Espectroscopia por ressonância magnética

A espectroscopia por ressonância magnética (ERM) é uma técnica que tem recebido cada vez mais atenção dos radiologistas e em particular dos neurorradiologistas, neurologistas e psiquiatras. Os estudos de ERM de tecidos in vitro tiveram início na década de 70 e as análises quantitativas do cérebro de animais in vivo tornaram-se possíveis na década de 80. Atualmente, boa parte dos aparelhos de ressonância tem a capacidade de receber os programas destinados à espectroscopia e como resultados satisfatórios podem ser obtidos em curtos períodos de tempo, em geral menores que cinco minutos, o estudo por espectroscopia pode ser adicionado à rotina dos exames de RM do encéfalo.

Os prótons de hidrogênio (1H) são os elementos mais comumente usados na avaliação por espectroscopia, dada a sua abundância natural e alta sensibilidade magnética quando comparadas com outros núcleos como o sódio, carbono e fósforo. Este último (31P) tem sido utilizado na avaliação de processos patológicos onde o substrato é a alteração do metabolismo energético (particularmente miopatias e miocardiopatias) o que está além do escopo deste texto.

A técnica de ERM permite obter informações químicas dos tecidos com base no mesmo princípio físico das imagens ditas "convencionais" e é historicamente anterior à técnica que permitiu obtenção das imagens por RM. A freqüência de ressonância do hidrogênio (próton) depende da intensidade do campo magnético ao qual está submetido e das interações físico-químicas deste com os demais átomos e moléculas contíguas. Prótons de hidrogênio ligados a diferentes partículas têm diferentes freqüências de ressonância de acordo com a posição do hidrogênio nesta molécula. De maneira análoga, cada metabólito terá um espectro característico de acordo com as freqüências de ressonância de seus prótons, o que permitirá sua pronta e inequívoca identificação pela posição dos picos no gráfico, como numa "impressão digital", uma verdadeira "assinatura" espectroscópica. Para que se possa uniformizar a técnica, convencionou-se uma escala relativa de freqüências em p.p.m. (partes por milhão), aplicável a todos os aparelhos de ressonância, independentemente da intensidade de campo de cada um deles.

Devido à sensibilidade relativamente baixa da ERM, somente alguns poucos dos inúmeros componentes químicos do cérebro humano são passíveis de detecção pelo método. São acessíveis apenas compostos presentes em concentrações acima de 0.5 mMol.

Os principais metabólitos do cérebro humano detectado num exame rotineiro de espectroscopia de prótons são (Figura 1):

  

Figura 1: Curva normal de espectroscopia por RM com TE baixo (35 ms): observe que o maior pico encontra-se no nível 02 ppm (NAA) e que à direita dele não é observado qualquer outro pico de lactatoou lípides (setas). À esquerda do NAA observamos ou padrão normal da relação dos picos (creatina/fosfocreatina, colina e mioinositol, além do segundo pico de creatina/fosofocreatina).

N-Acetilasparto (NAA) - O NAA é o marcador de densidade e de viabilidade neuronais e a sua concentração diminui em escala proporcional ao dano celular. É um metabólito exclusivo dos neurônios (corpos celulares e axônios). Uma redução nos níveis de NAA é uma indicação não específica de insulto neuronal. Sua exata função cerebral é desconhecida, mas não está presente em lesões extra-axiais que não possuem neurônios, como por exemplo, nos meningeomas. A doença de Canavan é a única patologia conhecida onde se pode observar um aumento relativo dos picos de NAA. No espectro normal o NAA é o maior pico, localizado ao nível de 2.0 ppm.

Colina (Cho) - O pico de colina é formado por glicerofosfocolina, fosfocolina e fosfatidilcolina e reflete a concentração total de colina cerebral. Participa do metabolismo das membranas celulares e reflete seu turn over. Portanto um aumento de colina pode refletir um aumento na síntese de membranas ou aumento da população celular, como visto em alguns tumores, mas também pode ser observado em situações de destruição da mielina, como, por exemplo, em lesões desmielinizantes. É o segundo maior pico do gráfico, localizado ao nível de 3.2 ppm.

Creatina (Cr) - O pico de creatina é composto por substâncias intercambiáveis do metabolismo cerebral que se mantêm estáveis na maioria das situações (creatina e fosfocreatina). Provavelmente relaciona-se com o sistema de energia celular servindo como reserva de fosfatos de alta energia para o sistema ADP-ATP. A concentração total da Cr é relativamente constante no tecido cerebral e tende a ser resistente a alterações patológicas. Dessa forma, serve como referencial interno para os demais picos do gráfico espectral, sendo que quando se relata aumento ou diminuição de determinado metabólito é sempre em referência a este pico. É o terceiro pico mais elevado no gráfico normal, ao lado da colina, no nível 3.03 ppm.

Lactato - A morfologia da ressonância do lactato é de dois distintos picos, chamados "doublet", no nível de 1.32 ppm. Os níveis de lactato cerebral, em condições normais, são mínimos ou praticamente ausentes e, portanto, não é identificado no espectro em situações normais (exceto em recém-nascidos). Sua presença denota que os mecanismos de respiração oxidativa celular são ineficazes e há glicólise anaeróbica. Pode ser detectado em neoplasias, tendendo a se acumular em lesões císticas ou necróticas, podendo também ser observado em situações de isquemia cerebral. O grande problema referente ao reconhecimento do pico de lactato é a somatória de outros picos referentes a lípides na mesma faixa de freqüência da curva espectral. A solução para esse impasse é repetir a seqüência, habitualmente PRESS, com diferentes tempos de eco (TE): quando TE = 136 ms o pico duplo projeta-se abaixo da linha de base e quando o TE é longo (272 ms) há inversão do pico que se projeta acima da linha de base.

Mioinositol (mI) - Esse metabótito está envolvido na neuro-recepção hormônio sensível e é um possível precursor do ácido glucurônico. Seu pico ocorre no nível 3.56 ppm. Serve como marcador das demências corticais, especialmente nos casos de Alzheimer, quando sua elevação é associada com redução no pico de NAA. Pode ainda haver redução da amplitude de sua ressonância em virtude da ação do lítio nos pacientes maníacos e em casos de neuropatia diabética. O mioinositol elevado também tem sido demonstrado em casos de neoplasias gliais de baixo grau (gliomas de baixo grau). O rebaixamento do mioinositol pode ser visto em casos de encefalopatia hepática.

Glutamato (Glu) e Glutamina (Gln) - O glutamato é um neurotransmissor excitatório envolvido no metabolismo mitocondrial e a glutamina participa na regulação da atividade dos neurotransmissores. As freqüências de ressonância desses metabólitos são muito próximas na curva espectral, sendo representadas pela somatória desses picos (Glx) na faixa de ressonância entre 2.1 e 2.5 ppm.

Alanina - Trata-se de um aminoácido não essencial cuja função é incerta. Sua freqüência de ressonância situa-se entre 1.3 e 1.4 ppm e, portanto a detecção de alanina pode ser subestimada na presença de lactato. Pode estar elevada em certas situações como, por exemplo, nos meningeomas.

Lipídios - Os lipídios de membrana do parênquima cerebral têm tempo de relaxamento longitudinal muito curto e, portanto não são visualizados a menos que utilizemos TE muito curto. Produzem picos de ressonância em 0.8, 1.2, 1.5 e 6.0 ppm. Pode haver aumento destes metabólitos em astrocitomas de alto grau e em meningiomas e podem refletir processo necrótico. É importante, contudo salientar que podem ser resultado de contaminação pela gordura do tecido celular subcutâneo do couro cabeludo, o que limita a aquisição de espectros confiáveis em lesões próximas da calota craniana.

As principais indicações de estudo por espectroscopia do sistema nervoso central incluem:

Encefalopatia hepática subclínica e avaliação pré-transplante. ERM de pacientes com encefalopatia hepática crônica demonstra uma tríade de alterações bioquímicas caracterizada por redução do mio-inositol, aumento de glutamina + glutamato e redução de colina. Essas alterações predominam na substância branca dos hemisférios cerebrais. Supõe-se que nos indivíduos com insuficiência hepática sem encefalopatia, a ERM revele apenas níveis reduzidos de colina.

A encefalopatia subclínica caracterizar-se-ia do ponto de vista de espectroscopia pela queda dos níveis de mioinositol associada à redução da colina (Figura 2). Nos pacientes com encefalopatia hepática clinicamente evidente, estariam presentes, além das alterações supracitadas, níveis aumentados de glutamina/glutamato e todas essas anormalidades tendem a se acentuar com a piora do quadro clínico.

  

  

Figura 2: Encefalopatia hepática: o gráfico obtido com seqüência STEAM e baixo TE (20 ms) evidencia redução do mioinositol e da colina com elevação dos picos referentes à glutamina/glutamato.

Diagnóstico diferencial de síndromes demenciais. Na doença de Alzheimer, diversos estudos de ERM de próton mostraram redução do N-acetil-aspartato (NAA), inferindo perda (e/ou disfunção) de neurônios (Figura 3). Trata-se, contudo de um achado de baixa especificidade no contexto de síndrome demencial, podendo ser observado em praticamente todas as doenças que cursem com perda de neurônios. A associação de redução de NAA com aumento de mioinositol foi inicialmente descrita em demência do tipo Alzheimer e posteriormente observada em outras demências, como a demência fronto-temporal e também em doenças como a de Creutzfeldt-Jakob e também na demência do complexo AIDS. O significado do aumento de mio-inositol nessas patologias é desconhecido, podendo estar relacionado a aumento relativo de células gliais e/ou a outras alterações metabólicas desconhecidas. Aumentos variáveis da colina também foram relatados em pacientes com diagnóstico de doença de Alzheimer.

  

  

Figura 3: Espectroscopia por RM Alzheimer. O padrão habitualmente encontrado em doentes com Alzheimer não é específico, mas é caracterizado por elevação de mioinositol com redução significativa do pico de NAA, que marca redução ou despopulação neuronal.

Monitorização de neoplasias. Os astrocitomas apresentam um perfil espectroscópico facilmente distinguível do tecido cerebral normal: o nível de colina está elevado, inferindo aumento de turn over celular e de metabolismo de membranas celulares, embora não haja uma relação direta entre o nível de colina e o grau de atividade celular. O nível elevado de colina também não é específico de tumores, podendo ser observado em desmielinização aguda e/ou remielinização ativa.

O nível do N-acetil-aspartato (NAA) está reduzido nos tumores, refletindo um decréscimo na população neuronal e/ou no seu metabolismo, que ocorre à medida que as células neoplásicas vão substituindo as células normais, de forma que os níveis de NAA tendem a ser menores em astrocitomas de mais alto grau de malignidade (Figura 4). Os níveis de creatina nos astrocitomas de baixo grau são normais ou discretamente reduzidos em contraposição aos de alto grau, nos quais está evidentemente reduzido. A presença de lactato pode ser demonstrada em gliomas, sugerindo disfunção do ciclo respiratório oxidativo normal por glicolise anaeróbica e áreas de necrose, mesmo que miscroscópicas.

  

  

Figura 4: Espectroscopia por RM GBM. O GBM apresenta um padrão espectral característico, porém não específico. Além das características das imagens convencionais de RM o padrão espectral auxilia no diagnóstico diferencial e é caracterizado por marcada elevação de colina e lactato e significativa redução do NAA.

Hipóxia neonatal. A ERM apresenta grande sensibilidade e valor preditivo no contexto da encefalopatia hipóxico-isquêmica por asfixia perinatal ou de outra natureza, como por exemplo, afogamentos e paradas cardíacas. Embora a avaliação por TC e principalmente por RM seja útil para a avaliação da lesão isquêmica, as principais alterações morfológicas não ocorrem de imediato e, portanto, a severidade dos danos não pode ser estabelecida nas fases precoces. Caracteristicamente, observa-se elevação dos picos de lactato e lípides, discreta elevação de glutamato/glutamina e redução de NAA e creatina. Diversos estudos têm demonstrado excelente correlação entre o grau de alterações observadas na curva espectral e a severidade das seqüelas. É recomendável a aquisição de gráficos espectrais no dia do insulto isquêmico e no terceiro dia subseqüente, com volume de interesse no córtex cerebral, onde as alterações são mais pronunciadas. Fatores de bom prognóstico ou recuperação com mínimas seqüelas incluem redução de NAA não superior a 9% e a ausência de lactato. A avaliação evolutiva permite, sem dúvida, uma definição prognóstica mais segura.

Erros inatos do metabolismo. ERM de próton permite monitorar a maturação normal do cérebro humano, determinada pela proliferação da neuroglia e pela mielinização das diversas estruturas e vias neurais. As alterações do perfil espectroscópico podem ser detectadas antes mesmo que qualquer alteração de mielinização possa ser identificada às imagens convencionais da RM. Portanto, ERM pode ser utilizada como ferramenta diagnóstica sensível para monitorizar maturação cerebral normal e patológica.

• Diagnóstico diferencial de doenças da substância branca, especialmente esclerose múltipla, adrenoleucodistrofia, canavan e encefalopatias relacionadas ao HIV.

• Avaliação de acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (Figura 5)
• Avaliação prognóstica de traumatismos graves.
• Planejamento cirúrgico de epilepsia do lobo temporal.
• Doenças musculares.

  

  

Figura 5: AVC isquêmico agudo. Observe a restrição à livre difusão das moléculas de água caracterizada pelo hipersinal na seqüência DWI-EPI, caracterizando a isquemia parenquimatosa. A espectro mostra apenas elevação do lactato (seta) que denota a alteração da respiração celular (anaerobiose). Ainda não há redução do NAA.

Encefalite por HIV. ERM do encéfalo revela redução de NAA em todos os pacientes com SIDA, mesmo naqueles sem sintomatologia neurológica e com exames de neuroimagem convencionais (TC e RM) normais. A intensidade das anormalidades metabólicas aumenta proporcionalmente com a gravidade da doença, sendo parcialmente reversível com o tratamento. Isto é particularmente útil para monitorizar novas terapêuticas.

Quando respeitadas as contra-indicações absolutas descritas para a realização de um exame de RM não há complicações decorrentes da realização do exame de ERM.