Doenças desmielinizantes

Doenças desmielinizantes

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Os métodos complementares de imagens ofereceram a melhor oportunidade de avaliação não-invasiva do encéfalo e sem dúvidas a sua aplicação em grande escala mudou as perspectivas do diagnóstico neurológico e também do acompanhamento das diversas afecções do encéfalo. Isto também é verdadeiro para as doenças da substância branca e principalmente para o acompanhamento evolutivo e do tratamento.

As afecções desmielinizantes caracterizam-se pela destruição da mielina que foi normalmente produzida. As doenças que resultam de distúrbios metabólicos da produção da mielina são mais infrequentes e estão além dos objetivos deste manual.

A TC apesar de ser o método mais disponível e menos caro de demonstração não-invasiva do tecido encefálico, não tem aplicação prática no contexto das desmielinizações.

A RM é o método de maior conspicuidade e que permite a melhor caracterização dos danos secundários na substância branca. Através deste método podemos caracterizar o número e a distribuição das lesões desmielinizantes, esta avaliação oferece dados que subsidiam o diagnóstico e principalmente permitem o acompanhamento da doença e dos eventuais resultados dos tratamentos disponíveis.

É possível o diagnóstico diferencial pela imagem entre as principais causas das doenças desmielinizantes.

As alterações adquiridas mais freqüentes da substância branca são a esclerose múltipla (EM) e a desmielinização por doença vascular. Nos casos iniciais de EM, o diagnóstico pode ser presumido por critérios quantitativos e do sinal das lesões nos estudos de RM. Apesar das alterações demonstradas nos estudos de RM os principais critérios para o diagnóstico definitivo desta doença são baseados na análise do líquido cerebrospinal e na caracterização de progressão no tempo e no espaço, clínica e por RM.

A correlação clínico-radiológica é ineficiente, pois a maioria das lesões demonstradas nos estudos de RM não tem repercussão clínica. Apesar disto, a demonstração de focos de alteração do sinal de RM permite a caracterização de dano estrutural da mielina, nesse contexto clínico, de forma confiável (Figura 01). A presença de focos de impregnação pelo agente de contraste paramagnético (gadolínio) sugere atividade desmielinizante aguda (Figura 02).

  

  

  

Figura 1: RM encéfalo esclerose múltipla. A seqüência FLAIR demonstra o padrão habitual de lesões desmielinizantes do encéfalo com predomínio periventricular e distribuição perpendicular em relação ao tronco do corpo caloso. Observe a concomitância de lesões nos lobos temporais, importantes para o diagnóstico desta doença.

  

  

Figura 2: EM impregnação: A sequência FLAIR demonstra múltiplos focos de hipersinal na substância branca periventricular e subcortical, alguns deles têm impregnação pelo gadolínio, denotando atividade inflamatória multifocal, vistos na seqüência T1 axial.

Os principais achados de RM que suportam o diagnóstico por imagens de EM são baseados na distribuição e na característica de sinal das lesões parenquimatosas. O comprometimento multifocal e principalmente a caracterização de lesões na interface caloso-septal com extensão periventricular, perpendicular à superfície do corpo caloso, atingindo sua superfície inferior é a maior evidência de dano inflamatório no compartimento peri-venular, típico da EM (Figura 03).

  

Figura 3: Legenda EM sagital FLAIR: sequência FLAIR no plano sagital demonstrando lesões perpendiculares ao corpo caloso, denotando comprometimento da interface caloso-septal e inflamação peri-venular.

Diversas seqüências de RM permitem a demonstração das lesões típicas de EM, entretanto em todas elas a interpretação deve ser cuidadosa pois falta especificidade para os achados. As ponderações T2 e FLAIR permitem a demonstração mais conspícua de lesões na interface caloso-septal e na substância branca periventricular e subcortical.

A seqüência com transferência de magnetização, assim como a comparação pré e pós gadolínio oferecem maior sensibilidade e especificidade para a detecção das lesões sujo substrato é desmielinizante mesmo em áreas onde a substância branca têm aparência normal nas seqüências convencionais de RM (Figura 04).

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Figura 4: RM do encéfalo de indivíduo com EM. Utilizando seqüências DP com pulso adicional de transferência de magnetização podemos observar áreas alteradas que apresentam aspecto normal do sinal nos estudos convencionais (substância branca de aparência normal). Observe as áreas peritrigonais à direita com sinal alterado apenas na seqüência DP/MTC.

Outras seqüências baseiam-se em progressos científicos que caminham para a caracterização de surtos desmielinizantes agudos através de RM, com a contribuição da difusão e da espectroscopia de prótons. Estas técnicas têm acrescido à RM algumas informações que poderão ser de grande importância inclusive para o entendimento da patogênese da doença, permitindo com isso, o estudo in vivo dos eventos que caracterizam o processo.

Os estudos de RM de pacientes com suspeita ou com o diagnóstico de EM em acompanhamento devem obedecer protocolos específicos que permitam a avaliação de todos os compartimento do encéfalo e principalmente a análise detalhada das áreas que são acometidas. Dessa forma, poderemos extrair do método o máximo de informações que possam suportar o diagnóstico correto ou orientar o acompanhamento das novas opções terapêuticas.

A EM apresenta grande variabilidade de apresentação e evolução e pode oferecer dúvidas em diversos aspectos da prática neurológica. Como se trata de uma doença com evolução arrastada é muito importante um acompanhamento adequado por imagens que poderá auxiliar em eventuais mudanças de conduta ou subsidiar alguns aspectos da avaliação clínica nas fases mais tardias da doença.

Discute-se atualmente o papel dos exames de imagem no controle da resposta terapêutica aos reparadores da mielina e a correlação dos métodos de imagem com as fases mais tardias e principalmente com a deterioração cognitiva deste período.

A RM é sem dúvida o mais útil para o acompanhamento destes pacientes em todos os períodos de evolução da doença e muitos estudos clínicos abrangentes têm ressaltado esta ampla aplicabilidade.

A encefalomielite aguda disseminada (ADEM), é uma resposta auto-imune a uma infecção sistêmica, geralmente viral com dano tecidual potencialmente reversível da substância branca encefálica e medular. A TC pode ser normal ou demonstrar as lesões parenquimatosas típicas, apesar disso a RM também é o melhor método para a demonstração das alterações típicas.

O comprometimento da substância branca encefálica e/ou medular tem padrão geralmente típico e que permite o diagnóstico correto na maioria dos casos. A impregnação pelo contraste iodado ou pelo agente paramagnético dos estudos de RM pode relacionar-se a lesões desmielinizantes agudas.

As demais doenças desmielinizantes adquiridas, como alcoolismo crônico, encefalite relacionada ao HIV, leucoencefalopatia multifocal progressiva, têm alteração de sinal inespecífica da substância branca, que podem ser bem caracterizadas e controladas na RM, mas a correlação clínica é fundamental para o diagnóstico específico.

Na encefalopatia tóxica mais comum, a mielinólise osmótica, a especificidade do diagnóstico aumenta na concomitância de lesões pontinas e nos núcleos da base, de pacientes com história clínica sugestiva. Os padrões de imagens são bastante típicos e habitualmente não há dificuldades para o diagnóstico correto.

A desmielinização pós quimio e/ou radioterapia são caracterizadas tardiamente na evolução de pacientes submetidos a estas modalidades terapêuticas, porém a história clínica e os padrões de imagens de RM são os fatores mais primordiais para o diagnóstico.

As síndromes desmielinizantes clinicamente isoladas, porém com potencial evolutivo para EM, como as neurites ópticas e a mielite transversa não mostram alterações na TC, e a RM está indicada quando existe esta suspeita diagnóstica. A RM mostra alterações no nervo óptico ou da medula e também oferece a oportunidade de estudo da substância branca do encéfalo, com padrões mais confiáveis para o diagnóstico de desmielinização (Figura 05).

  

  

Figura 5: RM de neurite óptica aguda. A neurite óptica aguda pode ser caracterizada nos estudos de RM quando estes utilizam protocolos específicos para o estudo dos nervos ópticos. Observe o alto sinal em T2 sugerindo o alto conteúdo de água. A seqüência T1 demonstra a impregnação do nervo e confirma o componente inflamatório recente.

O diagnóstico diferencial entre as doenças dismielinizantes, as alterações hereditárias do metabolismo, é muitas vezes feito pelas características da RM. São definidas de acordo com as variáveis: distribuição na substância branca e padrão de dispersão, acometimento regional ou difuso/confluência, simetria, conformação morfológica, envolvimento ou preservação de algumas estruturas, como as fibras em "U", grau de comprometimento e impregnação pelo contraste. Outros comemorativos são mais específicos, como a concomitância de acometimento da substância cinzenta, defeitos de migração, anomalia crânio-vertebrais, associação com eventos isquêmicos e principalmente os estudos laboratoriais do metabolismo de diversas substâncias.

Os achados de RM, se presentes, têm grande especificidade para as doenças de Alexander, Canavan, Xantomatose cerebrotendínea, adrenoleucodistrofia, mitocondriopatias, leucomalácia periventricular, encefalopatias tóxicas (monóxido de carbono, Marchiafava-Bignami), doença de Zellweger, Fabry.

A RM é também relativamente específica para mielinólise pontina, doença de Cockayne, leucodistrofia de células globóides (Krabbe), acidúria glutárica I, leucodistrofia metacromática, mucopolissacaridoses, doença de Pelizaeus Merzbacher, fenilcetonúria e doença de Wilson.

Com as novas técnicas, é possível melhorar a capacidade diagnóstica, como por exemplo, a aplicação da espectroscopia para doença de Canavan e mitocondriopatias. Na doença de Canavan como o defeito enzimático resulta no acúmulo de N-acetil-aspartato a espectroscopia permite a demonstração inequívoca do diagnóstico, visto que este método oferece uma avaliação não-invasiva confiável desse metabólito. Nas mitocondriopatias a aplicação da espectroscopia baseia-se na demonstração não-invasiva de lactato no parênquima encefálico (Figura 06).

  

  

Figura 6: RM do encéfalo de criança com doença de Leigh. Observe a coexistência de lesões no putamen e caudado bilaterais, além do aumento de lactato demonstrado no estudo de espectroscopia por RM (seta).

Referências

1. JinkinsJR, Leite CC Neurodiagnostic Imaging; Pattern Analysis and Differencial Diagnosis Appendix2 White Matter Disease, 1ª ed, San Antonio, 1997.
2. Osborn A Diagnositic Neuroradiology , 2a ed, Salt Lake City, 1995.
3. Atlas S Magnetic Resonance Imaging of the Brain and Spine.