Casos de arboviroses crescem no primeiro trimestre

Saiba como fazer o diagnóstico etiológico precoce.

De janeiro até a primeira semana de abril deste ano, o Brasil registrou mais de 592 mil casos prováveis de dengue, o que representa um aumento de mais de 43% em comparação com o mesmo período de 2022, com 183 óbitos. Em relação à febre chikungunya, foram mais de 68 mil casos prováveis em 2023, número que equivale a um crescimento de 72%, comparado ao mesmo período do ano passado, com 12 mortes. Os casos de Zika chegaram a mais de 4,9 mil, um aumento de 312% em relação a 2022, felizmente sem óbitos notificados até agora.

Vale destacar a ocorrência de casos de febre chikungunya no Paraná, cuja incidência cresceu 11 vezes em relação ao ano passado, em virtude da intensa circulação do vírus em países com os quais o Estado faz fronteira, como Paraguai e Argentina, e que pode resultar em aumento dos casos em Estados vizinhos.  

Entre as arboviroses menos comuns, foram confirmados, entre janeiro e fevereiro de 2023, 16 casos de febre oropouche e 23 da febre do Mayaro.

Acompanhe a distribuição dos casos no último Informe Semanal das Arboviroses Urbanas.

Por dentro dos arbovírus

Arbovírus é um termo que, em inglês, significa arthropod borne virus, já que parte de seu ciclo de replicação ocorre nos artrópodes, particularmente mosquitos e carrapatos. Quando infectados, esses invertebrados hematófagos podem transmitir os vírus entre os hospedeiros humanos e não humanos durante o repasto, mantendo, assim, a circulação natural desses agentes infecciosos.

Reconhecidos por sua ampla distribuição global, os arbovírus ainda se destacam por sua capacidade de causar surtos e epidemias, estreitamente relacionada à sua via de transmissão (densidade vetorial), às mudanças no ambiente – como o aquecimento global e a presença de criadouros – e ao comportamento humano, como as incursões em áreas silvestres e a urbanização não planejada.

Fazem parte do grupo o vírus da dengue (DENV), o Zika (ZIKV), o Chikungunya (CHIKV), o vírus da febre amarela e dois outros tipos menos conhecidos: o Mayaro (MAYV) e o Oropouche (OROV). Todos esses agentes são transmitidos pela picada de mosquitos, com destaque para as espécies do gênero Aedes e, para os dois últimos, também do gênero Culex.

As doenças causadas por tais vírus apresentam comportamento sazonal, com incidência mais alta entre os meses de janeiro a junho, devido ao maior volume de chuva e temperaturas elevadas, cenário ideal para a reprodução dos mosquitos, incluindo o Aedes aegypti, que deposita os ovos em superfícies em contato próximo com a água e aproveita o calor para a eclosão dos ovos.

Doenças diferentes, sintomas semelhantes

Dengue

Doença febril aguda, com amplo espectro clínico, e evolução majoritariamente leve e autolimitada. Ocorre mais frequentemente onde as condições do meio ambiente favorecem o desenvolvimento e a proliferação do A. aegypti.

Existem quatro tipos de vírus da dengue, que produzem imunidade seletiva. No entanto, em áreas de grande endemicidade, em que circula mais de um tipo viral, é possível adquirir a infecção mais de uma vez. A cada novo episódio, os sintomas podem se manifestar com mais gravidade.

O quadro se apresenta com febre alta, dor no corpo (podendo ser muscular e/ou articular), dor de cabeça e retro-orbitária, erupções na pele e indisposição.

A dengue com complicações apresenta os mesmos sintomas da clássica. Contudo, no terceiro e quarto dias, quando a febre cessa, começam a surgir alguns sinais de alerta, como dores abdominais fortes, pele pálida, fria e úmida, sangramentos pelo nariz, boca e gengivas, dificuldade respiratória e queda da pressão arterial.

Febre chikungunya

Palavra que significa “curvar-se ou tornar-se contorcido”, descrevendo a postura adotada pelos pacientes devido à artralgia intensa, a chikungunya é causada pelo CHIKV, transmitido por mosquitos do gênero Aedes, e cursa com enfermidade febril aguda, subaguda ou crônica.

Clinicamente se caracteriza por início súbito de febre alta, cefaleia, mialgias e dor articular intensa, afetando todos os grupos etários e ambos os sexos. Em uma porcentagem variável dos casos, a artralgia se torna crônica, o que pode ocorrer em quase metade dos casos, conforme algumas casuísticas, podendo persistir por anos. A dor crônica pode ser acompanhada de sinais de artrite e até mesmo cursar com lesões permanentes nas articulações afetadas.

Infecção pelo Zika

Doença marcada por exantema maculopapular pruriginoso, febre intermitente, hiperemia conjuntival não purulenta e sem prurido, artralgia, mialgia e dor de cabeça.

A evolução geralmente é benigna, com resolução do quadro em torno de 3-7 dias. Todavia, observa-se, nos filhos de gestantes infectadas, a ocorrência de casos de síndrome congênita, com manifestações variáveis, sendo emblemáticas a microcefalia e as alterações neurológicas.

Como diferenciar dengue, chikungunya e infecção por Zika

Sintomas/sinais
Dengue
Chikungunya
Zika
Febre
≥38ºC (4-7 dias)
38ºC (2-3 dias)
Baixa ou ausente
Hiperemia cutânea
A partir do 4º dia
No 1º ou 2º dias
Nas primeiras 24 horasnas o  do 4o lare
Artralgia
Moderada
Intensa
Leve
Prurido
Leve
Leve
De leve a intenso
Hiperemia ocular
Ausente
Pode estar presente
Frequente

Fonte: www.saude.ce.gov.br

Febre amarela

Doença infecciosa febril aguda, imunoprevenível, cujo agente etiológico é um vírus do gênero Flavivirus, da família Flaviviridae, transmitido por artrópodes, com dois ciclos epidemiológicos de transmissão distintos: silvestre e urbano. No Brasil, somente o ciclo silvestre está presente, porém, dependendo da intensidade da circulação enzoótica do vírus e da cobertura vacinal em determinadas regiões, podem ocorrer surtos periurbanos em áreas de transição com a zona rural ou próximas a regiões de mata.

Febre do Mayaro

O MAYV é considerado endêmico na região amazônica, onde sua circulação envolve primatas não humanos e mosquitos silvestres, principalmente do gênero Haemagogus; contudo, o A. aegypti pode abrigar e transmitir esse vírus. Considerando o potencial desse mosquito como vetor do MAYV, sua importância nas áreas urbanas está aumentando.

A relevância do MAYV como patógeno humano e seu potencial de emergência em áreas urbanas é de grande preocupação, pois o aquecimento global pode contribuir nos próximos anos para expandir a distribuição desse agente. Além disso, o crescimento populacional, a demografia e outros fatores, combinados com a competência vetorial de diferentes espécies de mosquito, sugerem que a infecção por MAYV possa atingir uma escala ainda maior em um curto espaço de tempo, juntamente com outros arbovírus.

Em geral, os sintomas são muito semelhantes aos de outros arbovírus; por essa razão, a febre do Mayaro é frequentemente não diagnosticada. A infecção causa uma doença febril aguda e autolimitada, com um curto período virêmico, com os sintomas desaparecendo dentro de uma semana.

A fase aguda dura 3-5 dias e inclui febre, dor de cabeça, dor ocular, erupção cutânea, miocardite, hemorragia e manifestações neurológicas. Artralgia e mialgia estão presentes em 50% a 89% e em 75% dos pacientes infectados, respectivamente.

A artralgia pode ser acompanhada de edema articular, o sintoma principal na infecção grave, que ocasionalmente persiste por vários meses, incapacitando o indivíduo. Casos graves podem apresentar encefalite.

Desde 2011, o Ministério da Saúde do Brasil incluiu a febre do Mayaro como uma doença de notificação obrigatória (Ministério da Saúde, Portaria N° 104, de 25 de janeiro de 2011).

Levando em conta que a infecção pode ser facilmente diagnosticada, de modo incorreto, como dengue, chikungunya e Zika, seja devido à semelhança entre os quadros clínicos, seja em virtude da possível cocirculação desses vírus na mesma área, é mandatória a conformação laboratorial por meio de teste molecular (PCR), nos primeiros cinco dias de doença, ou sorologia (IgM), a partir do sexto dia.

Febre oropouche

Estudos têm sugerido que o OROV das Américas do Sul e Central tem dois ciclos de transmissão distintos: silvestre e urbano. No primeiro, a transmissão ocorre entre seus insetos vetores e hospedeiros, como aves e mamíferos. Em contraste, o ciclo urbano envolve o ser humano como o único hospedeiro vertebrado, excluindo animais domésticos.

No Brasil, uma revisão recente demonstrou que a circulação de OROV já foi reportada em 14 das 27 unidades da Federação, em um total de 67 municípios, dos quais 53 na Região Norte e 29 no Estado do Pará, onde se concentra a maior parte dos casos humanos. Embora tenham sido identificados 272 casos documentados na literatura, o número de casos estimados nos surtos ocorridos entre 1960 e 2006 ultrapassa 230 mil.

Estima-se que 63% das infecções por OROV sejam sintomáticas. As manifestações clínicas mais comuns relatadas entre os pacientes incluem febre aguda, cefaleia, dor retro-ocular, mialgia, artralgia (podendo ser acompanhada de edema articular), fotofobia e exantema. Ademais, muitas infecções evoluem para meningite ou encefalite, bem como sangramento espontâneo (em casos raros, com petéquias, epistaxe e sangramento gengival).

Diagnóstico das arboviroses

A suspeita clínica de arbovirose baseia-se na história e no exame físico do paciente, porém a manifestação de sintomas que podem ser comuns entre as diferentes infecções impõe a necessidade de confirmação etiológica por meio de exames laboratoriais.

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Consultoria médica

Dra. Carolina S. Lázari
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Dr. Celso Granato
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