Tumores do sistema nervoso central

O sistema nervoso central é sede freqüente de lesões de natureza neoplásica primária, sendo acometido em proporção igual ou ligeiramente maior por lesões secundárias.

Antigamente a avaliação dessas lesões só era possível através de técnicas invasivas como a angiografia e a pneumoencefalografia. O avanço tecnológico na área de diagnóstico por imagem caminhou a passos largos e hoje dispomos de vários métodos como a tomografia computadorizada, ressonância magnética, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e SPECT, proporcionando um diagnóstico cada vez mais preciso e menos invasivo dos tumores e de sua agressividade.

A tomografia computadorizada representou um grande avanço na época em que foi desenvolvida e, ainda hoje, tem o seu papel na neuroimagem, apesar da significante contribuição dos outros métodos atualmente disponíveis. Determinou uma redução no uso da angiografia invasiva limitando-a a situações específicas e aboliu o uso da pneumoencefalografia.

Trata-se de um método bastante acessível atualmente, de custos relativamente baixos, de rápida execução, baixo risco para o paciente e com sensibilidade e especificidade satisfatórias dependendo da patologia pesquisada. Essas características tornaram-na o método inicial na avaliação por imagem de muitos processos patológicos.

Em relação aos tumores do SNC, a tomografia permite uma adequada avaliação topográfica dessas lesões, possibilitando a distinção entre processos intra e extra-axiais, supra e infra-tentoriais, informações importantes na elaboração de diagnósticos diferenciais. Apresenta algumas vantagens em relação à RM que são a sua maior sensibilidade na detecção de calcificações, observada em alguns tumores, e uma maior precisão na avaliação de lesões acometendo a calota craniana (Figura 1). Hemorragia aguda intra-tumoral também é facilmente detectada pela tomografia.

  

  

Figura 1: Tumor calcificação: observe a presença de calcificações girais na superfície frontal deste oligodendroglioma. O estudo por RM não demonstra as calcificações vistas na TC.

A tomografia apresenta limitação na avaliação do compartimento infratentorial fossa posterior e, em menor grau, dos lobos temporais, devido a presença de artefatos nessas regiões provenientes das estruturas ósseas adjacentes.

As avaliações tomográficas dos tumores encefálicos requerem a utilização de contraste iodado endovenoso para aumentar a sensibilidade do método na detecção de lesões pequenas e para proporcionar uma melhor delimitação da lesão. As áreas de realce pelo meio de contraste indicam quebra da barreira hemato-encefálica e, em alguns tumores, o padrão de realce observado ajuda na elaboração dos diagnósticos diferenciais.

A ressonância magnética é um método com grande resolução anatômica que trouxe enorme contribuição na avaliação de processos tumorais do SNC. Apresenta como grande vantagem a sua capacidade multiplanar favorecendo uma melhor delimitação das lesões e permitindo certo grau de separação entre o tumor e o edema circunjacente.

O uso do meio de contraste paramagnético permite uma adequada avaliação da quebra da barreira hemato-encefálica, achado que freqüentemente correlaciona-se com o grau histológico do tumor e, conseqüentemente, com o prognóstico.

A RM com contraste também exerce papel fundamental na avaliação de lesões do eixo hipotálamo-hipofisário e apresenta sensibilidade superior à tomografia na detecção de praticamente todas as lesões desta região, incluindo os microadenomas (Figura 2). A exceção é feita para a detecção de calcificações tumorais, por exemplo, nos craniofaringeomas.

  

  

Figura 2: Microadenoma: a RM demonstra pequena lesão nodular no parênquima hipofisário à esquerda, compatível com microadenoma.

Os neurinomas ou schwanomas intra-canaliculares são lesões de pequenas dimensões que também podem ser facilmente detectados através da RM, possibilitando diagnóstico e tratamento precoces (Figura 3).

  

  

  

Figura 3: Schwannoma do acústico. O schwannoma é o tumor mais freqüente na cisterna do ângulo ponto-cerebelar e habitualmente apresenta componentes intra e extra-canalicular. A lesão é sólida e apresenta intensa impregnação pelo gadolínio com nítida extensão no CAI.

As imagens por TC e/ou RM são atualmente indispensáveis para o diagnóstico e acompanhamento dos tumores do SNC. Estas técnicas permitem o diagnóstico correto dos tumores gliais e auxiliam muito na caracterização de alguns aspectos típicos que influenciam até mesmo na escolha da melhor área para biopsia tecidual. Os tumores gliais com comportamento semelhante ao do parênquima normal, ou seja, com expansão tecidual focal, porém, sem necrose, hemorragia ou realce, habitualmente são lesões de baixo grau (Figura 4). Entretanto, os tumores com áreas de realce, hemorragia e/ou necrose, em geral, são de mais alto grau e apresentam infiltração dos tecidos adjacentes, como classicamente ocorre no glioblastoma multiforme (Figura 5). Nestes casos, devem ser evitadas as áreas de necrose para a biopsia e devemos ter sempre em mente que a imagem subestima o tamanho do tumor, pois demonstra habitualmente sua extensão sólida e não permite a caracterização da infiltração microscópica.

  

  

Figura 4: Glioma de baixo grau: Lesão expansiva na ínsula direita com características de tumor glial. Há expansão focal, porém não se observa necrose ou realce pelo gadolínio.

  

  

Figura 5: RM do encéfalo GBM. O glioblastoma é verdadeiramente um tumor multiforme, pois tem uma apresentação muito variável. Neste caso observamos realce anelar que delimita área de necrose tecidual central com edema vasogênico/infiltração na periferia. Um aspecto típico do tumor é o comprometimento do corpo caloso com o padrão de "asa de borboleta".

Algumas técnicas mais recentes de ressonância magnética como a difusão, perfusão e espectroscopia são disponíveis em equipamentos de alto campo magnético e vêm ocupando lugar de destaque na neurorradiologia diagnóstica.

A difusão é uma técnica que fornece um contraste de imagem que depende da movimentação das moléculas de água, que pode estar alterada em diversos processos patológicos. Inicialmente teve o seu uso direcionado à avaliação de lesões isquêmicas, porém já mostrou ter papel importante na avaliação de outras condições clínicas.

No caso dos tumores, uma grande aplicação desta técnica consiste na diferenciação entre tumor epidermóide e cisto de aracnóide. Essas lesões apresentam características de imagem muitas vezes semelhantes, impossibilitando o diagnóstico diferencial através da ressonância magnética convencional. Os tumores epidermóides são sólidos demonstrando um coeficiente de difusão aparente menor que o do líquor e aparecendo hiperintensos nas seqüências ponderadas em difusão (Figura 6). No caso dos tumores epidermóides operados trata-se de uma técnica importante e algumas vezes fundamental para a avaliação de lesão residual.

  

  

Figura 6: Tumor epidermóide: observe o alargamento da cisterna interpeduncular, que no entanto, não pode ser adequadamente caracterizado em uma seqüência T2, pois tem sinal semelhante ao do líquor. A seqüência de difusão mostra com precisão tratar-se de um epidermóide, pois caracteriza o hipersinal focal típico desta lesão.

Uma outra grande utilidade da difusão consiste na diferenciação entre abscesso e tumor com liquefação central, que muitas vezes não é possível nas imagens convencionais. Os abscessos, por apresentarem material hiperviscoso e hipercelular com alta celularidade, determinam restrição da livre difusão das moléculas de água com conseqüente hipersinal nessa seqüência. Os tumores cerebrais, via de regra, têm conteúdo necrótico com restos celulares que não restringem a livre difusão das moléculas de água, por isso apresentam hipossinal nessa seqüência. Entretanto, a presença de hemorragia intra-tumoral pode restringir a difusão e representa a excessão a esta regra.

Pacientes submetidos a ressecções tumorais complicadas com déficits neurológicos imediatos podem ser beneficiados com a difusão já que é possível distinguir se as manifestações são secundárias a edema vasogênico (manipulação) ou citotóxico (infarto). Ambos aparecem com sinal semelhante nas seqüências convencionais de RM e podem ser diferenciados com segurança apenas nas seqüências de difusão.

A perfusão é uma técnica que avalia a primeira passagem do meio de contraste através do tecido cerebral sendo realizada aquisição dinâmica de imagens enquanto o bolo de gadolínio (agente paramagnético) é infundido por via endovenosa rápida.

Sabe-se que embora a quebra da barreira hemato-encefálica manifestada nas imagens de tomografia e ressonância magnética através do realce pelo meio de contraste correlaciona-se em boa parte dos casos com o grau histológico dos tumores cerebrais, existem tumores de baixo grau com intenso realce e tumores de alto grau sem realce significativo. Além disso, dentro de um mesmo tumor comumente encontram-se áreas com maior ou menor grau histológico.

A perfusão é uma técnica que permite a avaliação de neoangiogênese tumoral, que é um critério histológico na graduação dos tumores. Desta forma, áreas com neoangiogênese apresentam maior perfusão e representam focos com maior grau histológico. Isso auxilia no direcionamento das biópsias que podem ser orientadas às regiões de maior angiogênese que conseqüentemente teriam maior grau histológico e maior malignidade, evitando que pacientes sejam sub-diagnosticados e tratados de forma inadequada (Figura 7).

  

  

Figura 7: Tumor perfusão: Astrocitoma anaplásico periventricular à direita que não demonstra realce pelo gadolínio em uma seqüência T1, entretanto, apresenta hiperperfusão tecidual no estudo dinâmico com contraste, traduzindo a neo-angiogênese tumoral, confirmada na biópsia.

As lesões tumorais freqüentemente são circundadas por halo de edema e, muitas vezes, apresentam componente infiltrativo que se estendem além das margens delimitadas pela impregnação ao meio de contraste. Através das seqüências de perfusão por RM é possível delimitar melhor as margens da lesão, o que auxilia na distinção entre tumor e edema perilesional, diagnosticando componentes infiltrativos tumorais além da borda de realce/impregnação.

A espectroscopia de prótons de hidrogênio utiliza os mesmos princípios físicos da ressonância magnética. Entretanto, ao invés de imagens anatômicas obtemos um gráfico mostrando picos de diversas substâncias dispostos em um eixo de freqüências. As principais substâncias detectáveis incluem o N-acetil aspartato, Creatina-fosfocreatina, Colina, Mio-inositol, Glutamina e Glutamato, Lactato e Lipídeos.

Os tumores do sistema nervoso central em geral exibem uma redução do pico de N- acetil aspartato, por redução da população neuronal e um aumento do pico de colina, que é um marcador de atividade de membrana celular (turn-over celular). Picos de lactato e lipídeos elevados traduzem na maioria das vezes tumores de alto grau, sendo mais acentuados nas regiões de necrose tumoral (Figura 8).

  

  

Figura 8: Tumor espectro alto grau: lesão expansiva frontal com acentuado realce e infiltração do corpo caloso. A espectroscopia mostra elevação de colina ("turn over" celular), redução do NAA (redução da população neuronal) e elevação de lactato (metabolismo celular com anaerobiose/necrose).

Essa técnica é abordada com maiores detalhes em outra seção, entretanto na avaliação tumoral seu uso está bem indicado para o acompanhamento dos tumores tratados cirurgicamente ou através de radioterapia, para a diferenciação entre radionecrose e tumor recidivado e, nas lesões focais, para a distinção diagnóstica entre processo neoplásico e não-neoplásico.

Nos dias atuais, a avaliação das patologias tumorais do SNC dispõe de várias técnicas que indiscutivelmente implementaram de forma marcante o diagnóstico não invasivo e o seguimento pós-tratamento desses processos. A RM e a tomografia computadorizada representam ferramentas eficientes nesse contexto e o conhecimento de seus princípios e indicações são indispensáveis para a prática eficaz da medicina moderna.