Câncer de reto | Revista Médica Ed. 4 - 2014

Após a detecção do tumor, combinação de métodos diagnósticos permite o estadiamento da doença, a definição terapêutica e o manejo pós-tratamento

Após a detecção do tumor, combinação de métodos diagnósticos permite o estadiamento da doença, a definição terapêutica e o manejo pós-tratamento


O CASO

Paciente masculino, 68 anos, não fumante, procurou coloproctologista com queixa de episódios esporádicos de hematoquezia, sem perda ponderal. Ao exame físico, apresentava bom estado geral, sem massas abdominais palpáveis. O toque retal sugeria a presença de lesão retal móvel. O médico solicitou, então, uma dosagem sérica do antígeno carcinoembriônico (CEA) e uma colonoscopia convencional. 


A dosagem de CEA foi de 3,7 mcg/L (VR = até 3,0 mcg/L para não fumantes e até 5,0 mcg/L para fumantes). Já a colonoscopia apontou uma lesão plana de 4 cm com áreas nodulares, localizada a cerca de 5 cm da borda anal. Ao realizar magnificação de imagem com cromoscopia virtual pelo sistema NBI e com corante índigo carmim, o endoscopista observou que havia destruição, irregularidade da rede microcapilar e perda da estrutura das criptas da mucosa sobre as áreas nodulares, o que é compatível com neoplasia com invasão da submucosa, razão pela qual foi feita apenas biópsia local da lesão para estudo histopatológico. O restante do cólon apresentava mucosa de aspecto normal. 


A seguir, o médico-assistente encaminhou o paciente para o estadiamento local da doença por ecoendoscopia e ressonância magnética.


Sobre o câncer colorretal


Quase 1 milhão de indivíduos são diagnosticados com câncer colorretal por ano no mundo. No Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer, esperam-se, para 2014, 15.070 casos novos dessa neoplasia em homens e 17.530 em mulheres.


Cerca de 30% a 40% de tais tumores surgem no reto, podendo ou não ocasionar sintomas. O diagnóstico em pacientes assintomáticos normalmente ocorre por conta de exames de rastreamento, como pesquisa de sangue oculto, retossigmoidoscopia ou colonoscopia, os quais são recomendados para todas as pessoas acima dos 50 anos.


Já nos indivíduos sintomáticos, as queixas mais frequentes incluem dor abdominal, alteração do hábito intestinal e hematoquezia ou melena. Outras manifestações, como fraqueza, sinais de anemia e perda de peso, também costumam ser encontradas.


 

Colonoscopia inicial aponta lesão plano-elevada com nodulações de superfície hiperemiada, friável e erodida.

ARQUIVO FLEURY


 

A magnificação de imagem com o sistema NBI demonstra perda do padrão de criptas e áreas avasculares, um achado compatível com invasão profunda da submucosa.

ARQUIVO FLEURY  



A DISCUSSÃO

As pistas da Anatomia Patológica


A análise da disseminação de um câncer para seu estadiamento sempre depende da complementação dos métodos de imagem, mas o estudo histopatológico já fornece muitas pistas sobre a extensão da doença e, inclusive, sobre seu prognóstico. 


No caso em questão, os cortes histopatológicos evidenciaram proliferação de estruturas glandulares em arranjos tubulares, revestidas por epitélio cilíndrico com pseudoestratificação nuclear, revelando áreas com atipia citológica intensa. Na biópsia de lesão retal, tais achados condizem com adenocarcinoma bem diferenciado, que responde por 95% dos cânceres colorretais. A possibilidade de metástase linfonodal não era evidente, uma vez que a lesão não parecia avançada. Mas coube à ecoendoscopia investigar essa possibilidade.


Estadiamento local


Após o diagnóstico do tumor pelo estudo anatomopatológico, o estadiamento preciso do câncer retal é fundamental para planejar o tratamento, configurando o mais forte preditor de recorrência. Essa etapa ajuda a formular um plano de cuidados estruturado e multidisciplinar, incluindo a terapia neoadjuvante, e a definir o prognóstico. 


O estadiamento local fornece dados valiosos, como o grau de invasão mural, o acometimento da margem circunferencial de ressecção, as relações do tumor com o aparelho esfincteriano e o envolvimento metastático linfonodal, exigindo, para tanto, a ultrassonografia endorretal ou a ressonância magnética (RM). 


A avaliação ultrassonográfica pode ser feita pelo transdutor rígido ou pelo endoscópio flexível, o qual tem as vantagens de localizar a lesão com maior precisão, abordar os tumores estenosantes com mais facilidade e permitir a técnica setorial, necessária para punções ecoguiadas de estruturas e linfonodos suspeitos de malignidade. 


A acurácia diagnóstica da ecoendoscopia associada à punção ecoguiada supera os 90% para a pesquisa de linfonodos metastáticos. O procedimento torna-se mandatório principalmente nos casos em que a confirmação de metástase muda a conduta a ser tomada.


Por outro lado, a RM apresenta maior campo de visão, trazendo informações sobre a anatomia pélvica e suas relações com o tumor, além de possibilitar o estadiamento de lesões estenosantes. Estudos atuais demonstram que o método consegue detectar sinais de invasão vascular extramural tanto no estudo pré-neoadjuvância como na avaliação pós-tratamento. A invasão vascular está associada a pior prognóstico por sua relação com maior risco de recorrência local e de metástases a distância.


Na prática, a escolha do método depende de sua disponibilidade, porém os achados do toque retal podem ser úteis para essa abordagem. Lesões móveis permitem adequada avaliação pela ultrassonografia endorretal, enquanto as fixas, possivelmente mais avançadas, são mais bem estadiadas pela ressonância. 


O exame ecoendoscópico sobre as áreas nodulares do paciente em estudo demonstrou lesão com acentuado espessamento da mucosa e acometimento da submucosa, sem sinais sugestivos de invasão da camada muscular própria. Contudo, visualizou também uma imagem nodular perilesional, hipoecogênica e arredondada, sugestiva de metástase. 


Ao ser informado sobre o achado, o médico-assistente solicitou que fosse realizada, na oportunidade, uma punção ecoguiada do linfonodo para a confirmação de metástase. A equipe realizou o procedimento de imediato, já com o patologista em sala, o qual corroborou a suspeita.


O estadiamento local com RM, por sua vez, apontou uma lesão vegetante no reto, a cerca de 7 cm da borda anal. Em seu segmento inferior, não havia sinais de acometimento da camada muscular, porém, em seu segmento superior, na parede lateral direita, observou-se infiltração da muscular com sinais de mínima extensão à gordura mesorretal (estadiamento T3a) e suspeita de invasão vascular extramural. A fáscia mesorretal apresentava-se livre. O exame também evidenciou um linfonodo mesorretal proeminente, com características suspeitas de comprometimento neoplásico (veja imagens).


 

 

 

Ecoendoscopia deste caso mostra, ao alto, a lesão que causa acentuado espessamento da mucosa, com invasão da submucosa e preservação da muscular própria. Acima, linfonodo metastático regional

ARQUIVO FLEURY  


 

Punção ecoguiada do linfonodo: amostra citopatológica exibe células epiteliais atípicas, ora isoladas, ora dispostas em blocos não coesos, com escasso citoplasma frouxo, núcleos com anisocariose evidente, cromatina vesiculosa e nucléolos proeminentes. O aspecto morfológico é compatível com carcinoma.

ARQUIVO FLEURY  


 

RM ponderada em T2 no plano sagital demonstra lesão vegetante a cerca de 7 cm da borda anal

ARQUIVO FLEURY  


 

RM ponderada em T2 no plano axial, com protocolo de alta resolução. No segmento superior da lesão, observa-se acometimento da camada muscular, com pequena extensão à gordura mesorretal (seta amarela) (estadiamento T3a). Além disso, na porção infiltrativa da lesão, há suspeita de invasão vascular extramural de pequenos vasos (seta azul). Não foram encontrados sinais de comprometimento da fáscia mesorretal (setas vermelhas).

ARQUIVO FLEURY  


 

Linfonodo mesorretal proeminente, com sinal intermediário, levemente heterogêneo (seta), suspeito de comprometimento neoplásico.

ARQUIVO FLEURY  


 


RM pós-terapia neoadjuvante. (primeira imagem) Não foi verificada regressão significativa da lesão (seta). (segunda imagem) O linfonodo mesorretal metastático apresentou redução de suas dimensões.

ARQUIVO FLEURY  



Nódulos hepáticos sólidos com sinal intermediário em T2, compatíveis com lesões secundárias (setas).

ARQUIVO FLEURY  


Estadiamento a distância


A investigação de doença metastática deve ser preferencialmente realizada pela tomografia computadorizada (TC) torácica e abdominal. A RM de abdome superior também pode ser útil na pesquisa de metástases hepáticas ou, ainda, na melhor caracterização de lesões indeterminadas observadas na TC. Em virtude de sua resolução espacial, a tomografia por emissão de pósitrons associada à TC convencional (PET/CT) não está indicada para o estadiamento local, bem como no estudo inicial, sendo mais bem aplicada à determinação da extensão sistêmica do câncer em pacientes nos quais já foi detectada metástase por outro método ou quando há suspeita clínica, bioquímica ou radiológica de recidiva tumoral.


Convém lembrar que, nos indivíduos com câncer colorretal, recomenda-se a avaliação completa do cólon pela colonoscopia no estadiamento, uma vez que existe risco de tumores sincrônicos em 1,5% a 9% dos casos. Na presença de lesões estenosantes ou subestenosantes que impeçam a progressão do colonoscópio, a colonografia por TC, ou colonoscopia virtual, também tem sido cada vez mais utilizada.


No caso descrito, a pesquisa de metástases a distância com TC de tórax e RM de abdome superior revelou-se negativa. O paciente foi, então, considerado candidato à terapia neoadjuvante e passou por sessões de radioterapia e quimioterapia concomitantes durante cinco semanas. 


O que observar no seguimento 


Até há pouco tempo, desconhecia-se a real importância de um novo estadiamento após a terapia neoadjuvante. Os resultados atuais demonstram que o grau de regressão do tumor apresenta correlação direta com o prognóstico, influenciando não só o intervalo livre de doença, como também a sobrevida. Além disso, o risco de recorrência é maior se for caracterizado comprometimento da margem de ressecção circunferencial, ou seja, uma distância entre o tumor e a fáscia mesorretal inferior a 1 mm.


Nesse contexto, a RM pode auxiliar o clínico na diferenciação entre tumor viável e fibrose por meio do sinal em T2. Ademais, permite a avaliação de parâmetros como distância da borda anal – comparando o tumor pré e pós-tratamento –, extensão, grau de regressão, distância máxima de infiltração tumoral da gordura mesorretal além da camada muscular, sinais de invasão venosa extramural, comprometimento de linfonodos mesorretais e nas cadeias pélvicas laterais e envolvimento peritoneal. Essas informações não apenas ajudam a estabelecer o prognóstico, como também influem no planejamento terapêutico. 


Na prática, o tratamento neoadjuvante pode resultar em resposta completa, definida pela ausência clinicamente detectável de tumor primário residual e de células neoplásicas viáveis no espécime patológico ressecado. Observa-se que por volta de 10% a 30% dos tumores respondem completamente à neoadjuvância.


Contudo, no caso aqui avaliado, após oito semanas do término da terapia, o paciente não apresentou resposta clínica e radiológica, tendo persistido a lesão retal com características semelhantes no controle evolutivo por RM. O seguimento pós-tratamento ainda evidenciou disseminação neoplásica a distância, com múltiplas metástases hepáticas.



CONCLUSÃO

O estadiamento do câncer de reto é fundamental para a decisão terapêutica e para o estabelecimento do prognóstico, porém a precisão dessa avaliação depende da adequada utilização dos recursos atualmente disponíveis. 


No caso estudado, a colonoscopia, combinada à magnificação de imagem e cromoscopia virtual e associada à biópsia e ao estudo anatomopatológico, propiciou o diagnóstico da neoplasia e ofereceu pistas relevantes em relação ao prognóstico. 


Por sua vez, a ecoendoscopia e a ressonância magnética tiveram participação decisiva no estadiamento local e na identificação de metástase e, junto com o estadiamento a distância, corroboraram a indicação da terapia neoadjuvante. Os exames de imagem também se mostraram essenciais para a verificação da resposta a esse tratamento.



Assessoria Médica
Anatomia Patológica
Dr. Aloísio Souza F. da Silva
[email protected]
Dra. Luciane Choppa do Valle
[email protected]

Endoscopia Digestiva

Dra. Beatriz Monica Sugai
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Dr. Dalton Marques Chaves
[email protected]
Dr. Frank S. Nakao
[email protected]

Imagem – Grupo Abdome

Dra. Angela Hissae Motoyama Caiado
[email protected]
Dr. Dario A. Tiferes
[email protected]
Dr. Rogério Pedreschi Caldana
[email protected]