Como determinar o risco de prematuridade em gestação com colo curto?

Estudo ultrassonográfico de segundo trimestre tem alto valor preditivo para esse diagnóstico.

O CASO

Primigesta, 30 anos, procura serviço para realização de exame ultrassonográfico morfológico de segundo trimestre com Doppler e avaliação transvaginal do colo uterino. No exame, nota-se crescimento fetal adequado, placenta anterior alta, grau 0, e morfologia fetal normal. Já o exame transvaginal do colo uterino exibe colo medindo 25,1 mm, com sludge.


Imagem demonstra comprimento do colo uterino avaliado pela ultrassonografia transvaginal. Comprimento de 25,1 mm. Presença de sludge (seta vermelha).


Imagem exibe comprimento do colo uterino avaliado pela ultrassonografia transvaginal. Comprimento de 19,5 mm. Presença de sludge (seta vermelha).


Relação entre prematuridade e colo curto
A prematuridade é a principal causa de morbimortalidade neonatal, com risco de graves complicações neonatais e incapacidade em longo prazo. Por isso, a identificação de gestantes que apresentam maior risco para parto pré-termo espontâneo é uma estratégia importante para a prevenção secundária. Entre os fatores de risco, vários estudos mostram que a presença de colo curto no segundo trimestre de gestação está relacionada a uma maior possibilidade de parto prematuro. Além disso, quanto menor o comprimento do colo, menor será a idade gestacional do parto, independentemente da história reprodutiva. Um estudo mostrou que, em gestantes de 22 a 24 semanas, apenas 1,7% tinha medida do colo inferior a 15 mm, mas que correspondeu a 86% das que evoluíram para parto prematuro com menos de 28 semanas de gestação e a 58%, com menos de 32 semanas. Considerando o comprimento de colo uterino menor que 25 mm como critério de risco, que é o mais utilizado pela literatura atual, cerca de 9% das pacientes serão de alto risco, mas apenas 13% evoluirão com parto espontâneo antes de 34 semanas. Para investigar o risco de parto prematuro, a avaliação cervical ultrassonográfica é um teste com ótimo desempenho preditivo.

Fatores de risco para prematuridade:

  • História prévia de parto prematuro
  • Colo uterino curto
  • Gemelaridade
  • História prévia de conização cervical
  • Incompetência cervical
  • Malformação mülleriana
  • Desnutrição materna
  • Vaginose bacteriana
  • Tabagismo


A DISCUSSÃO

Papel da avaliação ultrassonográfica no risco de prematuridade

Medida do colo
Atualmente, considera-se a medida longitudinal do colo uterino pela via transvaginal entre 20 e 24 semanas de gestação como o melhor método preditivo para o parto prematuro, que deve, portanto, ser oferecido a todas as gestantes.

O valor de corte mais aceito para essa finalidade corresponde a 25 mm, tanto nas gestações únicas quanto gemelares. Contudo, essas medidas indicam maior risco para prematuridade, porém não definem sua ocorrência em todos os casos. Um estudo prospectivo com 2.000 gestantes apontou que o comprimento médio do colo uterino foi de 23,8 mm (DP = 10,1 mm), naquelas que tiveram parto espontâneo abaixo de 34 semanas, e de 35,8 mm (DP = 7,9 mm), nas que deram à luz acima de 34 semanas.

Valores de corte para risco de prematuridade em gestações com feto único

Medida do colo (mm)

Prevalência

Risco de parto antes de 34 semanas

1-10

0,6%

44%

11-15

0,5%

23%

16-25

7,1%

3,6%

26-30

16,6%

1,3%

31-35

27,4%

0,8%

36-40

26,9%

0,6%

>40

21,0%

0,4%


A mensuração do colo uterino por via transvaginal deve ser feita em todas as grávidas na ocasião da ultrassonografia morfológica do segundo trimestre, mesmo para as assintomáticas e sem nenhum fator de risco para parto prematuro. Já em mulheres com história obstétrica sugestiva, como antecedente de parto prematuro espontâneo, cirurgias de colo uterino (conização, amputações, CAF), malformações uterinas e perda fetal tardia anterior, a vigilância tem de ser realizada entre 16 e 24 semanas e a cada 15 dias, se o comprimento do colo for maior que 30 mm, e semanalmente, se for entre 25 e 30 mm.

A associação do achado de colo curto com outros fatores de risco aumenta ainda mais a possibilidade de parto prematuro. A presença de outros sinais ultrassonográficos também eleva essa possibilidade, como o afunilamento e o sludge.

Em estudo com 186 gestantes (Owen et al., 2001) com história de parto prematuro antes de 32 semanas, a presença de medida isolada do colo inferior a 25 mm, feita entre 16 e 18 semanas e 6 dias de gestação, associou-se com risco relativo de parto pré-termo de 3,3. Esse risco subiu para 4,5 quando utilizada a menor medida encontrada nas avaliações seriadas até 23 semanas e 6 dias, o que mostrou que tal estratégia melhorou significativamente a predição do risco de parto prematuro espontâneo.

Acurácia da medida do colo para predição de parto prematuro ≤34 semanas

População

Medida do colo

Sensibilidade

Especificidade

VPP

VPN

Sem história prévia de parto prematuro

≤15 mm

29,3%

99,4%

54,6%

98,4%

≤20 mm

39%

98,3%

34,8%

98,6%

≤25 mm

46,3%

92,3%

12,5%

98,7%

Com história prévia de parto prematuro

≤15 mm

44%

96,1%

64,7%

91,4%

≤20 mm

72%

89,0%

51,4%

95,2%

≤25 mm

76%

75,5%

33,3%

95,1%

Adaptado de: Carvalho e cols. Obstet Gynecol 2005;105:532–6.


Sinal do afunilamento
O colo curto pode ou não estar associado ao sinal do afunilamento, ou “dedo de luva”, o qual demonstra incapacidade do orifício interno cervical e, portanto, denota maior risco de a gestação não chegar ao termo. Além desse indício, deve ser registrada sua extensão e sua morfologia, no caso, em T, Y, V ou U. Em gestantes de alto risco entre 16 e 24 semanas, o afunilamento mínimo – isto é, menor que 25% – em geral não está relacionado à prematuridade, enquanto a presença do sinal moderado (25-50%) ou grave (>50%) acarreta risco superior a 50%. Do mesmo modo, o aspecto em U tende a se associar com maior frequência ao nascimento pré-termo. Vale ressaltar que existe um menor corpo de evidências quanto ao afunilamento isolado do colo, que sinaliza risco associado variável. Logo, seu principal valor reside em aumentar o poder preditivo quando combinado ao encurtamento do colo uterino.

Um estudo com 1.958 gestantes que realizaram ultrassonografia transvaginal para avaliação do comprimento do colo e presença de sinal de afunilamento concluiu que apenas o comprimento do colo (OR 1,12, IC 95% 1,08-1,16, p<0,001), a presença de afunilamento (OR 6,29, IC 95% 2,52-15,71, p<0,001) e a história prévia de parto prematuro (OR 2,71, IC 95% 1,44-5,09, p<0,02) associaram-se significativamente com parto ≤34 semanas. Em gestantes com comprimento de colo de 20 mm, o risco de parto ≤34 semanas foi de 7%, tendo aumentado para 34%, na presença de sinal de afunilamento, e para 59%, se também houvesse história prévia de parto prematuro. Esse estudo indica que a associação de fatores de risco clínicos ou ultrassonográficos eleva o risco de prematuridade.

Sludge
Com aspecto ecográfico semelhante ao “barro” por vezes encontrado em pacientes sob avaliação da vesícula biliar, esse aglomerado de mucoproteínas é identificado próximo ao orifício interno do colo uterino e, aparentemente, se relaciona com a presença de bactérias no interior do saco gestacional, elevando o risco de prematuridade por desencadear mecanismos bioquímicos ligados ao trabalho de parto, como a cascata das interleucinas. Alguns autores, como Romero e colegas, consideram que a ocorrência desse sinal associa-se a um aumento de quatro a cinco vezes na taxa de prematuridade. Assim como o afunilamento, o achado de sludge é mais relevante quando concomitante ao colo curto. Nessas pacientes, parece haver benefício da antibioticoterapia.

Em estudo nacional, observacional, com 86 gestantes com sludge, foi feita uma comparação histórica dos casos numa época em que não era utilizado o antibiótico nessa situação clínica (de outubro de 2010 a setembro de 2012) e num período com utilização de antibiótico (de outubro de 2012 a janeiro de 2015). No subgrupo de 51 pacientes com colo uterino curto, observou-se redução significativa na taxa de parto espontâneo abaixo de 34 semanas nas gestantes que fizeram antibioticoterapia (38,5% de partos no período sem uso de antibiótico contra 13,2% no período de uso do antibiótico). Para as demais idades gestacionais analisadas, menores que 28, 32, 35 e 37 semanas, apesar do menor número de partos no período do tratamento com antibiótico, a diferença não atingiu significância estatística.

Em gestantes de baixo risco, a antibioticoterapia usada foi clindamicina oral, 300 mg, a cada seis horas, e cefalexina 500 mg, a cada seis horas, durante sete dias. Já para gestantes de alto risco, o esquema utilizado foi de clindamicina intravenosa 600 mg, a cada oito horas, e cefazolina intravenosa 1 g, a cada oito horas, por cinco dias, seguido de cinco dias de tratamento oral.

Outros estudos prospectivos e randomizados são necessários para a comprovação do benefício da antibioticoterapia em casos de sludge, assim como de outros esquemas terapêuticos, como o uso da cefalosporina cefuroxima e ampicilina com sulbactam, entre outros.

A gestante em avaliação foi reavaliada uma semana após o diagnóstico inicial de colo curto, quando se observou colo uterino com 19,5 mm. Após assessoria médica com a obstetra e explicação dos riscos, o casal optou pela colocação do pessário vaginal e pelo uso de clindamicina oral 300 mg e cefalexina 500 mg, a cada seis horas, durante sete dias.


CONDUTA

Progesterona micronizada via vaginal
A ação farmacológica desse hormônio na prevenção de prematuridade ocorre por diminuição da síntese de receptores de estrogênio, redução da síntese de receptores de ocitocina, aumento da síntese de betarreceptores, queda do cálcio livre intracelular e elevação do cálcio no retículo sarcoplasmático na musculatura uterina.

Em gestações únicas com antecedente de parto prematuro espontâneo, o uso diário da progesterona natural micronizada por via vaginal reduz pela metade o risco de o bebê nascer com menos de 37 semanas. Já em gestações únicas com colo uterino inferior ou igual a 15 mm no segundo trimestre, essa terapêutica diminuiu em 44% a incidência de nascimentos abaixo de 34 semanas, modificando em quatro semanas a idade gestacional média da ocorrência de parto espontâneo.

Repouso: indicar ou não?
Também se discute a indicação do repouso, pois alguns ensaios apontam que essa conduta não resulta em aumento na idade gestacional ao nascimento na gravidez de risco para prematuridade. Contudo, como o comportamento das pacientes varia muito, pode ter ocorrido alguma espécie de viés, que não identificou o benefício desse método em tais estudos. Uma vez que se trata de uma recomendação que deveria ser inerente a qualquer gestação, a manutenção do repouso em casos de risco de prematuridade merece o apoio da equipe da Medicina Fetal do Fleury, que acredita em seu real proveito.

Pessário
A utilização desse artefato vem sendo estudada desde a década de 1950, porém em um número restrito de pacientes e sem metodologia científica adequada. Em 2012, foi publicado em um periódico científico de alto impacto um ensaio clínico prospectivo randomizado controlado, que avaliou mulheres entre 18 e 22 semanas de gestação de feto único com colo uterino menor que 25 mm em ultrassonografia transvaginal. O trabalho comparou um grupo de 190 gestantes para as quais se indicou o pessário com outras 190 para as quais se adotou conduta expectante. Os resultados demonstraram redução estatisticamente significativa da frequência de parto espontâneo antes de 34 semanas nas mulheres que utilizaram o artefato (OR 0,18, IC 95% 0,08-0,37, p<0,0001). Ademais, nesse grupo a idade gestacional média no momento do parto foi de 37,7 semanas, expressivamente maior do que as 34,9 semanas do grupo controle (p<0,0001). Já outro estudo inglês de grande casuística (460 no grupo pessário e 464 no grupo controle), realizado em gestações únicas com colo menor que 25 mm e publicado em 2016, não encontrou diferença entre os grupos avaliados (OR 1,12, IC 95% 0,75-1,69, p = 0,57). Nesse estudo, tanto as gestantes controle quanto as que usaram pessário receberam 200 mg de progesterona vaginal quando tinham colo uterino menor que 15 mm.

Imagem ultrassonográfica do colo uterino após a colocação do pessário vaginal.

Uma metanálise de estudos randomizados, publicada em 2019, avaliou três estudos que incluíram 1.612 gestações únicas com colo curto (≤25 mm), medido entre 22 e 24 semanas de gestação, comparando o uso de pessário vaginal versus placebo. Os dados demonstraram que a utilização de pessário reduziu o risco de parto prematuro espontâneo antes de 37 semanas em 54% e associou-se com risco duas vezes maior de parto por via vaginal. Uma subanálise de dois estudos com baixo risco de viés concluiu que houve redução de 67% do risco de parto prematuro espontâneo antes de 34 semanas.

O Fleury utiliza o pessário de Arabin, modelo ASQ, perfurado, diante do encurtamento do colo uterino, mesmo na vigência da progesterona vaginal, podendo ser inserido até 26 semanas de gestação. Mulheres que, no momento do diagnóstico, apresentam colo uterino menor que 15 mm ou com afunilamento superior ou igual a 50% também podem se beneficiar do uso do pessário associado ao da progesterona já na primeira abordagem.


CONCLUSÃO

A prematuridade apresenta uma incidência global de cerca de 15 milhões por ano, com índices variáveis de 5% a 18% em 184 países, maiores naqueles de renda baixa e média. O Brasil apresenta uma incidência de cerca de 10% e encontra-se entre os dez países com os maiores números de nascimentos pré-termo, de acordo com os dados da OMS.

Sugere-se que a maior frequência de gestações múltiplas decorrentes de tratamentos de fertilização assistida, a interrupção eletiva da gestação e a mudança de percepção do risco de prematuridade com a melhora do prognóstico em decorrência do avanço nos cuidados neonatais possam ter influência nesse acréscimo.

De qualquer forma, é evidente o impacto para a sociedade dos pontos de vista humano e socioeconômico, uma vez que a prematuridade representa a principal causa de mortalidade antes dos 28 dias de vida e em crianças com menos de 5 anos. Tal dimensão torna imperativa a realização de um esforço, por parte de toda a classe médica, para reduzir a ocorrência de partos prematuros, o que começa com o rastreamento desse risco.

O padrão-ouro para identificar o risco em questão é a avaliação transvaginal do colo uterino na ocasião do exame morfológico de segundo trimestre e a prevenção com a progesterona natural vaginal, que pode ser associada à colocação do pessário.

 

CONSULTORIA MÉDICA 

Medicina Fetal 

Dr. Javier Miguelez
[email protected]

Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho
[email protected]

Dr. Osvaldo Tsuguyoshi Toma
[email protected]