Candida auris: mais um motivo de preocupação para os profissionais de saúde do Brasil

Espécie tem capacidade de causar surtos hospitalares e costuma ser resistente aos antifúngicos

A detecção de Candida auris em paciente internada em unidade de terapia intensiva de um hospital de Salvador (BA), em decorrência de complicações da Covid-19, trouxe mais um motivo de preocupação para os profissionais de saúde do Brasil, por se tratar de uma espécie emergente de levedura, que vem com novos desafios na prevenção e no tratamento das infecções fúngicas invasivas. 

Devido a uma série de particularidades dessa espécie, como a capacidade de causar surtos no ambiente hospitalar e a resistência aos antifúngicos, a C. auris tem sido atualmente considerada um problema de saúde pública mundial. 

A C. auris foi primeiramente isolada em 2007, na secreção de orelha externa de uma paciente hospitalizada em Tóquio – daí a designação “auris”. Após a descrição inicial no leste da Ásia, em 2009, rapidamente outras três regiões passaram a identificá-la em espécimes clínicos: sul da Ásia, África e América do Sul. Por aqui, antes da confirmação do primeiro caso em Salvador, haviam sido notificadas 18 suspeitas desde 2017.

Epidemiologia molecular 

Utilizando o sequenciamento completo do genoma total das cepas de C. auris provenientes dos diversos continentes, Lockhart e colaboradores demonstraram quatro clones distintos distribuídos mundialmente: clone I (sul da Ásia), clone II (leste da Ásia), clone III (África do Sul) e clone IV (América do Sul). Hoje, a C. auris já foi identificada em 33 países, em cinco continentes.

Apresentação clínica e colonização 

A C. auris pode causar infecções da corrente sanguínea (candidemia), de feridas operatórias e do trato respiratório ou urinário, além de otites. Os fatores de risco associados à infecção invasiva por esse agente não diferem dos riscos relacionados às causadas por outras espécies de Candida, como imunossupressão, cirurgia recente, uso prolongado de antimicrobianos e presença de dispositivos invasivos, como cateteres venosos centrais ou urinários. O tempo de permanência hospitalar relatado nos casos variou de 9 a 62 dias.



Ao contrário das outras espécies de Candida, que predominam no trato digestório, a C. auris apresenta predileção por colonizar a pele. Essa característica, associada ao fato de ser capaz de formar biofilme e permanecer viável no ambiente hospitalar por meses, favorece a transmissão horizontal, levando à sua disseminação e à ocorrência de surtos nosocomiais. 

A correta e rápida identificação da espécie e dos pacientes colonizados é fundamental para a implementação de medidas de precaução, evitando a propagação do agente, como o isolamento de contato, a separação de objetos e equipamentos de uso individual e a desinfecção apropriada do ambiente hospitalar. 

Diagnóstico microbiológico 

A C. auris cresce nos meios de cultura utilizados na rotina de micologia. A espectrometria de massas (MALDI-ToF MS), usualmente empregada pelo Fleury, é capaz de diferenciá- -la das demais espécies. Por outro lado, para avaliação de colonização, obtém-se maior sensibilidade com o uso de meios líquido e sólido contendo concentração elevada de cloreto de sódio e/ou sulfato ferroso. Os meios de cultura sólidos com substratos cromogênicos também têm utilidade na triagem de colônias suspeitas de C. auris. 

O swab de pele configura a amostra ideal para pesquisar colonização. Previamente umedecido em água ou salina estéril, pode ser usado para coleta de regiões axilares e inguinais. Uma vez que, até o momento, os casos estão restritos a Salvador, recomenda-se que pacientes que tenham histórico de internação hospitalar recente na capital baiana e venham a buscar atendimento em outros Estados sejam triados por cultura de swab de pele, em meio seletivo para C. auris, a fim de controlar a disseminação da espécie no Brasil.

O diagnóstico pela pesquisa molecular por PCR em tempo real possibilita maior rapidez e acurácia, quando comparado aos métodos tradicionais, tendo grande aplicabilidade no cenário de investigação de surtos, pois pode direcionar a introdução de medidas efetivas de precaução. O método, entretanto, ainda não está disponível em rotina.

Resistência aos antifúngicos 

Enquanto, para a maioria das espécies de Candida, a presença de resistência aos antifúngicos é um evento excepcional, nas espécies da família Metschnikowiaceae, que inclui C. haemulonii, C. duobushaemulonii, C. pseudohaemulonii e C. auris, a resistência intrínseca e a adquirida são comuns. 

Os principais mecanismos de resistência englobam mutação no alvo de ação do antifúngico e hiperexpressão do alvo e de bombas de efluxo. Apesar de a primeira cepa descrita ser amplamente sensível, os primeiros isolados fora do Japão apresentavam concentrações inibitórias mínimas (CIM) elevadas para fluconazol. A C. auris frequentemente se mostra resistente aos azólicos, seja fluconazol , seja voriconazol, enquanto a resistência à anfotericina B pode ser observada em até 30% dos isolados. 

Em função disso, as infecções por C. auris são geralmente tratadas com os antifúngicos da classe das equinocandinas (micafungina, anidulafungina e caspofungina). A resistência a tais fármacos, nessa espécie, ocorre raramente. A maior limitação do uso dessa classe reside no fato de ter, como única apresentação disponível, a intravenosa, o que pode dificultar a manutenção do tratamento pelo tempo necessário para cura clínica e microbiológica.


Referências bibliográficas 

1. Bradley SF. Candida auris infection. JAMA. 2019; 322(15): 1526. 

2. ElBaradei A. A decade after the emergence of Candida auris: what do we know? Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2020; 39(9): 1617-1627. 

3. Saris K et al. Candida auris. Curr Opin Infect Dis. 2018; 31(4): 334-340. 

4. Jeffery-Smith A et al. Candida auris: a Review of the Literature. Clin Microbiol Rev. 2017; 31(1): e00029-17. 

5. Spivak ES et al. Candida auris: an Emerging Fungal Pathogen. J Clin Microbiol. 2018; 56(2): e01588-17. 

6. Lockhart SR. Candida auris and multidrug resistance: Defining the new normal. Fungal Genet Biol. 2019; 131: 103243. 

7. Forsberg K et al. Candida auris: The recent emergence of a multidrug-resistant fungal pathogen. Med Mycol. 2019; 57(1): 1-12. 

8. Lockhart SR. Simultaneous Emergence of Multidrug-Resistant Candida auris on 3 Continents Confirmed by Whole-Genome Sequencing and Epidemiological Analyses. Clin Infect Dis. 2017; 64(2): 134-140. 

9. Anvisa. Nota técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 11/2020, 21/12/2020


CONSULTORIA MÉDICA 

Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio 

[email protected]

Dra. Paola Cappellano Daher 

[email protected]