Arritmias hereditárias

Testes genéticos ganham importância para confirmar o diagnóstico e ajudam prevenir eventos fatais.

As canalopatias cardíacas e as cardiomiopatias, assim como a doença arterial coronariana, representam as principais causas de morte súbita cardíaca, sendo as duas primeiras condições relevantes especialmente nas crianças e nos adultos jovens com menos de 35 anos. Dessa forma, a identificação de indivíduos com risco de apresentar arritmias é importante na prevenção de eventos fatais.

Nos últimos anos, um número crescente de genes associados a arritmias hereditárias tem sido identificado, com impacto não somente na melhor compreensão do mecanismo de tais doenças, como também no manejo clínico dos pacientes e das suas famílias.

Foi nesse contexto que o Fleury Genômica incorporou uma gama extensa de testes genéticos para o diagnóstico dessas condições, o que contempla tanto de forma isolada alguns quadros bem caracterizados, como a síndrome de Brugada e a síndrome do QT longo, quanto um painel mais completo que engloba diferentes entidades em uma única análise.

Indicações para a pesquisa de etiologia genética em arritmias

  • Confirmação da causa em pacientes sintomáticos
  • Identificação do risco em indivíduos assintomáticos com história familiar positiva
  • Auxílio ao diagnóstico diferencial entre arritmia hereditária e outras doenças cardíacas não genéticas
  • Estimativa de risco de recorrência de eventos
  • Aconselhamento genético

Principais síndromes associadas às arritmias hereditárias

Síndrome de Brugada

Arritmia cardíaca rara, que acomete sobretudo homens adultos jovens e sem cardiopatia estrutural, a síndrome de Brugada (SB) apresenta prevalência global de 5-20:10.000 indivíduos, porém adquire relevância por responder por cerca de 12% a 20% dos casos de morte súbita cardíaca na população geral e em pacientes com o coração estruturalmente normal, respectivamente.

Apesar de a maioria dos portadores de SB se manter assintomática, esses indivíduos podem ter episódios de síncope recorrente ou mesmo
crises convulsivas de etiologia inexplicada ou, ainda, morte súbita cardíaca, todos eventos secundários à taquicardia ventricular polimórfica ou à fibrilação ventricular.

Segundo consenso de especialistas publicado em 2012, foram estabelecidos dois padrões de anormalidades eletrocardiográficas para a SB*:

Tipo 1 (padrão côncavo): único padrão diagnóstico de SB, caracteriza-se por elevação do segmento ST ≥ 2 mm em ≥ 1 derivações precordiais direitas (V1 a V3), seguida de uma onda r’ e um segmento ST côncavo ou reto. O segmento ST descendente cruza a linha isoelétrica e é seguido por uma onda T negativa e simétrica.

Tipo 2 (padrão em sela): esse padrão sugestivo de SB,  caracteriza-se por elevação do segmento ST ≥ 0,5 mm (geralmente ≥ 2 mm em V2) em ≥ 1 derivações precordiais
direitas (V1 a V3), seguida por um ST convexo. O segmento ST é seguido por onda T positiva em V2 e morfologia variável em V1.

*Fontes:
- A. Bayes de Luna, et al. J Electrocardiol, 45 (2012), pp. 433-442
- Brugada J, et al. J Am Coll Cardiol 2018; 72: 1046–59

A SB tem herança autossômica dominante, mas com penetrância frequentemente incompleta. Os genes associados ao quadro parecem se relacionar com a codificação de subunidades de canais iônicos cardíacos, sobretudo de sódio, potássio e cálcio. Fatores ambientais e hormonais possivelmente também contribuem com o fenótipo.

Diante da suspeita do quadro, o ECG é fundamental. A confirmação pode ser realizada pelo achado de uma variante patogênica em um dos genes associados por meio do painel genético para SB. Nesse contexto, destaca-se que cerca de 20% a 25% dos pacientes apresentam mutação no SCN5A.

Vale ponderar que, se o encontro de uma mutação auxilia o clínico no diagnóstico, a ausência não exclui a condição, uma vez que, em alguns pacientes, a alteração genética pode estar em genes ainda não identificados.


Imagem 1 - Paciente masculino, 22 anos, com síndrome de Brugada. Observa-se padrão de ECG tipo I. (Arquivo Fleury)

Síndrome do QT longo

Causada por mutações congênitas em genes relacionados à função dos canais iônicos de sódio e potássio das células do coração, a síndrome do QT longo (SQTL) caracteriza-se por um prolongamento no potencial de ação cardíaco, o que aumenta a suscetibilidade do portador do quadro a uma taquicardia ventricular grave.

A SQTL hereditária tem prevalência em torno de 1:5.000 indivíduos, número que, no entanto, pode ser maior, visto que cerca de 15% a 20% dos pacientes com uma alteração genética associada ao quadro apresentam um traçado normal ao ECG de rotina.

O indivíduo acometido geralmente apresenta quadros recorrentes de síncope em idade precoce, que podem evoluir até mesmo para parada cardíaca. Nesse cenário, um antecedente de parentes com morte súbita merece atenção.

O diagnóstico da SQTL, portanto, deve ser suspeitado a partir da história clínica e familiar e das alterações eletrocardiográficas. O ECG de repouso evidencia não somente um aumento do intervalo QT ou QTc (QT corrigido pela frequência cardíaca), mas também alterações morfológicas da onda T, associados com taquiarritmias, tipicamente a taquicardia ventricular tipo torsades de pointes. Contudo, é possível que o exame não mostre tais achados, já que, em alguns casos, as alterações decorrem de exercício, estresse emocional ou algumas medicações.

A pesquisa genética, por sua vez, é recomendada para confirmar o diagnóstico de indivíduos com quadro clínico sugestivo e aconselhada a todos os membros de uma família, após a identificação da mutação no caso índice. O conhecimento do gene afetado ainda pode contribuir na escolha do tratamento e nas orientações ao paciente.

Convém destacar que até 50% dos pacientes podem não manifestar sintomas. Além disso, cerca de 25% daqueles com SQTL confirmada pela identificação de uma variante patogênica em um dos genes relacionados com a doença exibem valores normais do QTc ao ECG.

Imagem 2 - Paciente feminina, 23 anos, com síndrome do QT longo. Observa-se ECG com intervalo QT = 520 ms. (Arquivo Fleury)

A identificação de indivíduos com risco de apresentar arritmias é importante na prevenção de eventos fatais

Síndrome do QT curto

Doença muito rara, a síndrome do QT curto (SQTC) hereditária tem uma prevalência estimada em 0,02% a 0,1%, na população adulta, e em 0,05%, no grupo pediátrico, e é caracterizada por um encurtamento do intervalo QT ao ECG e por um risco elevado de fibrilação atrial, fibrilação ventricular e morte súbita.

É considerada uma doença de etiologia genética, autossômica dominante, e está associada a alterações em genes que codificam proteínas de canais iônicos que participam da regulação da atividade elétrica do coração.

Os sintomas associados à SQTC incluem síncope de origem inexplicada, episódios de fibrilação atrial, especialmente em idade precoce, parada cardíaca e morte súbita, os quais geralmente surgem em adultos jovens. Vale ponderar que, com a maior disponibilidade dos testes genéticos, indivíduos assintomáticos são reportados.

O diagnóstico tem de levar em consideração a história pessoal e familiar, assim como os achados eletrocardiográficos e a presença de alteração em genes associados ao quadro.

Apesar de o ECG ser indispensável para a identificação do encurtamento do intervalo QT, muitas vezes tal achado não basta, já que não há um consenso claro em relação ao valor limite do QT abaixo do qual se considera um sinal patológico. Dessa forma, sugere-se o uso de critérios que auxiliem a definição do quadro. De qualquer modo, o encontro de mutações nos genes associados à síndrome corrobora o diagnóstico.

Imagens 3 e 4 - Paciente masculino, 46 anos. Intervalo QT curto = 240 ms. (Arquivo Fleury)

Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica

Conforme sua nomenclatura, a taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) é marcada por episódios de taquicardia ventricular polimórfica desencadeados por estímulos adrenérgicos, como exercícios e estresse emocional, levando frequentemente os pacientes, em sua maioria crianças e adultos jovens, a episódios de síncope, com risco de evolução para fibrilação ventricular e morte súbita.

A história, tanto pessoal quanto familiar, e o ECG de esforço são os principais recursos diagnósticos, uma vez que, quando feito durante atividade física, o teste pode flagrar batimentos ventriculares prematuros e episódios de taquicardia ventricular não sustentada enquanto, em repouso, costuma ser normal.

De etiologia genética, a doença é transmitida de modo autossômico dominante e associa-se a aumento na liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático nas células cardíacas. Cerca de 60% a 65% dos pacientes apresentam mutação no gene RYR2.

A pesquisa de alterações nos genes relacionados à síndrome não só corrobora o diagnóstico em pacientes sintomáticos, como também permite o aconselhamento genético da família.

Imagem 5 -  Paciente feminina, 23 anos, praticante de natação, com história de palpitações e tonturas e diagnóstico de taquicardia ventricular catecolaminérgica. Registro obtido em teste ergométrico. (Arquivo Fleury)


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Consultoria Médica

Dr. Dalmo Antônio Ribeiro Moreira
Consultor Médico em Cardiologia
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Dra. Paola Emanuela P. Smanio
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Dr. Wagner Antonio da Rosa Baratela
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