Avaliação cardiovascular na mulher

A partir da menopausa, o sexo feminino praticamente se iguala ao masculino em risco cardiovascular.


Video aula - Obesidade e risco cardiovascular, ação em parceria com Novo Nordisk


A doença cardiovascular (DCV), incluindo uma de suas principais formas de apresentação, a doença arterial coronariana (DAC), permanece como uma das principais afecções do século 21, por sua elevada morbidade e mortalidade.

Apesar de ser mais comum entre homens, tem havido uma crescente incidência de aterosclerose em mulheres, decorrente de sua maior exposição aos fatores de risco para DCV, ao envelhecimento populacional e às mudanças de estilo de vida.

Constituem fatores de risco modificáveis para as DCV o tabagismo, o sedentarismo, a obesidade abdominal, a hipertensão arterial sistêmica (HAS), o diabetes mellitus, os níveis elevados de LDL-colesterol e os níveis reduzidos de HDL-colesterol, entre outros. A agregação desses fatores tem um efeito multiplicativo no aumento de risco em ambos os sexos.

Ao ultrapassar mais frequentemente a barreira dos 65 anos, as mulheres vivem mais tempo sem a proteção promovida pelos hormônios presentes durante a fase reprodutiva, o que aumenta o risco de comprometimento ateromatoso nesse gênero. É interessante notar que, no sexo feminino, as manifestações clínicas (angina, infarto do miocárdio) aparecem em geral de 10 a 15 anos mais tarde que no sexo masculino, porém fica mais claro com o passar do tempo que a mulher com acometimento cardiovascular é cada vez mais jovem, ou seja, ainda em idade fértil ou logo no início do climatério.

Nos países ocidentais, incluindo o Brasil, houve declínio das taxas de mortalidade por DCV (cardíaca e cerebrovascular) nas últimas décadas. Contudo, esse declínio foi mais pronunciado na população masculina do que na feminina.

Também já têm sido reconhecidos alguns marcadores de maior risco de doenças cardiovasculares no sexo feminino: o diabetes gestacional e a hipertensão associada à gravidez. Apesar de serem transitórios durante a gestação, ambos estão associados a um risco aumentado de desenvolver doença cardiovascular no seguimento de longo prazo, razão pela qual mulheres que os apresentam devem receber um acompanhamento mais cuidadoso. Da mesma forma, a síndrome dos ovários policísticos é uma afecção endocrinológica de mulheres em idade reprodutiva caracterizada por desequilíbrio hormonal. Hoje se aceita que essa condição também está associada a fatores de risco cardiovascular e acelera o processo aterosclerótico.

Estudos vêm demonstrando que existem diferenças entre homens e mulheres na história natural da DAC e em sua apresentação clínica, diagnóstico e prognóstico após um evento coronariano agudo.

No sexo feminino, a doença isquêmica é, em parte, consequência de placas que obstruem as artérias coronárias, mas também secundária à presença de doença arterial não obstrutiva, como a doença microvascular. Independentemente da causa, no entanto, o risco de eventos é elevado.

As mulheres têm menos DAC com obstrução anatômica e unção ventricular esquerda relativamente mais preservada, apesar de maiores taxas de isquemia miocárdica e de mortalidade em comparação aos homens, mesmo quando a comparação se ajusta pela idade. Dados do estudo Women’s Ischemia Syndrome Evaluation (Wise) sugerem que reatividade coronariana adversa, disfunção endotelial, disfunção microvascular, erosão da placa e microembolização distal contribuem para a fisiopatologia da isquemia no sexo feminino. Por tudo isso, o termo “doença isquêmica do coração” é mais útil quando se discute a doença cardiológica em mulheres.

Tão importante quanto identificar portadoras de obstruções das artérias coronárias que promovam estenoses significativas é avaliar o risco de eventos cardiovasculares, o que, certamente, deve guiar a escolha terapêutica.

A seguir, confira os principais métodos envolvidos na avaliação cardiovascular da mulher.

 

ESCORE DE CÁLCIO DAS ARTÉRIAS CORONÁRIAS

Trata-se de um método que vem apresentando crescimento em seu uso na avaliação de aterosclerose na fase subclínica.

A medida do grau de calcificação arterial coronariana permite a realização de adequada estimativa da carga de aterosclerose que compromete aquele território arterial. Placas de ateroma contêm cálcio em seu interior, o qual pode ser facilmente identificado por técnicas de tomografia, mesmo as que utilizam doses muito reduzidas de radiação.

O exame ganhou rápida e ampla aceitação, com o apoio de estudos com milhares de pacientes que determinaram que o escore de cálcio coronariano configura um importante preditor de eventos adversos. Sua contribuição é mais expressiva em indivíduos com risco estimado como intermediário ou baixo a intermediário pelos critérios determinados pelo escore de Framingham ou de Duke.

Entretanto, para que a contribuição desse método seja válida, a população avaliada deve ser assintomática (fase subclínica), não ter doença arterial coronariana conhecida e não apresentar alterações em outros exames cardiológicos diagnósticos.

Dentro dessas condições ideais, existe relação direta entre o índice de calcificação coronariana e o prognóstico de pacientes seguidos em períodos de cinco a dez anos de evolução. Dados confirmam que, em assintomáticos na faixa de risco intermediária, há até seis vezes mais eventos, na dependência do escore de cálcio encontrado. Por outro lado, quando a calcificação não está presente, o risco de eventos coronarianos adversos é muito baixo.

O impacto da informação advinda do escore de cálcio varia de acordo com a etnia, a idade e o sexo dos indivíduos avaliados. Por exemplo, em mulheres na fase de pré-menopausa, os valores de escore de cálcio devem ser menores quando comparados aos dos homens. Há evidências suficientes de que, diante de escore de cálcio elevado, em especial acima de 100, ou de situações em que o indivíduo fica acima do percentil  75 após ajuste para sexo e idade, o paciente seja considerado de maior risco e que a investigação prossiga com a realização de testes adicionais.

A presença de cálcio coronariano traduz a existência de doença coronariana, que deve ser abordada  de forma mais incisiva com o objetivo de prevenir, impedir ou, ao menos, retardar a progressão da doença – e, dessa forma, tentar alterar seu prognóstico.

 

ECOCARDIOGRAFIA

A ecocardiografia possibilita a avaliação dos segmentos miocárdicos do ventrículo esquerdo, permitindo a detecção de alterações da contração segmentar em tempo real, tanto em repouso como durante o estresse. Essas alterações ocorrem segundos após a oclusão coronariana e persistem durante todo o processo isquêmico do miocárdio, sendo, dessa forma, um marcador específico de coronariopatia.

Assim, a ecocardiografia representa um excelente método de triagem em indivíduos com suspeita de DAC, bem como de estratificação de risco nos pacientes com a doença já diagnosticada, na análise do impacto de terapias de revascularização, na detecção de viabilidade miocárdica e no auxílio às decisões terapêuticas.

Além de afastar outras causas de dor precordial, como dissecção de aorta, pericardite e embolia pulmonar, o método fornece uma série de informações sobre a função ventricular esquerda e a viabilidade miocárdica, com importantes implicações terapêuticas e prognósticas em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM).


ECOCARDIOGRAFIA SOB ESTRESSE

O estresse cardiovascular causa isquemia miocárdica em regiões supridas por uma artéria com grau significativo de estenose e obedece a uma sequência de eventos conhecidos por cascata isquêmica, na qual ocorrem inicialmente fenômenos metabólicos, perfusionais, alterações da contração segmentar e, finalmente, alterações eletrocardiográficas e dor precordial. Os métodos disponíveis para a indução do estresse incluem o esforço físico (esteira ou bicicleta ergométrica), a estimulação atrial transesofágica e o uso de drogas vasodilatadoras (dipiridamol e adenosina) ou de estimulantes adrenérgicos (dobutamina).

Quando comparado ao teste ergométrico, o exame tem maiores sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DAC e apresenta valor clínico adicional na identificação e na localização da isquemia miocárdica, sem emitir radiação ionizante. O teste de esforço isolado, ou associado à cintilografia miocárdica ou à ecocardiografia, permanece como uma ferramenta útil para a avaliação das mulheres que conseguem realizar um bom nível de esforço. Entretanto, idosas são menos capazes de atingir um nível de esforço suficiente para uma adequada avaliação diagnóstica por apresentarem condições que frequentemente acarretam limitação física. Para essas mulheres, o estresse farmacológico com dobutamina e adenosina representa uma boa alternativa ou, ainda, com dipiridamol, ainda que este apresente uma acurácia um pouco menor.

A figura 1 traz o exemplo de uma paciente com lesão grave da artéria descendente anterior e isquemia induzida pelo estresse com dobutamina. Como ocorre com outros métodos não invasivos, a sensibilidade da ecocardiografia sob estresse é maior em pacientes com doença multiarterial do que uniarterial, em indivíduos com infarto miocárdico prévio e naqueles com lesões >70% de obstrução.

Em pessoas com DAC, a função ventricular esquerda determinada pela ecocardiografia em repouso configura um excelente marcador de prognóstico de morte cardíaca, enquanto a isquemia induzida durante o estresse prediz efetivamente a recorrência de angina e de morte, de forma adicional à simples avaliação da função em repouso. Um estudo negativo de ecocardiografia sob estresse em pacientes com função ventricular esquerda normal ou levemente deprimida tem excelente valor preditivo negativo para morte e IAM, porém um teste positivo em indivíduos com disfunção em repouso confere risco de morte em um ano superior a 10%

As variáveis obtidas pela ecocardiografia sob esforço, especialmente a mudança no volume sistólico final e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo, apresentaram valor adicional como preditores de morte e IAM, confirmando o valor do método na avaliação prognóstica. Mulheres com testes positivos apresentaram 16,7 vezes mais chance de ter eventos isquêmicos do que aquelas com testes negativos.


Figura 1. Exemplo de disposição da ecocardiografia em tela quádrupla, comparando as imagens no plano apical de duas câmaras, adquiridas no repouso no quadrante superior esquerdo, com baixa dose de dobutamina no quadrante superior direito, no pico do estresse no quadrante inferior esquerdo e na recuperação no quadrante inferior direito. Neste caso, a paciente apresentava motilidade segmentar normal em repouso, resposta hipercontrátil com baixa dose de dobutamina, presença de acinesia no segmento apical da parede anterior no pico do estresse (setas) e melhora da discinesia na recuperação, exemplificando um teste positivo para isquemia miocárdica.

 

TESTE ERGOMÉTRICO

Como exame inicial na avaliação não invasiva no diagnóstico da doença coronariana, o teste ergométrico apresenta a melhor relação custo-efetividade, tanto para o sexo feminino como para o masculino. Entretanto, o valor preditivo do exame está diretamente relacionado à prevalência da doença na população estudada. O teste tem alta frequência de resultados considerados “falso-positivos” para doença coronária obstrutiva no sexo feminino, variando de 38% a 67%, ante uma faixa de 7% a 44% no sexo masculino. A diferença encontrada no valor preditivo entre os sexos pode ser decorrente da menor prevalência da doença coronariana obstrutiva nas mulheres, na comparação com homens da mesma idade. Some-se a isso a menor capacidade funcional ao exercício, observada na ala feminina, principalmente em idosas, bem como à maior prevalência de doença não obstrutiva e de doenças de microcirculação. Vale salientar que prolapso da valva mitral, hipertrofia ventricular esquerda e variações hormonais são outras causas de testes sugestivos de isquemia na ausência de obstrução significativa nas coronárias. Por outro lado, o teste ergométrico apresenta baixa incidência de exames falso-negativos (de 12% a 22%) nas mulheres, em comparação com os resultados dos homens (de 12% a 40%).

A análise de outros dados obtidos no teste ergométrico, como a capacidade física ao exercício, as manifestações clinicas induzidas pelo esforço e os parâmetros hemodinâmicos, a exemplo de resposta cronotrópica, recuperação de frequência cardíaca na recuperação e resposta pressórica ao esforço, ajuda o clínico na avaliação diagnóstica e prognóstica da doença coronariana e pode ter significado importante na redução de falso-negativos encontrados no sexo feminino.

O escore de Duke incorpora três variáveis do exame para o cálculo do risco (magnitude do desnível do segmento ST, capacidade funcional e angina induzida ao esforço), sendo uma ferramenta importante na avaliação diagnóstica e prognóstica, sobretudo nas mulheres. A capacidade ao exercício durante o teste ergométrico constitui o parâmetro de maior valor prognóstico, tanto no sexo masculino como no feminino. Sabe-se que a tolerância ao exercício é menor nas mulheres do que nos homens, notadamente na menopausa. Na análise de 5.721 pacientes assintomáticas submetidas a testes ergométricos limitados por sintomas, verificou-se que o risco de morte para as que não atingiram 85% da capacidade funcional em METS previstos para a idade dobrou em relação às que atingiram ou ultrapassaram o valor estabelecido.

As diretrizes mais recentes de investigação de doença cardiovascular na mulher recomendam que pacientes com eletrocardiograma basal normal, capazes de realizar exercício adequado, devem iniciar a investigação diagnóstica pelo teste ergométrico ou, na impossibilidade de seguir essa diretriz, por um método de imagem. O estudo Women demonstrou que, em mulheres consideradas de baixo risco, não há benefício em iniciar a investigação por exames de imagem em detrimento do teste ergométrico.

 

MEDICINA NUCLEAR

Para a escolha do método diagnóstico apropriado na investigação de DAC na mulher, o primeiro passo é a estratificação de risco cardiovascular, a chamada avaliação da probabilidade pré-teste, que deve guiar a estratégia diagnóstica. Além da faixa etária e dos fatores de risco, a presença de dor no peito ou de outro equivalente isquêmico, como dispneia, que não tenha origem pulmonar, aumenta a possibilidade de eventos.

Após a estratificação de risco, a escolha da estratégia diagnóstica sugerida por diretrizes sugere que mulheres consideradas de baixo risco não são geralmente candidatas para testes diagnósticos, exceto no início de prática de atividade física regular. Quando o risco se eleva para baixo a intermediário ou intermediário, tornam-se candidatas para a realização de um teste de esforço, desde que tenham boa capacidade funcional e tenham eletrocardiograma (ECG) basal normal e interpretável.

Mulheres consideradas de risco intermediário a alto ou alto e com ECG basal anormal (por alterações da repolarização ventricular) ou não interpretável (bloqueio de ramo esquerdo, ritmo de marca-passo, síndromes de pré-excitação e fibrilação atrial) são candidatas a exames de imagem que avaliem a perfusão miocárdica ao estresse, como a cintilografia de perfusão miocárdica (CM), a ecocardiografia de estresse, a ressonância magnética cardíaca de estresse e a tomografia por emissão de pósitrons (PET), esta última ainda pouco empregada em nosso meio na prática cardiológica.

Dentre as técnicas da Medicina Nuclear que podem ser utilizadas para a avaliação de isquemia miocárdica e da função ventricular esquerda, destaca-se a cintilografia de perfusão miocárdica sob estresse físico ou farmacológico com sestamibi-tecnécio-99m, um radiofármaco que emite radiação gama.

 

Cintilografia de perfusão miocárdica por técnica tomográfica (Spect)

O valor da cintilografia não invasiva na avaliação diagnóstica da mulher já foi muito bem estudado. A sincronização do ECG ao estudo da perfusão (gated-Spect) oferece informações em conjunto sobre a perfusão miocárdica e a função ventricular esquerda, melhorando consideravelmente a acurácia diagnóstica do método. Como é o caso de outras modalidades de imagem associadas ao estresse, a acurácia global da CM com exercício supera a do teste ergométrico na detecção de DAC obstrutiva, notadamente em mulheres.

O uso de programas de correção de atenuação trouxe ainda alguns ganhos na melhor diferenciação entre áreas de menor perfusão e artefatos técnicos causados por atenuação mamária, o que é considerado um dos desafios da técnica em mulheres. Assim, deve-se sempre iniciar a análise das imagens pela raw data antes da avaliação dos cortes tomográficos, pois, dessa forma, é possível verificar a sombra das mamas atenuando a área cardíaca.

A aquisição das imagens em decúbitos dorsal e ventral ou com posicionamentos diferentes das mamas (com e sem mamas “rebatidas”), bem como a análise em conjunto com as informações clínico-epidemiológicas e da prova funcional, pode ser de grande auxílio.

Outro motivo de menor acurácia diagnóstica é a injeção do radiofármaco em frequência cardíaca baixa, bem inferior à predita para a idade ao esforço. Mulheres incapazes de realizar um bom nível de exercício por falta de condicionamento ou por outras limitações do sistema musculoesquelético podem ser submetidas ao método com o uso de substâncias farmacológicas com efeito vasodilatador (dipiridamol, adenosina) e inotrópicas (dobutamina), como agentes indutores de isquemia.

O valor diagnóstico para a cintilografia sob estresse farmacológico mostrou-se elevado na detecção de obstrução significativa das coronárias femininas, com sensibilidade e especificidade iguais a 91% e 86%, respectivamente.

Ademais, pelo fato de os métodos funcionais, como a cintilografia, terem a cinecoronariografia invasiva como técnica padrão-ouro, que traz informações anatômicas, somando-se à menor realização de estudos invasivos em pacientes de baixo risco, observa-se uma maior sensibilidade e uma menor especificidade na maioria dos estudos publicados.

Certamente, os exames de mulheres com sintomas típicos ou com isquemia comprovada por prova funcional não devem ser chamados de falso-positivos, já que há isquemia, apenas não ocasionada por estenoses em artérias coronárias epicárdicas.

Diversos estudos comprovaram o valor prognóstico da CM na estratificação de risco de eventos cardiovasculares, muitas vezes permitindo a reclassificação de risco em até 36% em relação ao escore de Duke, principalmente no risco intermediário, obtido por variáveis provenientes do teste ergométrico. Isso sugere que as informações adicionais da CM podem reorientar o manejo clínico em quase uma em cada três mulheres.

Algumas variáveis da CM auxiliam a estratificação de risco de eventos como a determinação da magnitude das alterações perfusionais – transitórias, para eventos isquêmicos, e persistentes, para morte cardiovascular – nas alterações da contratilidade ventricular esquerda global e regional, quando presentes, nos valores da FEVE em repouso e após o estresse, bem como na presença de queda maior que 5% após o estresse em relação ao basal. Esses achados, porém, devem ser analisados com cautela, pois podem ser influenciados por artefatos técnicos.

Outra variável que acrescenta risco é a presença de dilatação da cavidade do VE após o estresse – Transient Ischemic Dilation (TID) –, podendo sugerir isquemia subendocárdica, sem afastar doença multiarterial.

A magnitude das alterações da perfusão pode ser estimada de forma qualitativa, por atribuições de intensidade e extensão dos defeitos perfusionais, ou de forma quantitativa, por escores nas fases basal, após o estresse e, ainda, do diferencial entre as fases, ou por estimativas sobre a percentagem da área miocárdica acometida , como a determinação da carga isquêmica, em cada fase também vêm sendo muito empregadas para estratificar o risco de eventos.

Sabe-se que uma área acometida após o estresse ≥10% ou o diferencial da área acometida entre a fase de estresse em relação à basal ≥10% refletem defeitos perfusionais importantes e que necessitam de mudanças na estratégia terapêutica ou, ao menos, otimização.

A figura 2 ilustra achados perfusionais após a fase de estresse em mulher diabética com 62 anos e dor torácica aos médios esforços.

Um estudo prévio publicado com 7 mil mulheres que realizaram CM mostrou que, quando o exame era normal ou considerado de baixo risco, o risco anual de morte ou infarto não fatal ficava abaixo de 1%, em contraste com uma taxa de eventos muito maior, de 5% ao ano, naquelas em que a perfusão miocárdica se mostrava anormal ou, ainda, superior, em mulheres diabéticas.

Mulheres com diabetes, mesmo com perfusão normal, têm maior mortalidade quando comparadas aos homens com a doença em geral, 1,6% versus 0,8%, respectivamente. As diabéticas com alterações perfusionais consideradas acentuadas apresentam taxa de mortalidade anual de 8,5%, ante 6,1% nas não diabéticas. O risco é ainda maior nas pacientes dependentes de insulina.

Figura 2. Presença de hipocaptação reversível do radiofármaco nas paredes anterior e anterosseptal do VE, de grande extensão e intensidade (35% de carga isquêmica), com dilatação da cavidade na fase após o estresse e importante queda da FEVE (de 67% para 47%).

 

Tomografia por emissão de pósitrons (PET)

O estudo da perfusão miocárdica com PET é uma técnica de imagem em Medicina Nuclear mais recente, que, com sua elevada resolução espacial, melhora a qualidade da imagem e a acurácia para a detecção de doença coronariana epicárdica em mulheres, em especial nas obesas.

Ao mudar o foco de detecção de estenoses nas artérias coronárias para avaliação de limitações do fluxo sanguíneo, técnicas de imagem cardíaca com PET estão emergindo para investigar os fatores envolvidos no espectro da doença isquêmica cardíaca em mulheres.

A capacidade de medir o fluxo sanguíneo em cada região do miocárdio, de acordo com o território de irrigação coronariana, torna esse método muito útil para portadoras de doença multiarterial. A técnica permite verificar o movimento das paredes ventriculares no pico de hiperemia sob estresse por vasodilatador e avaliar a reserva de fluxo na coronária, verificando, assim, a microcirculação local e a função do endotélio.

O estudo Wise evidenciou que diversos mecanismos contribuem para a manutenção dos sintomas e uma pior evolução em mulheres sem evidência de lesões obstrutivas nas artérias coronárias epicárdicas. A disfunção microvascular da árvore coronariana, em parte, é responsável pelos achados paradoxais de muitos sintomas e pela alta mortalidade na ausência de obstruções significativas arteriais.

Apesar de homens e mulheres terem quantidade de placas coronarianas semelhantes, estudos com ultrassom intravascular e análise patológica demonstraram a limitação dos testes tradicionais na avaliação do risco no sexo feminino. Isso ocorre por conta de maior prevalência de alterações no remodelamento das artérias coronárias femininas, mais disfunção endotelial, com incapacidade de as artérias e arteríolas se dilatarem em resposta à produção limitada de óxido nítrico pelo endotélio, e menor tamanho de artérias coronárias das mulheres por superfície corporal, em comparação aos homens, o que, posteriormente, promove mais sintomas secundários a estenoses ou à disfunção endotelial.

Com a mudança de foco na detecção de obstruções fluxo-limitantes para a investigação de disfunção endotelial, alterações na reserva de fluxo das coronárias e alterações microvasculares, o exame de PET passa a ter papel importante na avaliação da doença isquêmica cardiológica na mulher, estimando o fluxo absoluto em repouso e ao estresse, além de determinar medidas de reserva de fluxo miocárdico.

Uma evidência de diminuição da reserva de fluxo (definida como <1,9-2,0) sugere disfunção microvascular, o que tem particular utilidade no manejo clínico de mulheres com sintomas e alterações nas provas funcionais sugestivas de isquemia e sem doença coronariana obstrutiva.

Além disso, a técnica tem a habilidade intrínseca de correção de artefatos por atenuação mamária ou de partes moles, comumente observadas em mulheres obesas. Estudos previamente publicados descrevem sensibilidade e especificidade elevadas, com acurácia diagnóstica geral de 90%, quando o método é empregado na doença multiarterial e, especialmente, em pacientes do sexo feminino com sobrepeso.

Tal como acontece com a Spect, porém com menos trabalhos publicados, o método tem valor prognóstico semelhante e está associado a eventos cardiovasculares na evolução.

Na presença de alteração perfusional considerada moderada/ acentuada, o risco de eventos aumenta, chegando a 11,5%.

Recomendações para investigação de doença cardiovascular na mulher*

  • Para as mulheres sintomáticas com risco intermediário a alto de doença isquêmica cardíaca e com alterações do segmento ST no ECG basal, incapacidade funcional ou teste ergométrico com resultado indeterminado ou considerado de risco intermediário, o estudo da perfusão miocárdica sob estresse com Spect ou PET é recomendado para a identificação de DAC obstrutiva e estimativa de prognóstico (classe I; nível de evidência B).
  • Devem-se utilizar, sempre que possível, técnicas com redução da dose de radiação em todas as mulheres que se submetem ao estudo da perfusão miocárdica sob estresse por razões clínicas, conforme indicação pelos critérios de uso apropriado (classe I; nível de evidência C).
  • De acordo com estudos prévios, marcadores indicativos de elevado risco de eventos, quando presentes no estudo da perfusão miocárdica, devem ser descritos no laudo (classe I;  nível de evidência C).

Ref.: Consenso de junho de 2017.

 

Outras aplicações da medicina nuclear na avaliação cardiológica de mulheres

A miocardiopatia “em ampulheta”, também chamada de miocardiopatia de Takotsubo ou síndrome do coração partido, é uma condição que pode acometer mulheres após a menopausa e está associada a estresse súbito, emocional ou físico. Em 80-100% dos casos, ocorre em mulheres de 61-76 anos e geralmente relaciona-se com a deficiência estrogênica.

As pacientes apresentam sinais e sintomas de IAM, mas sem obstrução de artéria coronária epicárdica demonstrável. A característica mais frequente dessa cardiomiopatia de estresse é a disfunção ventricular esquerda, muitas vezes grave, com o clássico balonismo apical, que se assemelha a um instrumento de pesca japonesa (Takotsubo), usado como armadilha de polvos – daí o nome da síndrome.

O diagnóstico inclui hipocinesia, acinesia ou discinesia nos segmentos médios do ventrículo esquerdo, com ou sem envolvimento apical, anormalidades da contração regional, que podem se estender além de um território de distribuição vascular, e, com frequência, ausência de doença coronariana obstrutiva ou de evidência angiográfica de ruptura aguda de placa. Podem-se observar ainda alterações de ECG (por exemplo, elevação do segmento ST e inversão da onda T) e/ou discreta elevação de troponinas. Caracteristicamente, esses achados contráteis são transitórias, revertendo-se em dias ou em poucas semanas.

Como a Medicina Nuclear contribui com a investigação da cardiomiopatia de Takotsubo

  • Cintilografia cardíaca com metaiodobenzilguanidina marcada com iodo-123 (I-123-MIBG), um análogo estrutural da norepinefrina, que permite avaliar a função neuronal adrenérgica cardíaca de forma não invasiva. Um estudo prévio associou a predisautonomia adrenérgica como possível mecanismo responsável por essa cardiomiopatia.
  • PET com 18-fluordesoxiglicose (FDG) é outra técnica útil e que mostra discrepância entre a perfusão preservada e a redução na utilização de glicose na cardiomiopatia de Takotsubo, comumente conhecida como mismatch inverso de fluxo-metabolismo. Isso pode sugerir que a alteração apical com padrão de ampulheta represente uma condição metabólica transitória do metabolismo da glicose em nível celular, muito mais do que uma alteração da contratilidade por doença estrutural do miocárdio. Essa condição possivelmente se associa a uma diminuição da glicose metabólica por deficiência da microcirculação coronariana, seguida de atordoamento miocárdico prolongado.

 

Avaliação da cardiotoxicidade das drogas utilizadas em tratamentos oncológicos

No sexo feminino, vem-se observando expressivo aumento no número de pacientes portadoras de neoplasias mamárias. Novos agentes antitumorais resultaram em significativos benefícios de sobrevida para essas pacientes. No entanto, vários medicamentos podem ter graves efeitos colaterais cardiovasculares.

A ventriculografia radioisotópica, técnica de Medicina Nuclear também conhecida como estudo da função ventricular com radionuclídeos, realizada de forma seriada, tem sido muito utilizada nesse contexto, pois estima a FEVE com alta reprodutibilidade e baixa variabilidade entre observadores. A diminuição da FEVE, contudo, é uma manifestação relativamente tardia da lesão miocárdica.

A cintilografia cardíaca com I-123-MIBG vem sendo considerada como técnica que permite abordagem precoce. Com boas reprodutibilidade e sensibilidade, esse método detecta anormalidades da inervação adrenérgica do miocárdio antes de a função ventricular esquerda diminuir.

 

TOMOGRAFIA DE ARTÉRIAS CORONÁRIAS

Habitualmente, o estudo tomográfico é empregado para afastar ou documentar a presença de obstruções ou para elucidar situações que provoquem dúvida do ponto de vista clínico, tal como ocorre em indivíduos com dor torácica atípica na sala de emergência e também no confronto entre os resultados de exames não invasivos.  Alguns autores postularam que os resultados da tomografia de coronárias (TC) poderiam ser menos favoráveis no sexo feminino, em virtude da diminuição de sua precisão, decorrente do fato de a mulher ter artérias mais finas.

Hoje, contudo, existem evidências disponíveis de que, nas mulheres acima de 60 anos, o poder preditivo negativo e a acurácia do exame seriam superponíveis aos resultados encontrados nos homens. Diversos trabalhos, por sua vez, citam que os cuidados com a redução da dose de radiação devem ser particularmente rigorosos no gênero feminino, especialmente nas jovens, nas quais o efeito deletério da radiação poderia ser mais acentuado. Isso ressalta a necessidade de fazer os exames com critérios de indicação, preparo adequado das pacientes e utilização de todos os recursos tecnológicos disponíveis.

Considerando os fatos relativos ao risco potencial da radiação e os resultados disponíveis na literatura, o consenso americano sobre o uso de métodos de imagem para o diagnóstico de doença coronariana em mulheres afirma que os resultados da TC podem identificar subgrupos de maior risco e que a ausência de obstrução ao estudo tomográfico implicou mortalidade de apenas 0,15 a 0,4% ao ano. Esse documento ainda destaca que obstruções graves, em especial nas mulheres com mais de 65 anos, predizem risco nos casos de maior extensão de doença.

Principais indicações da tomografia em mulheres

  1. Diante de resultados conflitantes de exames funcionais, tal como ocorre quando há discordância entre os resultados do teste ergométrico e da cintilografia de perfusão, ou se um desses exames mostrar acentuada discrepância em relação ao quadro clínico
  2. Para investigação de doença coronariana em pacientes de risco baixo e intermediário que se apresentam com dor torácica na sala de emergência e ainda para a pesquisa da causa de insuficiência cardíaca de início recente
  3. Na avaliação de sintomas em pacientes na fase tardia após procedimentos de revascularização do miocárdio
  4. Na suspeita de origem anômala das artérias coronárias

 

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA

O exame emprega campos magnéticos que interagem com os átomos de hidrogênio presentes nas diferentes moléculas dos tecidos orgânicos para reproduzir a anatomia e a função das diferentes estruturas do corpo humano, como o coração.

Essa tecnologia não implica a exposição dos pacientes à radiação ionizante, o que a torna mais segura. Ademais, o meio de contraste utilizado não contém iodo em sua composição, facultando sua realização mesmo em pacientes com alergia a essa substância, e ainda diminui seu grau de toxicidade renal, embora não deva ser usado nos pacientes com insuficiência renal grave, caracterizada por clearance de creatinina abaixo de 30 mL/min/1,73 m2 – nesses casos, em especial se o indivíduo estiver sendo submetido à diálise, há possibilidade de desenvolvimento de fibrose nefrogênica sistêmica, doença com mau prognóstico, com alta taxa de letalidade e sem tratamento efetivo conhecido.

Nas demais situações, porém, a ressonância magnética cardíaca (RMC) oferece elevada segurança e a vantagem adicional de possibilitar a caracterização adequada do músculo cardíaco. Isso ocorre porque o meio de contraste utilizado marca, com precisão, áreas de fibrose e necrose, notadamente nos casos pós-infarto, o que aumenta a contribuição do método para a pesquisa de doença coronariana.

A tecnologia atualmente disponível também permite a quantificação da velocidade e da intensidade de fluxo no sistema venoso e arterial, sendo uma excelente opção para a quantificação não invasiva precisa do débito cardíaco. Por todas essas características, a RMC vem ganhando grande destaque na pesquisa de doença coronariana dentro da prática clínica.

O diagnóstico de isquemia miocárdica pela RMC é feito com o uso de estresse farmacológico, por meio de agentes que elevam o trabalho cardíaco, como a dobutamina ou medicamentos que tenham efeito sobre o fluxo coronariano, tais como o dipiridamol e a adenosina.

Usa-se a dobutamina em doses com incrementos a cada três minutos, iniciando-se com 5 mcg/kg/min até um máximo de 40 mcg/kg/min. Seu efeito pode ser potencializado com a adição de atropina e metropolol. Em tais casos, identifica-se a isquemia pela indução de defeitos da contratilidade, abordagem que, na literatura, mostra sensibilidade entre 78% e 91% e especificidade entre 62% e 100%. Alguns autores sugerem a injeção de gadolínio na etapa final, o que daria também a possibilidade de analisar a perfusão miocárdica e poderia aumentar a acurácia do exame.

A maior parte dos serviços, porém, opta por avaliar a perfusão com o uso de agentes que atuem sobre a circulação coronariana, uma vez que seu manejo é mais simples, e também porque existe um grande volume de dados comprovando a eficácia de tal estratégia. O exame inclui o registro de imagens sob a realização de estresse, que é atingido com a administração de 0,56 mcg/kg/min de dipiridamol, por quatro minutos, ou de 140 mcg/kg de adenosina, em seis minutos. Após a reversão do estímulo, podem-se registrar as imagens das fases de repouso e, então, é possível buscar a presença de déficits de perfusão transitórios ou persistentes.

Uma metanálise publicada em 2007, incluindo 37 estudos, apontou sensibilidade de 83%, por segmento, e 91%, por paciente, enquanto a especificidade era de 86%, por segmento, e de 81%, por paciente.

Além de permitir o diagnóstico, a RMC torna factível a quantificação da extensão da isquemia, que é classificada de forma semelhante aos demais métodos. Seu resultado ainda tem impacto prognóstico, uma vez que a sobrevida livre de eventos é significativamente maior nos casos em que não há sinais de isquemia ou necrose, quando comparados aos casos em que a RMC mostra anormalidades.

Recentes estudos comparativos da RMC sob estresse farmacológico com a CM sob estresse farmacológico mostraram que se trata de estratégias de eficácia semelhante.

Os resultados disponíveis até o momento demonstram que a RMC apresenta equivalência dos resultados em homens e mulheres, o que é considerado um ponto favorável do método.

Principais indicações da RMC em mulheres

  • Pacientes sintomáticas, com risco pré-teste intermediário a alto, que apresentem alterações do segmento ST no ECG de repouso e alterações no ECG de repouso ou que apresentem incapacidade funcional , que não sejam capazes de realizar atividades físicas corriqueiras
  • Pacientes sintomáticas com risco pré-teste indeterminado
  • Mulheres na pré-menopausa com incapacidade de realizar atividade física

Figura 3. RMC de mulher com 57 anos, obesa e sedentária, com dor precordial atípica. O exame com dipiridamol (A) revelou defeitos de perfusão sob estresse (setas), que não foram observados no exame em repouso (B) (setas), caracterizando isquemia moderada de parede inferodorsal.


Consultoria médica

Dra. Paola Smanio
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