Avaliação ginecológica da mulher idosa

As mulheres idosas representam uma proporção maior em relação aos homens.

Envelhecimento do sistema ginecológico pode levar a alterações  relacionadas com a deficiência estrogênica e o período após a  menopausa, bem como o aumento da prevalência de neoplasias.  Exames anuais devem incluir mamas, trato genital inferior  (vulva, vagina e colo do útero), útero e ovários.

O aumento da expectativa de vida leva a uma  necessidade de planejar as ações de saúde da  população idosa, com a finalidade de melhorar  a prevenção e o tratamento de doenças. As  mulheres idosas representam uma proporção  maior em relação aos homens, mesmo nas faixas  mais avançadas da idade. Segundo dados do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há  cerca de 83 homens para cada 100 mulheres na  faixa etária de 60 a 69 anos, número que diminui  para 63 após os 80 anos de idade. Em termos  de expectativa de vida, a média em anos nas  mulheres é de 25 aos 60 anos, 17 aos 70, 11 aos 80 anos e 7 aos 90 anos de idade.

O envelhecimento é representado pela modificação de aspectos fisiológicos, bioquímicos  e funcional dos órgãos associada ao tempo,  que leva a um aumento da suscetibilidade de  doenças crônico-degenerativas. Com o envelhecimento do sistema ginecológico, há alterações relacionadas com a deficiência estrogênica  e o período após a menopausa, bem como o  aumento da prevalência de neoplasias.

Para muitas mulheres, os anos após a menopausa  podem exceder a duração da vida reprodutiva,  de forma que é importante conhecer as doenças  ginecológicas mais comuns na população idosa e o potencial impacto dessas enfermidades na função e  na qualidade de vida. As mulheres com mais de 65 anos  ainda permanecem em risco de adquirir doenças benignas,  infecciosas e malignas que reduzem a função e/ou a  longevidade se permanecerem sem tratamento.

Deve-se considerar também que pode haver falha na  continuidade da consulta ginecológica de rotina por parte  da mulher idosa, relacionada por diferentes motivos,  como a dependência de terceiros para o transporte  e acompanhamento durante a consulta, redução da  mobilidade física, que pode dificultar a realização do  exame ginecológico, o constrangimento com a consulta  ginecológica, e o desconhecimento da necessidade  de manter esse acompanhamento médico regular e a  realização dos exames periódicos. 

A avaliação ginecológica da mulher idosa deve ser feita  anualmente, com anamnese orientada e exame clínico  cuidadoso, com avaliação de fatores de risco para doenças  ginecológicas, que poderá definir a periodicidade da  realização de exames complementares. A avaliação deve  incluir mamas, trato genital inferior (vulva, vagina e colo do  útero), útero e ovários.

MAMAS 

O câncer de mama é a neoplasia mais comum nas mulheres,  com incidência crescente em diferentes regiões do mundo.  No Brasil, é considerado o câncer mais comum, depois dos  tumores de pele não melanoma. Além da maior incidência,  também é o tumor com maior mortalidade nos países  desenvolvidos e em desenvolvimento. O câncer é raro antes  dos 35 anos de idade, com aumento da incidência após os  50 anos.

O rastreamento do câncer de mama visa a detectar  pequenos tumores em mulheres assintomáticas com  o objetivo primário de reduzir a mortalidade pela  doença. Na população de risco habitual para câncer  de mama, o rastreamento deve ser feito anualmente  com a mamografia a partir dos 40 anos de idade.  A orientação de iniciar o rastreamento aos 40 anos se  justifica porque a incidência do câncer entre 40 e 49  anos no Brasil é proporcionalmente maior do que em países desenvolvidos, onde geralmente o  rastreamento se inicia aos 50 anos.

Nas mulheres acima de 74 anos, a continuidade  do rastreamento deve ser decidida  individualmente, considerando-se a saúde  global e a longevidade estimada da paciente.  Assim, em mulheres com 75 anos de idade  ou mais, a triagem anual com mamografia, de  preferência mamografia digital, é recomendada  quando a sobrevida esperada supera sete anos,  dependendo das comorbidades. 

Os outros métodos diagnósticos como a  ultrassonografia e a ressonância magnética  de mama não se associam com a redução da  mortalidade pelo câncer de mama, de modo que  esses exames estão indicados especialmente  nos subgrupos de mulheres consideradas de  alto risco. A ultrassonografia pode ser feita  como exame complementar à mamografia  nas pacientes com mamas densas ou como  “second-look” após a ressonância.

Fatores de risco para câncer de mama 

• História familiar de câncer de mama  ou ovário em parentes de primeiro grau,  principalmente antes dos 50 anos 

• História pessoal de câncer na mama  contralateral 

• Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 

• Nuliparidade 

• Menarca precoce e menopausa tardia 

• Obesidade após a menopausa 

• Consumo de álcool (≥2 doses por dia) 

• Densidade mamária elevada 

• Irradiação torácica antes dos 30 anos

A ultrassonografia também tem um papel na  avaliação diagnóstica de achados no exame  clínico das mamas. Doenças benignas das mamas  são mais frequentes durante a menacme, com  pico de incidência na quarta e quinta décadas de  vida. Diante do achado de nódulos ou de fluxo  papilar na paciente idosa deve-se descartar a  presença de origem neoplásica.

TRATO GENITAL INFERIOR 

O envelhecimento e a deficiência estrogênica associam-se com alterações da anatomia e fisiologia  vulvovaginal e a avaliação do trato genital inferior é  feita por meio da anamnese e exame físico (inspeção  vulvar e exame especular), com exames complementares dependendo de cada caso.  

Na vulva, doenças benignas comuns compreendem  lesões como angioqueratoma, acrocórdon, ceratose  seborreica e cistos. Importante lembrar do líquen  escleroso de vulva, uma doença inflamatória crônica  que se manifesta principalmente por prurido vulvar,  que tem como um dos picos de incidência o período  pós-menopáusico. Apesar de ser uma doença  benigna, o líquen escleroso não tratado ou de difícil  controle é uma via carcinogênica para o câncer de  vulva. Já a neoplasia de vulva é rara, corresponde a 5%  dos tumores ginecológicos e incide principalmente na  faixa etária de 65 a 75 anos de idade. Não há método  recomendado para o rastreamento do câncer de  vulva, sendo essencial o exame físico vulvar durante  a consulta ginecológica.

A inspeção vulvar possibilita a identificação de grande parte das lesões vulvares, sendo possível realizar  a biópsia e estudo anatomopatológico quando necessário. Em algumas situações específicas, poderá ser indicada a vulvoscopia, exame da vulva feito  com magnificação e aplicação de ácido acético a 5%  (ver boxe). 

No exame especular, faz-se a avaliação de colo do  útero e vagina, além de coleta de secreção para exame citopatológico e avaliação do conteúdo no caso  de suspeita de infecções. A neoplasia primária de  vagina é rara e corresponde a menos de 2% dos tumores ginecológicos. Já o câncer de colo do útero é  o terceiro câncer mais incidente entre as mulheres  brasileiras, apesar de menos frequente na população acima de 65 anos. No entanto, mulheres que não  realizam o rastreamento podem apresentar doença  avançada nessa faixa etária.

O principal fator de risco para o câncer de colo do  útero é a infecção pelo papilomavírus humano (HPV)  de alto risco oncogênico, em especial os tipos 16  e o 18, responsáveis por cerca de 70% dos casos  de câncer. O rastreamento no Brasil é recomendado  pela coleta do exame citopatológico dos 25 aos  64 anos de idade, nas mulheres que já tiveram  ou têm atividade sexual. O exame deve ser  feito inicialmente uma vez por ano e, após dois  resultados consecutivos negativos, a cada três  anos. Dos 30 aos 64 anos também é possível fazer  o rastreamento com a pesquisa molecular do DNA  do HPV, pela PCR em tempo real, de forma isolada  ou combinada com a colpocitologia. Diante de  alterações citológicas ou pesquisa positiva para HPV  16 e/ou 18, está indicada a colposcopia, bem como  na presença de HPV de outros tipos identificados  pelo teste biomolecular em conjunto com  alteração citológica.

A interrupção da coleta do exame citopatológico  aos 64 anos poderá ser feita se houver dois exames  citopatológicos consecutivos negativos nos últimos cinco anos. Mulheres com mais de 64 anos que nunca  fizeram a citologia devem realizar esse exame duas vezes,  num intervalo de um a três anos. É prudente orientar as  pacientes a partir dos 65 anos de idade que a dispensa da  coleta da citologia não significa a falta de necessidade de  manter regularmente a avaliação médica ginecológica.

Entre as condições benignas, é comum a vaginite atrófica pós-menopausa, manifestada por prurido, ardência,  disúria, secura vaginal e dispareunia. Também podem ser  observados pólipos endocervicais, vulvovaginites de causa  infecciosa, devido ao aumento do pH vaginal e diminuição  da resistência aos agentes infecciosos decorrentes da  atrofia, e prolapso genital.

Indicações de colposcopia e vulvoscopia 

COLPOSCOPIA: 

• Avaliação de alterações citológicas (ASC-H,  atipias glandulares, lesão de alto grau, suspeita  de microinvasão, lesões escamosas e glandulares  invasivas) 

• Na citologia ASC-US ou lesão de baixo grau,  quando a segunda citologia de controle exibe  qualquer tipo de atipia 

• Metrorragia e sinusiorragia 

• Controle pós-tratamento de lesões pré-invasivas  e invasivas 

• Pré-operatório de intervenções no trato genital 

• Aspecto anormal em colo e vagina no exame  especular 

• Orientar a realização de biópsia 

VULVOSCOPIA: 

• Ajudar a delimitar a lesão e a definir o local da biópsia  em lesões suspeitas para neoplasia intraepitelial ou  câncer invasivo inicial 

• Ajudar a delimitar a área a ser tratada 

• Acompanhamento pós-tratamento da neoplasia  intraepitelial 

• Avaliação de pacientes com lesão por HPV em outros  locais (descartar doença multicêntrica) e de pacientes  com imunossupressão 

• Prurido vulvar crônico sem causa definida

ÚTERO E OVÁRIOS  

Útero e ovários são avaliados pelo exame de  toque vaginal bimanual e a avaliação pode ser  complementada com a ultrassonografia por via  transvaginal e o toque retal.  

O câncer de endométrio é a neoplasia mais  frequente do trato genital feminino nos países  desenvolvidos e o oitavo mais frequente  no Brasil. A neoplasia afeta principalmente  mulheres na pós-menopausa, com média etária  de 60 anos ao diagnóstico. Os fatores de risco  incluem hipertensão, diabetes, obesidade,  nuliparidade, menarca precoce, menopausa  tardia, anovulação crônica, síndrome de Lynch,  hiperplasia do endométrio, síndrome dos  ovários policísticos, etnia branca, radioterapia  prévia para tumores de ovário, reposição  estrogênica na pós-menopausa e predisposição  genética. Entre os sintomas, 90% dos casos  apresentam metrorragia pós-menopausa e sangramento irregular na perimenopausa.

Já o câncer de ovário é a sétima neoplasia  mais frequente nas mulheres brasileiras  e corresponde a 4% de todos os tumores  femininos e a 25% dos tumores ginecológicos.  É a neoplasia ginecológica com maior  agressividade, visto que, em dois terços dos  casos, o diagnóstico é feito quando a doença já  está avançada. Cerca de 80% a 90% dos casos  de câncer de origem epitelial, tipo histológico  mais frequente, incidem após os 40 anos de  idade e de 30% a 40% após os 65 anos. 

Não há recomendações para o rastreamento  de câncer de endométrio e de câncer de ovário  na população geral assintomática, mas deve-se  buscar o diagnóstico precoce dessas neoplasias  em mulheres com risco elevado. Na presença  de sangramento uterino após a menopausa,  está indicada a realização de ultrassonografia  transvaginal como exame de primeira linha.

Em pacientes virgens, que não podem realizar a  ultrassonografia transvaginal, a investigação deve ser  feita pela ressonância magnética.  

Em mulheres na pós-menopausa, considera-se espessura endometrial normal até 5 mm ou, se estiver em uso de terapia de reposição hormonal,  até 8 mm. A espessura endometrial igual ou inferior  a 4 mm diminui a chance de câncer de endométrio  em até 10 vezes, inclusive nas que fazem  terapia hormonal. Na presença de espessamento  endometrial visto à ultrassonografia, deve-se  proceder à investigação com biópsia endometrial  ambulatorial, curetagem uterina ou histeroscopia.

A ultrassonografia também possibilita a visualização  de pólipos endometriais, encontrados em 10% a 40%  das mulheres com sangramento pós-menopausa  e em 1% a 12% das assintomáticas.  

Outras doenças uterinas como miomas e  adenomiose geralmente são mais frequentes  durante a menacme. O mioma incide principalmente  entre 35 e 50 anos, regredindo após a menopausa. Da  mesma forma, a adenomiose ocorre principalmente  na faixa etária de 40 a 50 anos.

Em relação ao câncer de ovário, estudos mostram que  a ultrassonografia transvaginal de rotina não melhora o prognóstico. No entanto, esse exame é importante  na avaliação de pacientes com alto risco para essa  neoplasia, feito em conjunto com a dosagem sérica de  CA-125. O índice ROMA (Risk for Ovarian Malignancy  Algorithm), calculado a partir das dosagens de CA-125  e HE4, é uma ferramenta que auxilia a estratificar o risco  de câncer de ovário: um resultado >7,4% na  pré-menopausa ou >25,3% na pós-menopausa  configura alto risco para câncer epitelial de ovário.  A ultrassonografia é um exame de baixa especificidade,  mas alta sensibilidade para detectar lesões iniciais.

Os fatores de risco para câncer de ovário são:  história familiar de neoplasia de mama ou ovário,  mutações nos genes BRCA1 e/ou BRCA2, síndrome  de Lynch, endometriose, obesidade, tabagismo,  nuliparidade, idade e terapia de reposição hormonal. 

Por fim, deve-se lembrar que, no período pós menopausa, a queda dos níveis de estrogênio associa-se com aumento da incidência de osteoporose, que  deve ser rastreada pela densitometria óssea em todas  as mulheres ≥65 anos, ou antes, se houver fatores  de risco para osteoporose (antecedente de fratura  femoral nos pais, tabagismo, antecedente pessoal de  fratura por fragilidade, imobilidade, baixo peso e uso  de medicações ou doenças crônicas que afetam a  massa óssea).


Consultoria médica: 

Dr. Nelson Carvalhaes 

Consultor médico em Geriatria

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Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel 

Consultor médico em Ginecologia  e Biologia Molecular

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