A avaliação conjunta da broncoscopia e de imagens obtidas por diferentes métodos permite confirmar o diagnóstico, fazer o estadiamento e definir a conduta terapêutica.
O CASO
Paciente do sexo masculino, 56 anos, tabagista de cerca de 40 anos/maço, foi encaminhado ao pneumologista para investigação de hemoptiserecidivante. Recentemente, havia feito radiografia de tórax, que identificara diminuta imagem nodular na incidência em PA, medindo cerca de 0,5cm de diâmetro, entre a quinta e sexta costelas esquerdas, a qual podiacorresponder à sobreposição de estruturas ou a um pequeno nódulo. Os exames laboratoriais apontaram CA-125 de 1.088 U/mL,CA-19.9 de 9,1 U/mL e CEA de 5,8 U/mL. Diante dos resultados e da queixa inicial, o especialista solicitouinicialmente uma broncoscopia.
Arquivo Fleury.
A DISCUSSÃO
Considerada, em alguns casos, um evento benigno e autolimitado, a hemoptise é um sintoma causado por diferentes condições que afetam o parênquima pulmonar, a árvore traqueobrônquica e o sistema vascular, podendo aindaser de origem do trato gastrointestinal.
Na investigação de suspeita de doença originada no trato respiratório, a realização da radiografia de tórax consiste na primeira etapa diagnóstica. Tanto na presença de nódulo, caso dopaciente em questão, quanto na impossibilidade de diagnóstico somente com o exame de raios X, deve-se continuar a pesquisa com a broncoscopia e a tomografia computadorizada.
A broncoscopia comvideobroncoscópio flexível permite a visualização direta do local de sangramento e consegue diagnosticar doença endobrônquica central, configurandoo método preferencial em casos suspeitos de neoplasia, até porqueoferece informações para determinar se o paciente pode ou não ser operado. Ademais, possibilita a coleta de material por biópsia ou lavado brônquicopara posterior estudo cito e/ou histopatológico, assim comointervenção terapêutica direta em casos de sangramento contínuo. Já o broncoscópio rígido é o mais indicado para pacientes comsangramento maciço, dada a sua capacidade de maior sucção e manutenção das vias aéreas.
De acordo com a literatura, mais de 70% dos cânceres de pulmão são visíveis pela broncoscopia, cujaacurácia superaos90% nas lesões endobrônquicas centrais.Apenas os tumores periféricos em brônquios subsegmentares geralmente não podem ser visualizados pelo método.
No paciente em avaliação, a broncoscopia identificou alargamento de carina primária e lesão infiltrativa de brônquios-fonte direito e esquerdo, com redução importante do calibre do brônquio intermédio, impedindo a progressão distal do aparelho para visualização dos brônquios lobares médio e inferior, bem como deseus segmentos.
Na mesma oportunidade da avaliação, procedeu-se à realização de lavado e escovado brônquico à direita, que mostrou resultado suspeito para células neoplásicas malignas, e de biópsia de mucosa do brônquio intermédio, que confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma pouco diferenciado, infiltrando mucosa respiratória.
Arquivo Fleury.
Critérios de inoperabilidade em casos de câncer de pulmão |
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Sobre o adenocarcinoma de pulmão |
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Principal subtipo do câncer de pulmão nãopequenas células, que corresponde a 85% de todos os casos de neoplasia pulmonar, o adenocarcinoma apresenta incidência global crescente nos dois gêneros, tanto em fumantes quanto em não fumantes.Esse câncer é comum em pessoas com menos de 45 anos de idade e responde por cerca de 30% dos tumores primários de pulmão em homens fumantes e por cerca de 40% nas mulheres fumantes, assim como por quase 50% dos óbitos por neoplasia pulmonar. Entre não fumantes, a prevalência chega aaproximadamente 60% no sexo masculino e 80% no feminino.O elevado índice de mortalidade decorre do diagnóstico tardio, após a disseminação regional ou distante, quando apenas o tratamento paliativo é possível. O tumorpulmonar surge das células epiteliais dos alvéolos, bronquíolos ou brônquios pequenos e localiza-se tipicamente na periferia. Entre os fatores de risco estãoidade, história familiar, exposição a pó metálico, amianto ou radônio e, claro, tabagismo, inclusive o passivo. Por outro lado, o adenocarcinoma de pulmão é o subtipo histológico mais comum em pacientes que nunca fumaram, especialmente mulheres, e em pessoas de etnia asiática.Os sintomas desenvolvem-se lentamente e incluem tosse, dispneia, chiado, dor torácica e escarro com sangue. Acredita-se que dois principais mecanismos levam ao desenvolvimento desse câncer: a via dependente do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) na população que nunca fumou e a modulação do sinal dependente do oncogene Kirsten de sarcoma de rato (KRAS) em fumantes. A determinação de mutações em EGFR ou KRAS ajuda a identificar pacientes com maior probabilidade de se beneficiar de tratamento molecular específico e direcionado. |
Depois da radiografia
Imagem torácica por TC
A tomografia computadorizada (TC) de tórax é um exame útil não apenas para o diagnóstico, já que, com aquisições volumétricas e cortes finos, detecta nódulos pulmonares de menores dimensões, mas também para o estadiamento do câncer de pulmão.
Arquivo Fleury.
No caso relatado, a TC de tórax evidenciou volumosa massa com densidade de partes moles, discretamente heterogênea, hilar direita e subcarinal, medindo 8 x 5 x 7 cm (LL x AP x CC). A lesão abaulava a parede posteromedial do brônquio principal esquerdo, além de envolver, deformar e afilaro brônquio principal direito e, notadamente, o intermédio, sem plano de clivagem com o esôfago, com o saco pericárdico e com a parede anterior da aorta descendente.
O exame também apontou numerosos pequenos linfonodos e algumas linfonodomegalias paratraqueais superiores e inferiores bilaterais, possivelmente no hilo, com contornos lobulados, e um linfonodo paraesofágico direito.As imagens ainda demonstraram espessamento parietal brônquico difuso, mais acentuado à direita, assim como múltiplos espaços aéreos enfisematosos.
Imagem de corpo inteiro com PET/CT
A tomografia por emissão de pósitrons acoplada à tomografia computadorizada (PET/CT)é um procedimento de imagem não invasivo de corpo inteiro que tem sidocada vez mais utilizado para caracterizar nódulos pulmonares indeterminados e realizar estadiamento, estratificação prognóstica e controle de tratamento em pacientes com neoplasias de pulmão. O método associa os benefícios da resolução de imagem anatômica obtida por TC com a imagem funcional adquirida por PET.
O exame usa um marcador, mais comumente a fluorodesoxiglicose (FDG), já que os tecidos neoplásicos apresentam elevada taxa de utilização da glicose em comparação aos tecidos sadios, permitindo até a quantificação da captação da glicose marcada nas lesões por meio do valor padronizado de captação (SUV, na sigla em inglês, de standardizeduptakevalue).Convém ponderar que podem ser observados achados falso-positivos, em casos de inflamação, e falso-negativos, sobretudo em lesões pequenas (<5 mm), mas a análise conjunta e detalhada das informações anatômicas e funcionais reduz significativamente tais possibilidades.
O estudo por PET/CT também é útil para identificar massas distantes derivadas do tumor primário, porém tem valor limitado na identificação de metástases cerebrais, visto que essa região apresenta elevada captação fisiológica de glicose. Para completar, ajuda a planejara radioterapia, delineando com precisão o volume do alvo a ser irradiado.
No paciente do caso relatado, o exame identificou massa hilar e subcarinal com captação de FDG e SUV=41,8, além de múltiplos linfonodos hilares bilaterais, paratraqueais inferiores, subcarinais e paraesofágicos captando FDG, muito deles englobados pela lesão.Tais alterações são compatíveis com processo neoplásico.
Arquivo Fleury.
Pesquisa de mutações no EGFR: uma aliada na escolha terapêutica |
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A ativação do EGFR pode ocorrer devido à suasuperexpressão ou a mutações que estimulamtirosinoquinases e, assim, ativam as vias desinalização envolvidas no favorecimento aociclo celular e na consequente progressão dotumor. Dessa forma, o EGFR tornou-se umalvo muitoimportante para quimioterapia,com o uso de fármacos capazes de inibi-lo e,consequentemente, de combater o câncer – emespecial o carcinoma de pulmão do tipo nãopequenas células –, como é o caso do erlotinibee do gefitinibe, conhecidos pela sigla TKI (doinglês, tyrosinekinaseinhibitor). A presença demutações no EGFR, as quais conferem maiorsensibilidade a esses medicamentos, predomina em pacientesdo sexo feminino que nunca fumaram e quepossuem tumores com histologia compatívelcom adenocarcinoma. Muito embora ajudemaidentificar pessoas com maior ou menorpossibilidade de ter tal alteração genética,essascaracterísticas não se mostram tãoefetivas quanto o teste molecular, que predizos pacientes que podem se beneficiar maiscom a introdução de TKI. As mutaçõesmais comuns, associadas com boa respostaa tais fármacos, incluem a L858R, aL861Q e a G719/C/S, além das deleções doéxon 19. Quando presentes, essas alteraçõesestão relacionadas a taxas de resposta deaté 70% aos inibidores da tirosinoquinase.Por outro lado, mutações como a T790Me as inserções no éxon 21 assinalamfortemente a resistência ao tratamento com TKI. |
CONCLUSÃO
A lesão infiltrativa de mucosa brônquica constitui substrato patológico para o quadro de hemoptise. A investigação de sua natureza confirmou tratar-se de neoplasia maligna. O padrão de infiltração da mucosa, a localização mediastinal e a distribuição do envolvimento ganglionar sugeriram origem pulmonar da lesão, ainda que o padrão histológico identificado – de adenocarcinoma pouco diferenciado – não seja específico para definição do sítio primário. O envolvimento bilateral de árvore brônquica e a relação com as estruturas mediastinais classificaram o tumor como T4. Não foram evidenciados sinais de lesões secundárias extratorácicas.Para ajudar o médico no planejamento terapêutico, foi feita a pesquisa de mutação em EGFR, que se mostrou negativa.
Assessoria Médica |
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Pneumologia Dr. Bruno Vaz Bueno [email protected] Dr. João Marcos Salge [email protected] Dr. Rogério de Souza [email protected] Broncoscopia Dra. Márcia Jacomelli [email protected] Anatomia Patológica Dr. Aloísio Souza F. da Silva [email protected] Dra. Monica Stiepcich [email protected] Radiologia Torácica Dr. Gustavo Meirelles [email protected] Biologia Molecular Dr. Ismael D. Cotrim Guerreiro da Silva [email protected] |
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