de hemograma para avaliação de pacientes com resfriados comuns, estas infecções virais apresentam linfocitose leve (no máximo moderada), raramente ultrapassando os 10.000/µL em adultos previamente hígidos, sem aumento da contagem de outras linhagens celulares. A presença de formas linfocitárias anormais é infrequente e, quando presente, geralmente é discreta, com raros linfócitos atípicos e/ou granulares. Além disso, a linfocitose é de curta duração, geralmente remitindo em alguns dias/semanas. A presença de anemia ou plaquetopenia deve sugerir fortemente a presença de outros fatores complicantes prévios ou sugerir outros diagnósticos. A presença de neutrofilia, especialmente na presença de desvio à esquerda, é infrequente e deve alertar para o diagnóstico diferencial com infecções bacterianas.

Crianças com infecção do trato respiratório causada por vírus exibem febre, dor abdominal e, muitas vezes, diarreia. O hemograma apresenta leucocitose entre 15.000 a 50.000/mm3 com predominância de linfócitos sem presença de linfócitos reativos.

Outros exames diagnósticos

Exames bioquímicos raramente são necessários. Em casos duvidosos o uso de exames de imagem, especialmente radiografias e tomografia computadorizada de tórax e seios da face podem ser indicadas. Para o diagnóstico etiológico, em geral, há necessidade do uso de técnicas moleculares, que não são habitualmente indicadas dada a pouca gravidade e o bom prognóstico dessas infecções, sem tratamento específico.

Influenza

Aspectos clínicos

É uma das doenças infecciosas mais frequentes, sendo altamente contagiosa. Apresenta-se agudamente, com grande variação na gravidade dos sintomas, variando desde febre e leve sintomatologia respiratória de trato superior até falência respiratória e morte.

Os principais sintomas são febre, mialgia, fadiga, hiporexia, cefaleia, odinofagia, sintomas respiratórios (tosse, secreção nasal, espirros) e lacrimejamento. Em crianças, diarreia pode estar presente. Em geral, a intensidade dos sintomas é maior que no resfriado comum, a febre pode chegar a 40°C podendo limitar as atividades cotidianas do indivíduo por alguns dias.

A infecção pelo vírus influenza pode evoluir de maneira desfavorável, especialmente em dois cenários:

  • Pneumonite por influenza. Aparecimento progressivo de tosse e dispneia, com cianose. Exames de imagem mostram infiltração pulmonar difusa bilateral sem consolidação. Os principais grupos de risco incluem os extremos de idade, gestantes no terceiro trimestre, portadores de comorbidades cardiopulmonares, imunossuprimidos e obesos mórbidos. Pode evoluir de forma grave e levar ao óbito, particularmente nesses grupos populacionais, mas também em indivíduos jovens e previamente hígidos.
  • Infecção bacteriana secundária. Pneumonia secundária à influenza é bem descrita na literatura e pode ser causada por inúmeros agentes, especialmente estafilococos (surge 2-3 dias após o início da infecção viral). Estreptococos e haemófilos (2-3 semanas após início da infecção viral). A infecção estafilocócica é a mais ameaçadora, com o paciente se apresentando intensamente sintomático, tosse importante e eventualmente cavitações nos exames de imagem. A evolução para choque séptico é comum.


Diagnóstico diferencial

Uma miríade de agentes virais pode simular infecção por influenza, como os rinovírus, vírus sincicial respiratório, parainfluenza, adenovírus, infecção pelo vírus Epstein-Barr (agente da mononucleose infecciosa), infecções bacterianas, bem como apresentação inicial de outras infecções como hepatite A e dengue. Como dito anteriormente, a distinção com infecções bacterianas, seja inicialmente ou no decorrer da evolução da doença, é importante. Nesses casos, exames microbiológicos devem ser incluídos na investigação etiológica.

Hemograma

Quadros leves, prodrômicos, podem apresentar hemograma normal ou com discreta linfocitose ou linfopenia. A presença de linfócitos atípicos não é observada de rotina e, quando presente, costuma ser discreta. Desta forma, o hemograma não costuma ser informativo do diagnóstico. A presença de neutrofilia sugere que infecção bacteriana secundária pode ter se instalado e esta hipótese deve ser investigada. Trombocitopenia pode estar presente, de leve monta. Por outro lado, a presença de linfopenia marcante geralmente está relacionada à progressão da gravidade da doença.

Outros exames diagnósticos

Achados laboratoriais bioquímicos são inespecíficos para o diagnóstico. O padrão ouro para o diagnóstico é o RT-PCR para identificação viral em raspado nasal (resultado 24-48 horas, >90% de sensibilidade).

Podem ser utilizados testes rápidos para detecção e discriminação entre Influenza A e B, que podem fornecer resultado em até 30 minutos. Entretanto é importante notar que a sensibilidade de alguns destes testes é limitada, cerca de 60%, apesar de outros terem sensibilidade entre 80-90%. No entanto, é importante avaliar quais cepas são detectadas pelos testes, especialmente a H1N1 (pandêmica em 2009).

Além destes, exames de imagem irão mostrar o grau de comprometimento pulmonar, bem como exames para oximetria não invasiva e invasiva (gasometria arterial) são importantes para determinar o grau de acometimento respiratório.

Influenza H1N1 e H3N2

Aspectos clínicos

Apresentação clínica de influenza causada pelos subtipos virais H1N1pdm2009, e H3N2 é semelhante aos demais casos de influenza e envolve febre, tosse, odinofagia, mialgia e fadiga, sendo diarreia e vômitos possíveis comemorativos. O surto mundial dessa variante de H1N1 em 2009 causou grande alarme devido as suas características peculiares de agressividade. No entanto, apesar da pandemia mundial, a mortalidade pareceu ser apenas levemente maior do que aquela observada para os subtipos sazonais que circulavam até então (predominantemente H3N2).

Complicações incluem:

  • Complicações neurológicas em crianças com quadro grave: convulsões, encefalites, Guillain Barré.
  • Pneumonia: viral ou por contaminação bacteriana secundária.
  • Piora de condições respiratórias prévias em pacientes pneumopatas crônicos.


Diagnóstico diferencial

Assim como nos casos de Influenza sazonal, incluei uma plêiade de doenças, cujo quadro inicial pode ser aquele observado na Influenza e também em todas as infecções de vias aéreas superiores (IVAS).

Hemograma

Tal qual influenza sazonal, o hemograma não apresenta alterações específicas na influenza por subtipo H1N1. Discreta linfopenia e/ou neutropenia podem acontecer, enquanto a linfocitose atípica não é comum. Novamente, a presença de neutrofilia deve sugerir a presença de infecção bacteriana sobreposta.

Outros exames diagnósticos

O diagnóstico é feito através da pesquisa direta do vírus. Atualmente, a maioria dos testes moleculares rápidos ou por RT-PCR tradicional detectam essa cepa e a discriminam no exame, caso este seja positivo. Nos casos leves, a identificação do vírus não se faz necessária, sendo reservada para quadros mais graves ou arrastados ou para populações de risco, como imunossuprimidos e pacientes com outras comorbidades. Exames de imagem são usados em quadros graves para avaliar extensão pulmonar da doença.

Mononucleose infecciosa (Epstein-Barr Virus- EBV)

Aspectos clínicos

A mononucleose infecciosa é uma doença aguda causada pelo vírus Epstein-Barr (EBV), mais comum em crianças e adolescentes. Dependendo da faixa etária em que a doença incide, até 90% dos infectados serão assintomáticos. Nos casos sintomáticos, a maior parte deles nas crianças maiores e adolescentes, muitas vezes irá se apresentar com sintomas prodrômicos gerais, ou seja, febre, hiporexia, mal-estar geral e com sintomas localizatórios de IVAS como odinofagia e adenomegalia cervical, podendo ser confundida com uma IVAS corriqueira de evolução mais intensa. Mialgia pode ocorrer, mas é incomum.

Outras vezes irá se apresentar com sua forma clássica, desencadeando uma síndrome caracterizada por febre alta, edema faríngeo-amigdaliano, muitas vezes com formação de placas purulentas, e linfadenopatia cervical, eventualmente generalizada, e com hepatoesplenomegalia associada. Edema facial, especialmente periorbital, e rash cutâneo podem estar presentes, bem como a presença de petéquias no palato.

A tríade clássica de febre, faringite e adenomegalia é mais frequente em crianças. Adultos e idosos tendem a ter menos adenomegalias e pouca sintomatologia de orofaringe. Por outro lado, nesses pacientes o acometimento hepático é mais comum, sendo que icterícia pode ser observada em 10-30% dos casos.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial de mononucleose se dá com inúmeras situações, e muitas vezes um quadro mais arrastado poderá inclusive levar a suspeita de neoplasias. As principais condições que simulam um quadro clínico de mononucleose infecciosa são a toxoplasmose aguda e a infecção aguda pelo citomegalovírus (CMV), consideradas síndromes “mono-like”. Faringite bacteriana, principalmente por estreptococos do grupo A pode confundir o quadro nos casos de presença de placas e exsudato faríngeo. Em adultos, hepatites virais entram no diagnóstico diferencial, devido à icterícia e menor acometimento faríngeo.

Hemograma

O hemograma destes pacientes mostra linfocitose evidente, frequentemente acima de 10.000/mm3, com a presença de grande quantidade de linfócitos atípicos, perfazendo muitas vezes mais do que 30%-50% dos linfócitos. É importante notar que a atipia pode durar por semanas a meses mesmo depois de resolvido o quadro. Anemia não é clinicamente significativa, mas pode estar presente, pois auto-anticorpos contra hemácias poderem ser induzidos pelo EBV. Assim, a presença de anemia grave deve indicar investigação de outros diagnósticos diferenciais. Trombocitopenia é relativamente comum, mas raramente grave.

O hemograma varia de 10.000-20.000/mm3 leucócitos com linfocitose relativa e absoluta em mais de 50%, e presença de linfócitos reativos. Entretanto, pode haver uma neutropenia absoluta em até 20% dos pacientes, com contagem de neutrófilos podendo chegar a 2.000/mm3 nas primeiras semanas. Podem ser visualizados desvio à esquerda, e presença de granulócitos imaturos como resposta a infecção pós ruptura esplênica.

A contagem absoluta de linfócitos excede de 5.000/mm3 ou com predominância de linfócitos reativos e, praticamente todos os pacientes com mononucleose infecciosa apresentam linfocitose atípica de 40% ou mais células. O pleomorfismo linfocitário é tamanho ao ponto de se confundir alguns linfócitos com células blásticas. Há basofilia citoplasmática, grânulos em linfócitos e células linfoplasmocitoides.

Outros exames diagnósticos

Exames para diagnóstico diferencial incluem provas sorológicas para EBV e outros agentes causadores de síndrome mono-like, sorologias para hepatites virais em adultos, VHS e enzimas hepáticas. A VHS geralmente é elevada. Isto é útil principalmente para diferenciar de faringite estreptocócica, que geralmente tem VHS baixo.

Enzimas hepáticas tendem a aumentar seus níveis plasmáticos, atingindo mais comumente valores entre 100 e 300 UI/mL. Grandes elevações de transaminases sugerem investigar hepatites por vírus hepatotrópicos específicos.

A pesquisa de anticorpos específicos (contra os antígenos VCA) do tipo IgM e IgG podem ser úteis no diagnóstico. Os da classe IgM surgem com cerca de 2 semanas de doença e atinge pico 4-8 semanas e, portanto, podem ser negativos no começo da doença e também em crianças menores de 2 anos; podem permanecer positivos por períodos prolongados (meses). Ao longo da infecção, a IgG se torna positiva e deve permanecer assim pela vida toda.

Embora a presença de IgM anti-EBV geralmente corresponda a infecção aguda por este agente, pode haver reação cruzada entre esses anticorpos e os anti-CMV/Anti-toxoplasmose. Na presença de reatividade simultânea de IgM para diversos agentes, a análise da avidez de IgG para cada um deles pode auxiliar no diagnóstico diferencial, pois na vigência de infecção aguda, a avidez é baixa. As técnicas moleculares para pesquisa de ácidos nucleicos circulantes podem ser úteis, mas nem sempre definem o diagnóstico na infecção aguda, sendo reservadas para os contextos de suspeita de reativação em imunossuprimidos.

Por fim, o uso de exames mais específicos como mielograma e imunofenotipagem, seja de sangue, medula ou do linfonodo acometido, podem raramente ser necessários em casos onde a suspeita de doença linfoproliferativa seja aventada. Na mononucleose, observar-se-á aumento da população de linfócitos TCD8 e linfócitos B policlonais. 

 

Tabela 2 - Diagnóstico diferencial da mononucleose.

Parâmetro

 

EBV

CMV

Toxoplasmose

Hepatite Viral

Sintomas

Fadiga

+++

+

+/-

+

Mal-estar

++

+

-

+

Faringite

+

+

+/-

+/-

Rash

±

-

-

+/-

Sinais

Edema palpebral

±

-

-

-

Adenopatia unilateral

-

-

+/-

-

Adenopatia bilateral

+

+

+/-

+/-

Hepatomegalia

+/-

+/-

-

+

Esplenomegalia

+

+/-

+/-

-

Anormalidades laboratoriais

Leucocitose

nl/-

nl/-

nl

¯

TGO/TGP

++

+

+/-

+++

Linfócitos atípicos

+

+

+/-

-

Plaquetopenia

+/-

+/-

-

+/-

IgM CMV

-

+

-

-

IgM EBV

+

-

-

-

IgM toxoplasmose

-

-

+

-

Sorologia hepatites

-

-

-

+

EBV: Epstein Barr Vírus; CMV: citomegalovírus; nl: normal


Citomegalovírus

Aspectos clínicos

O Citomegalovírus (CMV) é um vírus DNA da família Herpesviridae. A maioria das pessoas infectadas por CMV será assintomática, independentemente da idade de acometimento, ou apresentará quadro leve inespecífico. Após a primoinfecção, este vírus caracteristicamente entra em uma fase de infecção latente, podendo reativar ao longo de toda vida.

Pacientes sintomáticos podem apresentar faringite, febre e adenomegalias (eventualmente com hepatoesplenomegalia), num quadro que pode ser similar ao da mononucleose infecciosa (síndrome “mono-like”), sendo este um importante diagnóstico diferencial. Em adultos, é comum que a febre seja prolongada e não seja acompanhada de outras manifestações, configurando uma causa de febre de origem indeterminada. Raramente ocorrem acometimentos viscerais, como pneumonite, encefalite, hepatite, colite, uveíte, no decorrer da primo-infecção. Essas manifestações serão mais frequentes e graves nos casos de reativação da infecção em pacientes imunossuprimidos, como receptores de transplante e pessoas vivendo com HIV/aids.

Especial atenção deve ser dada a gestantes que apresentam a primoinfecção no período gestacional, devido à possibilidade de mal-formações no feto e manifestações viscerais graves no recém-nascido.

Diagnóstico diferencial

Devido ao seu amplo espectro de manifestações, o CMV pode ser diagnóstico diferencial de inúmeras condições clínicas, especialmente em pacientes imunossuprimidos. Em pacientes imunocompetentes, é comum a primoinfecção passar desapercebida ou apresentar sintomas de mononucleose ou de resfriados comuns/IVAS.

Hemograma

O hemograma pode apresentar linfocitose, mas raramente tão elevada quanto na mononucleose. A presença de linfócitos atípicos é comum, mas não costuma ser exagerada (10% a 30%). Anemia e plaquetopenia, se presentes, são leves. A atipia tende a desaparecer em poucos dias/semanas. Na infecção congênita, por outro lado, a trombocitopenia é muito frequente, podendo ocorrer anemia concomitante. Infecções agudas ou reativações em imunossuprimidos podem cursar com pancitopenia, refletindo envolvimento medular.

Em pacientes imunocompetentes, a primo-infecção pode ser determinada pela presença de IgM. No entanto, reação cruzada com anticorpos anti-EBV pode ocorrer e resultados falso-positivos podem aparecer na presença de títulos altos de fator reumatoide. O estudo de avidez da IgG pode ser interessante ao se determinar se os índices de IgG observados se referem a infecção crônica/passada (alta avidez) ou aguda/subaguda (baixa avidez). Pacientes imunocomprometidos, no entanto, podem apresentar menor resposta sorológica.

Antigenemia é a detecção de proteínas virais em leucócitos, especialmente a proteína pp65, que só está presente em casos de replicação viral. Pode ser de grande auxílio na condução de pacientes imunocomprometidos. No entanto, sua análise pode ser prejudicada nos casos de leucopenia acentuada. A quantificação de carga viral por RT-PCR é o exame mais sensível para detecção do CMV e não é afetada pelo estado imune do paciente, sendo atualmente considerada o padrão-ouro para rastreamento e diagnóstico de reativação em pacientes imunossuprimidos. Pode ser utilizada, ainda, para diagnóstico de infecção congênita, seja no período pré-natal por meio da análise de líquido amniótico, seja no período neonatal, em que se recomenda a análise da urina

CASO CLÍNICO 4

Paciente do sexo feminino, 18 anos, admitida ao hospital com história de febre há 20 dias. Após 10 dias foi notado aumento dos linfonodos cervicais com dor e retorno da febre. A hipótese inicial foi de quadro viral. A paciente procurou novamente a emergência, iniciou antibiótico. Evoluiu no hospital com picos febris e aumento dos linfonodos e hepatoesplenomegalia. 


Parâmetros
 
 
Valores de referência
RBC (milhões/mm3)
4,68
                                                 
4.3 – 5.0
Hemoglobina (g/dL)
12,6
 
12,0 – 14,0
Hematócrito (%)
41,8

40 -46
VCM (fL)
89,3
 
82 - 98
HCM (pg)
27

27-32
CHCM (g/dL)
30,1
 
32 -36
RDW (%)
14.5

12-14
WBC (mm3)
16.500
 
4.000 – 11.000

Segmentados

5 %
825/mm3
2.000-7000

Linfócitos

28 %
4.620/mm3
1.000-3.000

Monócitos

4 %
660/mm3
200-1.000

Eosinófilos

1 %
165/mm3
20-500

Linfócitos atípicos

62%
10.230/mm3
0-500
Plaquetas (mm3)
270.000
 
150 – 400.000


A lactato desidrogenase – 1.326 UI/L, AST 146 U/L e ALT 183 U/L. As sorologias mostraram: IgG EBV 49,50 U/mL (positiva, se maior que 20 U/mL); IgM EBV positivo; IgG CMV: 100,0 UI/mL (positiva, se maior que 0,6 UI/ML); IgM CMV positivo; IgG toxoplasmose < 2,0 UI/mL (negativa, se menor que 7,2 UI/mL); IgM toxoplasmose: negativo.

O diagnóstico de mononucleose infecciosa foi confirmado. pela sorologia para EBV.

Dengue

Aspectos clínicos

A infecção causada pelo vírus da dengue é caracterizada clinicamente pela presença de febre, mialgia, cefaleia, dor retro-orbitária, fraqueza, vômito e rash. Pacientes com primo-infecção pelo vírus dengue também podem ser oligossintomáticos. Pessoas com infecção prévia por dengue podem apresentar uma reação mais exacerbada, com a disfunção e aumento da permeabilidade endotelial, levando a importante extravasamento de líquidos para os tecidos, e a possibilidade de evolução para dengue grave. Tal extravasamento pode ser de tal monta que leve a hemoconcentração e até choque hipovolêmico, sendo situação de alta letalidade.

Diagnóstico diferencial

Várias doenças infecciosas podem apresentar quadro clínico semelhante ao da dengue clássica, como influenza, hepatites virais e malária, além das outras arboviroses como Zika e Chikungunya. Além disso, em locais com baixa incidência de dengue, a mesma pode ser confundida com outras doenças de etiologia não infecciosa, como purpura trombocitopênica imune (PTI) na presença de outra viremia e pré-eclâmpsia na gestação (trombocitopenia, alteração hepática, aumento da permeabilidade capilar e ascite). Os quadros graves podem ser semelhantes ao de outras febres hemorrágicas, particularmente febre amarela no nosso meio.

Hemograma

Mesmo na dengue clássica, observamos algum grau de hemoconcentração, com aumento da hemoglobina em relação ao basal (mas raramente um aumento maior do que 20% do basal), de maneira que num exame isolado, a maioria dos pacientes ainda apresentará hemoglobina dentro dos valores normais. Na série branca, um fenômeno interessante acontece. Diferentemente de outras viremias, o número de linfócitos costuma ser baixo, mas é comum a presença de atipias e até plasmócitos circulantes. Plaquetopenia é comum, em diferentes graus, sendo frequentemente observadas contagem inferiores a 100.000/mm3. A causa da plaquetopenia não é completamente elucidada, e acredita-se ser causada por ação destrutiva do vírus sobre os precursores da medula óssea, além do aumento da adesividade periférica derivado do aumento de expressão de receptores de adesão decorrentes da interação entre o vírus e as células endoteliais. Cerca de um terço dos pacientes pode apresentar sintomas hemorrágicos, com petéquias, especialmente sob aumento da pressão hidrostática.

Na dengue grave, a hemoconcentração e plaquetopenia são maiores, e linfocitose pode estar presente, também com atipias. Geralmente a linfocitose começa a aparecer numa fase um pouco mais tardia, no momento da defervescência e pode preceder a fase mais grave da doença.

Hemoconcentração acima de 20% do basal também pode indicar dengue grave e preceder o choque, demonstrando importante perda de líquidos para o espaço extravascular. Da mesma forma, a contagem de plaquetas abaixo de 50.000/mm3é comum.

Em um estudo brasileiro de Oliveira ECL cols analisou 543 casos com dengue e foi evidenciado que, 68,5% dos pacientes apresentaram número de plaquetas inferior a 150.000/mm³, com uma queda do número de plaquetas a partir do 3º dia do curso da dengue clássica e a partir do 1º e 2º dias na da dengue hemorrágica, com contagens de plaquetas inferiores a 50.000/mm³.

Quando avaliados pacientes com dengue hemorrágica constatou-se que a mediana da contagem de plaquetas foi de 95.000/mm³ e o principal achado hemorrágico foram as petequias. Entretanto, os pacientes com dengue clássica exibiam sangramento em um local e quadros de diátese hemorrágica em mais de 3 sítios são raros.

Em relação a leucopenia, verifica-se que 48,7% dos pacientes apresentaram contagem de leucócitos inferior a 4.000/mm³. A leucopenia é mais precoce nos quadros de dengue hemorrágica, e é notada nos primeiros dois dias de evolução. A linfopenia é um achado hematológico comum sendo encontrada em 67,8% dos pacientes e grande parte apresenta também linfócitos reativos.  A normalização da contagem de linfócitos ocorre a partir do 7o dia de evolução da dengue. Em esfregaços sanguíneos de pacientes com dengue clássica ou hemorrágica podem ser visualizados desvios a esquerda, acompanhados de atipia linfocitária.

CASO CLÍNICO 5

Paciente do sexo masculino, 41 anos, admitido em uma UPA com história de febre, dor no corpo há 3 dias. A dor persistia e foi solicitado um hemograma após 24 horas. As transaminases elevaram-se, AST 1987 U/L e ALT 863 U/L.


Parâmetros
 
 
Valores de referência
RBC (milhões/mm3)
5,72
                                                 
4,3 – 5,0
Hemoglobina (g/dL)
17,3
 
12,0 – 14.0
Hematócrito (%)
52

40 -46
VCM (fL)
90,9
 
82 - 98
HCM (pg)
30,2

27-32
CHCM (g/dL)
33,2
 
32 -36
RDW (%)
13,0

12-14
WBC (mm3)
3.200
 
4.000 – 11.000

Segmentados

5 %
160/mm3
2.000-7.000

Linfócitos

75%
2.400/mm3
1.000-3.000

Monócitos

4 %
128/mm3
200-1.000

Eosinófilos

1 %
32/mm3
20-500

Linfócitos atípicos

15%
480/mm3
0-500
Plaquetas (mm3)
38.000

150 – 400.000


Outros parentes que moravam na mesma comunidade apresentaram sintomas compatíveis com virose por 3 dias. Foi realizado um teste rápido que deu reagente para IgM e o diagnóstico de dengue foi confirmado pelo método de ELISA. O paciente foi internado para tratamento sintomático com analgésicos e hidratação e monitoramento do quadro e ocorreu melhora após 20 dias com contagem de plaquetas, leucócitos e níveis de transaminases normais.

Outros exames diagnósticos

O diagnóstico definitivo é feito por exames específicos que demonstrem:

  • IgM positiva (após o 5º dia a partir do início dos sintomas).
  • Aumento de quatro vezes nos títulos de IgG (parâmetro utilizado para diagnóstico dos episódios secundários)
  • Presença do antígeno dengue específico NS1 (antes do 5º dia)

Outros testes incluem aumento leve a moderado das transaminases em todos tipos de dengue. Casos graves podem apresentar elevação do tempo de protrombina e de tromboplastina parcial ativada, fibrinogênio diminuído e hipoproteinemia.

Parvovirose

Aspectos clínicos

Causada pelo Eritrovírus humano (antigamente denominado Parvovírus B19), é conhecida também como “a quinta doença (exantemática)”. Estima-se que cerca de um terço à metade da população adulta já tenha entrado em contato com esse vírus, cuja infecção é subclínica ou cursa com manifestações leves e inespecíficas na grande maioria dos casos. Na sua forma clássica, a doença caracteriza-se por febre por 2-3 dias e cerca de uma semana depois o rash maculopapular pode aparecer, eventualmente associada a palidez perioral, especialmente em crianças menores.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial inclui outras viroses que causam febre e exantema, mas também infecções virais em geral, pela presença de quadro prodrômico. A presença de aplasia medular deve ser diferenciada de outras doenças hematológicas como anemia hemolítica, anemia aplástica grave, leucemias e mielodisplasia.

Hemograma

A complicação hematológica mais importante da parvovirose é a aplasia pura de série vermelha transitória. Há infecção direta dos precursores hematopoéticos com supressão da eritropoese, apesar de as outras séries poderem ser afetadas levando à queda da contagem de todas as linhagens celulares. Classicamente, há importante redução do número total de hemácias e de reticulócitos, muitas vezes com contagem destes últimos abaixo de 5.000/mm3. Alterações da série branca são variadas, mas aumento de linfócitos, se ocorrer, é limitado. Na medula óssea, há redução importante dos eritroblastos, sendo observada a presença apenas de raros precursores eritroides, na forma de proeritroblastos gigantes, eventualmente com inclusões nucleares.

Outros exames diagnósticos

Sorologias, especialmente a pesquisa de IgM, podem ser úteis na identificação de infecção aguda e surgem cerca de 7 a 10 dias após a infecção. No entanto, em pacientes com importante imunossupressão, o teste pode mostrar níveis mais baixos de IgM e eventualmente ser negativo. O uso de PCR para identificação do vírus é o teste mais específico para detecção de infecção presente, porém é reservado para o diagnóstico de reativações em imunossuprimidos. Como dito anteriormente, estudos medulares como mielograma, imunofenotipagem e cariótipo podem ser necessários, particularmente para os casos graves.

Sarampo

Aspectos clínicos

Clinicamente, o sarampo caracteriza-se por febre alta, tosse, coriza e conjuntivite agudas, acompanhado por um enantema característico (com manchas de Koplik na parte interna da bochecha) seguido de rash eritematoso maculopapular de progressão cefalocaudal. O quadro é acompanhado por importante imunossupressão celular, que pode favorecer o aparecimento de pneumonia ou outras infecções bacterianas associadas. Encefalite é rara (0,1%). Uma complicação tardia é o aparecimento da panencefalite esclerosante subaguda. Apesar de eliminado em vários países, surtos têm ocorrido em vários locais do mundo, inclusive no Brasil, em vista da diminuição da cobertura vacinal.

Diagnóstico diferencial

Inclui desde resfriado comum a outras doenças exantemáticas como rubéola, escarlatina, exantema súbito e eritema infeccioso (parvovirose), dengue, alergias e reações medicamentosas.

Hemograma

Em geral apresentará leucopenia com discreta linfocitose e plaquetopenia.

Outros exames diagnósticos

O diagnóstico é feito pela presença de IgM específica, detectável a partir do terceiro dia do rash ou pela detecção direta do vírus por biologia molecular (PCR). O exame de IgM pode ser falso-positivo em pacientes com mononucleose.

O uso do critério de aumento de 4 vezes no título de IgG também é valido para o sarampo. No entanto, raramente irá prover diagnóstico na fase aguda da doença, podendo atrasar consideravelmente qualquer intervenção médica terapêutica.

Exames bioquímicos gerais podem demonstrar acometimento hepático. Exame do líquor, nos casos suspeitos de encefalite, mostra proteína aumentada com glicose normal e predomínio de linfócitos com pleocitose.

Febre amarela

Aspectos clínicos

É causada pelo vírus da febre amarela, um flavivírus transmitido por mosquitos dos gêneros Haemagogus, Sabethes (áreas silvestres) e Aedes (áreas urbanas). A apresentação clínica varia enormemente, de manifestações leves até hepatite aguda fulminante e febre hemorrágica.

O período de incubação é de 3 a 6 dias e a maioria dos indivíduos com febre amarela apresenta uma doença leve e autolimitada que consiste em febre, cefaleia, mialgia e mal-estar. A apresentação clínica é dividida em 3 fases: período de infecção, período de remissão e, eventualmente, uma fase ou período de intoxicação.

A apresentação mais grave ocorre em cerca de 15% dos casos, em geral passado o período de infecção e remissão; nesses casos, apresenta início abrupto de mal-estar geral, febre, calafrios, dor de cabeça, dor lombar, náusea e tontura. Os achados cínicos incluem dissociação de febre-pulso (ou seja, febre com frequência cardíaca baixa - sinal de Faget), conjuntivite e rubor facial.

Após o período de infecção, os sintomas e a temperatura se normalizam por até 24 horas, no chamado período de remissão. Neste tempo, a viremia torna-se indetectável. O paciente pode então se recuperar (doença autolimitada), ou progredir para uma doença fatal durante o próximo estágio.

Em aproximadamente 15%-25% dos casos, a remissão é seguida pelo retorno dos sintomas, gerando o período de intoxicação. Esta fase é marcada por febre, vômitos, dor abdominal, insuficiência renal e hemorragia e causada pela resposta imune humoral e celular exacerbadas. Petéquias, equimoses, epistaxe e sangramento de gengivas e locais de venopunção surgem e podem aparecer melena, hematêmese e metrorragia. Icterícia pode aparecer devido a lesão hepática. Síndrome hepatorrenal pode aparecer, apresentando alta letalidade, cerca de 50%. A fase terminal apresenta edema cerebral com confusão mental e coma.

Diagnóstico diferencial

Leptospirose, dengue, hepatites virais, malária, febre tifoide devem ser consideradas no diagnóstico diferencial.

Hemograma

Achados laboratoriais significativos geralmente incluem leucopenia com neutropenia relativa no começo da doença. Caso a febre amarela evolua, leucocitose pode ser observada. Plaquetopenia ocorre como parte da coagulopatia de consumo. No início da doença pode haver hemoconcentração, mas anemia surge no decorrer da fase de intoxicação por efeito principalmente de hemodiluição.

Outros exames diagnósticos

Aumento de AST e ALT pode aparecer pela lesão hepática. AST costuma ser maior que ALT devido a lesões ósseas e miocárdicas associadas. O envolvimento progressivo do fígado e as respostas mediadas pelo sistema humoral podem levar à coagulopatia de consumo. Tempos de coagulação e protrombina prolongados e níveis reduzidos de fibrinogênio e de fatores de coagulação II, V, VII, VIII, IX, X ocorrem e aparecem os produtos de degradação de fibrina. Lesão renal pode causar aumento da creatinina e ureia, bem como albuminúria.

O diagnóstico definitivo é feito através de testes que detectem o RNA viral por  PCR ou por sorologia. No entanto, o RNA só é encontrado em fases muito precoces (3-4 dias do início dos sintomas). Sorologia – pesquisa de IgM - é de auxílio diagnóstico, mas deve ser interpretado com cuidado pela reatividade cruzada com outros flavivírus.

Hepatites virais

As hepatites virais são causadas por vírus hepatotrópicos específicos, denominados de A, B, C, D, E e não-A/nãoE.  Compõem um quadro clínico discretamente diferente de acordo com o tipo de vírus envolvido.

Aspectos clínicos

Hepatite A. A hepatite A é causada pelo vírus tipo A (HAV), um vírus RNA, e é uma das causas mais frequentes de hepatite aguda, sendo de transmissão fecal-oral. A maioria das pessoas contrai o vírus ainda na primeira infância, quando os sintomas geralmente são menos exuberantes e podem ser tão leves quanto as manifestações gastrointestinais autolimitadas, ou sintomas gerais algo mais intensos, porém inespecíficos, como febre, mialgia, dor abdominal, mal-estar, hiporexia e cefaleia leve. Em adultos e mais raramente em crianças, o quadro de icterícia por lesão hepática pode aparecer. Urina escura (bilirrubinúria), icterícia (até 70% dos adultos) e fezes claras são os sinais mais comuns. Dor abdominal pode aparecer, bem como artralgias, prurido e rash nos membros inferiores. Hepatomegalia é comum.

Hepatite B. A hepatite B é causada pelo vírus da hepatite B (HBV), um vírus DNA, transmitido por contato direto com secreções e fluidos corporais. As manifestações clínicas e a patogênese da hepatite B são devidas à interação do vírus com o sistema imune do hospedeiro, que levam à lesão hepática e, potencialmente, à cirrose e ao carcinoma hepatocelular nas formas crônicas.

Os pacientes podem ter uma doença sintomática aguda ou uma doença assintomática. A fase aguda da doença, quando presente, é caracterizada por sintomas gerais de anorexia, náusea, vômito, febre baixa, mialgia, fadiga, alterações gustativas e olfativas (aversão a comida e cigarros), e dor no quadrante superior direito do abdome, geralmente intermitente, e de leve a moderada intensidade. Nesta fase, surge icterícia. A doença, no entanto, pode evoluir para forma fulminante aguda ou subaguda, apresentando quadro de confusão mental (encefalopatia hepática), sonolência, ascite, coagulopatias por falência hepática e sangramento gastrointestinal.

Após a infecção aguda (sintomática ou não) a maioria dos pacientes imunocompetentes irá eliminar o vírus, tornando-se imunes. Cerca de 5% dos adultos, entretanto, podem evoluir para forma crônica, com evolução para cirrose e carcinoma hepatocelular após um longo período assintomático. Dentre os pacientes com HBV crônico, o risco de carcinoma hepatocelular é cerca de 2% ao ano. Importante notar que a taxa de cronificação em crianças que se infectam no período pré-natal ou no parto é muito maior, chegando a 90% em casos de transmissão materno-fetal. Casos de cirrose podem então apresentar sintomas típicos desta condição como hipertensão portal, eritema palmar, aranhas vasculares, esplenomegalia, icterícia, ascite, ginecomastia com atrofia testicular, sangramento por varizes de esôfago e circulação colateral de parede abdominal. O HBV ainda pode estar relacionado ao desenvolvimento de doenças de fundo autoimune, como glomerulonefrites e poliarterite nodosa.

Hepatite C. A hepatite C é causada pelo vírus da hepatite C (HCV), um vírus RNA, transmitido, assim como na hepatite B, por contato direto com secreções e fluidos corporais. Igualmente, as manifestações clínicas e a patogênese da hepatite C são devidas à interação do vírus com o sistema imune do hospedeiro, além da ação direta do vírus, que levam à lesão hepática e, potencialmente, à cirrose e ao carcinoma hepatocelular nas formas crônicas. No entanto, diferentemente da hepatite B, cerca de 70% dos pacientes cronificam, enquanto a sintomatologia na fase aguda é bastante rara. Muitos sintomas extra-hepáticos podem estar presentes. Aliás, muitas vezes os sintomas extra-hepáticos aparecem antes dos demais e incluem: artralgias (23%), parestesias (17%), mialgias (15%), prurido (15%) e síndrome sicca (11%), gerando grande interface com doenças de etiologia autoimunes (reumatológicas). Na fase avançada de falência hepática e cirrose, as manifestações são similares às da hepatite B.

Diagnóstico diferencial

Doenças virais diversas, esquistossomose, hepatites medicamentosas e autoimunes, alcoolismo e algumas doenças metabólicas fazem parte do diagnóstico diferencial.

Hemograma

Hepatite A. Linfocitose discreta pode ser observada. Algum grau leve de hemólise pode ocorrer. Em casos raros, pode aparecer pancitopenia ou aplasia pura da séria vermelha

Hepatite B. Na fase de hepatite aguda, linfocitose discreta pode ser observada. Anemia devido a uma menor sobrevida dos glóbulos vermelhos é um achado pouco frequente, embora a hemólise possa ser notada. A trombocitopenia é um achado raro. Pacientes com hepatite grave experimentam um prolongamento do TAP (INR).

Hepatite C. A presença de anemia pode ser vista em vários pacientes, principalmente por hemólise, anemia de doença crônica e até por toxicidade medular direta. Discreta linfocitose pode ser observada. Plaquetopenia é comum nestes pacientes, mesmo nas fases mais assintomáticas e também podem aparecer no contexto de coagulopatias. Crioglobulinas são encontradas em até 50% das pessoas com infecção por HCV. O HCV é a principal causa da crioglobulinemia mista (crioglobulinemia tipo 2); até 90% das pessoas afetadas têm viremia por HCV. Os crioprecipitados geralmente contêm grandes quantidades de antígenos e anticorpos do HCV. Vasculite, hipertensão arterial, púrpura, líquen plano, artralgias e baixos níveis de tiroxina foram associados a títulos positivos para crioglobulina.

Em casos de descompesação por vírus C e evolução para cirrose hepática, ocorre esplenomegalia com hiperesplenismo em citopenias variáveis, sendo mais comuns as trombocitopenias seguidas de leucopenia e anemia por destruição esplênica. Neste contexto não são raras contagens de leucócitos inferiores a 2.000/mm3, plaquetas inferiores a 40.000/mm3, com tendências hemorrágicas agravadas pela coagulopatia em pacientes com doença hepática em estágio terminal.

Outros exames diagnósticos

Hepatite A. O diagnóstico da infecção aguda é facilmente obtido por meio da pesquisa de anticorpos da classe IgM; não são descritas formas crônicas da doença. A presença de IgG, isoladamente, corresponde a infecção ou vacinação pregressas. A coagulação geralmente é normal, exceto nos casos que evoluem para insuficiência hepática aguda. As transaminases podem estar bastante elevadas, geralmente com ALT>AST e podem demorar de 1-5 meses para normalizarem. Fosfatase alcalina e gama-glutamil transferase podem aumentar na fase colestática da doença. Bilirrubina direta aumenta de maneira significativa, mas pode haver aumento de indireta por hemólise associada, mesmo que a hemólise seja subclínica. Os níveis de bilirrubina podem permanecer altos por algumas semanas, geralmente menos do que 3 meses. Exames de imagem normalmente não são necessários, mas podem ajudar a descartar outras hipóteses.

Hepatite B. Os seguintes testes laboratoriais podem ser utilizados para avaliar as várias fases da doença: níveis de alanina aminotransferase e / ou aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina e de gama-glutamil transpeptidase; níveis séricos totais e diretos de bilirrubina, albumina (falência hepática), TTPa e TAP (coagulopatia por falência hepática) e VHS. Os testes sorológicos devem incluir os seguintes estudos laboratoriais:

Tabela 3 – Marcadores sorológicos das hepatites virais


Em “Infecção pelo HBV” acrescentar -Se anti-HBc IgM Reagente, infecção aguda. Se HBsAg persistir reagente por mais de 6 meses, infecção crônica.

A quantificação do DNA de HBV é útil para definir a indicação e monitorar o tratamento. Pode ser utilizada, ainda, para o diagnóstico de reativação em pacientes transplantados e que recebem terapias imunossupressoras.

Além disso, no seguimento dos pacientes com hepatite B crônica, os seguintes estudos radiológicos podem ser usados: ultrassonografia abdominal, tomografia computadorizada abdominal (TC) e Ressonância magnética abdominal (RM), e visam principalmente avaliar o fígado e a circulação portal, assim como a endoscopia digestiva alta para avaliação de varizes esofágicas. A biópsia hepática, embora seja o exame padrão-ouro para a avaliação da fibrose hepática, é excepcional na avaliação de hepatite B crônica e reservada aos casos em que há dúvidas quanto à indicação de tratamento.

Hepatite C. Os exames gerais seguem a mesma linha da hepatite B. Os exames específicos mais comuns são:

  • Anti-HCV: demonstra contato com o vírus, mas não atividade e/ou cura da doença
  • Carga viral: Detecção do RNA viral circulante, demonstra presença do vírus (requerida para diagnóstico de infecção crônica).

É interessante notar que a associação do vírus C com autoimunidade é importante e podemos ter positividade para testes de Anticorpo Antinuclear (FAN), Fator reumatoide, Anticorpo anti-cardiolipina, Anticorpo anti-tireoidiano e Anticorpo anti-músculo liso, além das crioglobulinas.

Alterações hematológicas no HIV

As alterações hematológicas associadas a infecção pelo HIV são multifatoriais, e se iniciam com a invacão do vírus células T CD4, com posterior replicação viral e transcrição reversa, destruição e diminuição da contagem de células T CD4 e aumento das infecções oportunistas (CD4<350/mm3). Estas alterações estão diretamente relacionadas com o desbalanço imune, comorbidades, infecções associadas e sobrepostas e aos tratamentos. Os pacientes cursam com síndromes anêmicas, purpúricas, infecciosas e consuptiva, com consequente anemia, plaquetopenia, neutropenia e linfopenia.

A produção ineficaz e as alterações megaloblásticas com deficiência de folato e cobalamina são comuns em pacientes HIV, que cursam com anemia macrocítica, com maior intensidade de acordo com a progressão da doença. Os níveis de hemoglobinas podem variar entre 5 a 8g/dL, e há ainda sobreposição de infecções que levam a anemias crônicas, ou mesmo associadas a fenômenos auto-imune com presença de esferócitos circulantes.

A leucometria é variável com variações associadas a infecções oportunistas bacterianas que resultam em neutrofilia e alterações toxico-degenerativas. Contudo, a neutropenia e linfopenia são mais comuns em pacientes com HIV/AIDS. A neutropenia no HIV também se deve granulocitopoiese ineficaz, aumento do sequestro esplênico de neutrófilos ou infiltrações medulares. Já a linfopenia resulta do efeito citopático do vírus. A linfocitose em paciente com HIV merecem a devida atenção, pois podem ser resultantes de quadros reacionais com linfócitos reativos e plasmócitos circulantes ou mesmo, com linfócitos clonais nas síndromes linfoproliferativas associadas ao HIV, e em linfomas, como o linfoma difuso de grande células B ou até em linfomas agressivos, como o linfoma de Burkitt.

A trombocitopenia no HIV está associada a destruição periférica de plaquetas pelos macrófagos esplênicos, infecção do vírus a megacariócitos, diminuição dos níveis de tropopoetina, e quadros púrpuricos relacionados destruição de plaquetas por anticorpos, na PTI. A contagem de plaquetas usualmente de 50.000/mm3, e raramente são observados sangramento graves. Formas graves de plaquetopenia, estão associadas a outras citopenias, com especial importância em pacientes coinfectados com os vírus das hepatites B e C. O aumento da destruição de plaquetas e eritrócitos também ocorrer devido à hemólise prematura no baço, presença de autoanticorpos, síndrome hemofagocítica, púrpura trombocitopênica trombótica ou medicamentos.

A infiltração da medula óssea por neoplasias, agentes infecciosos são comuns nos pacientes com HIV. As pancitopenias são comuns e relacionadas a mielopatia infiltrativa por Leishmanias ou mesmo Histoplasmas, com riscos aumentados de sangramentos, necessidade de transfusão de concentrado de hemácias, e diagnóstico após o aspirado de medula óssea. Nestes casos, o tratamento deve ser instituído rapidamente com Anfotericina B lipossomal, pois nos casos de Histoplasmose disseminada a frequencia de óbito é muito elevada e precoce. A pancitopenia também pode decorrer de fibrose medular com anormalidades com reação estromal. Nestes casos de fbrose pode ser visualizado no sangue periférico uma reação leucoeritroblástica associada a maior gravidade.

Contudo, com o advento da terapia antiretroviral de alta eficácia – TARV, observou-se diminuição das anormalidades hematológicas em pacientes com HIV aderentes ao regime terapêutico.

Novo coronavírus, COVID – 19

A pandemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG, ou SARS – Severe Acute Respiratory Syndrome) provocada pelo novo Coronavirus, SARS-CoV-2 que se espalhou em fins de 2019/2020, trouxe enormes desafios mundiais por sua infectividade e morbimortalidade, sendo que no Brasil, até final de junho de 2020, somaram mais de 1.370.000 casos confirmados de infecção e quase  60.000 óbitos, provavelmente com significativa subnotificação. O SARS-CoV-2 é um vírus do tipo RNA, que tem provável origem animal, detectado inicialmente na cidade de Wuhan, capital de província chinesa de Hubei.

Assim como em casos de infecção por SARS-1 (H1N1) e MERS (H2N3), os sintomas são em sua maioria respiratórios. Em cerca de 80% dos pacientes, eles são de baixa intensidade e surgem após cerca de 1-2 semanas da exposição. Os sintomas mais comuns são febre, tosse, cefaleia e alterações do olfato e paladar.  No entanto, em alguns pacientes, o quadro se agrava, evoluindo com importante pneumonite após variados dias de sintomas, com formação de imagem em vidro fosco aos exames de tomografia computadorizada e com necessidade de internação hospitalar por dispneia, geralmente com frequência respiratória (FR) >26 ipm e saturação periférica de oxigênio (Sat02) <93%. Pacientes com quadro mais grave desenvolvem a piora clínica geralmente alguns dias após início dos sintomas, provavelmente como uma resposta inflamatória exacerbada ao vírus, gerando tempestade de citocinas, especialmente com elevados níveis circulatórios de interleucinas, entre elas a IL-6.

Apesar de ser considerada uma doença respiratória, vários casos têm apresentado evolução sistêmica. Cerca de 10-20% dos pacientes podem desenvolver miocardite, que pode ser de especial gravidade em pacientes previamente cardiopatas. Diversos fatores de risco têm sido associados à evolução grave da COVID-19, sendo a mais importante idade acima de 60 anos. Diabetes, imunossupressão grave, doença pulmonar prévia e obesidade também têm sido apontados como fatores de risco para maior mortalidade.

O diagnóstico definitivo de infecção por SARS-CoV-2 é a demonstração do material viral por PCR ou a sorologia para IgM ou IgA. No entanto, devido à cinética do vírus, nos primeiros dias de sintomas, estes testes podem ser falso-negativos e, portanto, na presença de quadro clínico-radiológico altamente sugestivo, uma nova rodada de testes é indicada.

Alterações hematológicas no paciente com COVID-19

Linfopenia é um dos principais achados no hemograma. Em geral os valores são <1000 linfócitos/mm3 e estão presentes em cerca de 60% dos casos. Pacientes mais graves tendem a ter níveis ainda mais baixos (<600/mm3). A causa da linfopenia segue em investigação, mas pode derivar de infecção direta dos linfócitos ou por indução de apoptose dos mesmos pela tempestade de citocinas.

A leucocitose por neutrofilia tem sido observada em cerca de 50% dos casos. Em geral estes pacientes se apresentam mais graves, seja por indução da tempestade de citocinas, seja por efeitos de infecções bacterianas supervenientes.

Trombocitopenia tem sido observada em cerca de 50% dos pacientes, especialmente nos graves. Já provas de coagulação tendem a se mostrar mais alteradas quanto mais grave o quadro clínico. É interessante notar o aumento significativo do D-dímero em pacientes com SARS-CoV-2, da mesma forma que o fibrinogênio também é consumido e há alargamento das provas de coagulação, culminando com um quadro de coagulação intravascular disseminada (CIVD), demonstrando a significativa resposta inflamatória sistêmica que pode culminar com falência de múltiplos órgãos nestes pacientes. Mediante toda esta alteração na coagulação, pacientes com COVID-19 tem risco aumentado de tromboembolismo venoso.

Achados morfológicos no sangue periférico tem chamado a atenção dos citologistas hematológicos, pois tem se notado presença de promielócitos displásicos, neutrófilos bilobulados e com o núcleo oval, com possível associação com mielopoese anormal transitória. Os neutrófilos necrobióticos ou apoptóticos têm sido visualizados também em esfregaço de sangue periférico de pacientes com COVID-19. Entre os poucos linfócitos circulantes há presença constante de atipia, e as plaquetas podem exibir tamanhos maiores e vacuolização.

Outros marcadores laboratoriais de gravidade

Aumentos de PCR, procalcitonina, DHL são comuns em pacientes com COVID-19 e têm relação com a gravidade do quadro e com a queda da contagem de linfócitos. Aumento da creatinina pode ser observado principalmente em pacientes em UTI, indicando falência de órgãos. O aumento de enzimas cardíacas é observado nos pacientes com miocardite. Cerca de 25% dos pacientes apresentam elevação das aminotransaminases, associada a lesão hepática. 

Anormalidades da Coagulação na COVID-19

O novo coronavírus, SARS-CoV-2 infecta células epiteliais pulmonares, resultando em liberação de citocinas inflamatórias, e síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS). O sistema microvascular pulmonar é danificado, levando à ativação anormal do sistema de coagulação, que resulta em vasculites pulmonares generalizadas de pequenos vasos e microtromboses extensas. A coagulopatia associada ao COVID-19 é uma combinação de CIVD de baixo grau com uma microangiopatia trombótica pulmonar, que pode ter um impacto substancial na disfunção orgânica nos pacientes mais graves. A microangiopatia trombótica na COVID-19 tem uma apresentação diferente dos quadros clássicos, pois não apresentam sinais de fragmentação eritrocitária, esquizócitos, nem sinais de hemólise secundários a coalisão com o trombo, policromasia ou esferócitos.

A disfunção da coagulação tem-se mostrado como uma das principais causas de morte em pacientes com COVID-19 grave, e tem-se mostrado que estes pacientes apresentam rápida evolução para CIVD. Entretanto, as anormalidades da coagulação ocorrem de forma precoce nos pacientes com COVID-19, com elevação dos níveis de Dímero-D em pacientes admitidos com febre, tosse, com ou sem dispneia. As complicações tromboembólicas apresentam-se também com microangiopatias trombóticas, bem como, as tromboses venosas e artériais com deterioração respiratória rápida. O tromboembolismo pulmonar em 35 a 45% dos casos, e os níveis de Dimero-D apresentam-se elevados em 46% em pacientes com COVID-19, sugerindo que as complicações tromboembólicas podem ter relação direta com a rápida deterioração respiratória observada nestes pacientes.

Cerca de 71% dos pacientes que morreram com COVID-19 apresentaram critérios diagnósticos de CIVD. Para tanto, a Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia tem recomendado tromboprofilaxia com uso de heparina de baixo peso molecular em todos pacientes com COVID-19 internados e monitoração dos níveis de dímero D, contagem de plaquetas e tempo de protrombina. A combinação de trombocitopenia, tempo prolongado de protrombina e aumento do dímero D é sugestiva de CIVD em pacientes com COVID-19.

Os exames de coagulação estão também relacionados com o prognóstico da doença.  Quando se comparou os parâmetros de coagulação em pacientes na admissão entre sobreviventes e não sobreviventes foram detectados níveis de dímero D nos pacientes que foram a óbito ultrapassavam 3 vezes o valor de referência. Assim, os testes de coagulação devem ser determinados do dia 1 ao dia 14 após a admissão em intervalos de dois dias, pois pacientes admitidos com suspeita ou confirmação de COVID-19 e níveis de dímero D acima do valor de referência devem ser anticoagulados até a normalização do teste. 


Figura 8 – Linfócito reativo ou atípico com basofilia citoplasmáica na borda citoplasmática e pleomorfimo citoplasmático e nuclear. Nota-se mudança do citoplasma com a proximidade das hemácias. Cellavision, Coloração de May-Grunwald Giemsa, x1000. Cedido pelo Grupo Fleury.


Figura 9 – Linfócito reativo ou atípico com basofilia citoplasmática e marcante pleomorfimo nuclear. Cellavision, Coloração de May-Grunwald Giemsa, x1000. Cedido pelo Grupo Fleury.


Figura 10 – Linfócito reativo ou atípico com hiperbasofilia citoplasmáica e pleomorfimo nuclear com aumento do núcleo e esboços de nucléolos. Cellavision, Coloração de May-Grunwald Giemsa, x1000. Cedido pelo Grupo Fleury.

Figura 11 – Linfócito reativo ou atípico com hiperbasofilia citoplasmáica, marcante pleomorfimo citoplamático em forma de projeção e nucléolos evidentes. Cellavision, Coloração de May-Grunwald Giemsa, x1000. Cedido pelo Grupo Fleury.


Figura 12 – Linfócito reativo ou atípico com hiperbasofilia citoplasmáica e pleomorfimo nuclear. Cellavision, Coloração de May-Grunwald Giemsa, x1000. Cedido pelo Grupo Fleury.


Leitura recomendada

Hemograma: Manual de Interpretação. Renato Failace e Flavo Fernandes 6º edição. Editora Artmed. 2015.

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