Como diagnosticar e tratar a amenorreia hipotalâmica funcional | Revista Médica Ed. 3 - 2017

A amenorreia é a ausência ou a interrupção anormal da menstruação, que acomete de 3% a 4% da população feminina.

Endocrine Society publica novas diretrizes para a abordagem da condição


  

Tecido do ovário visto por microscopia eletrônica

A amenorreia é a ausência ou a interrupção anormal da menstruação, que acomete de 3% a 4% da população feminina. Pode ser primária, quando a paciente não menstrua até os 14 anos sem desenvolvimento de caracteres sexuais ou até os 16 anos com desenvolvimento de caracteres sexuais, ou secundária, quando não há menstruação por três ciclos consecutivos ou por seis meses. A condição tem diferentes etiologias, dentre elas as diversas causas de anovulação, a hiperprolactinemia e a insuficiência ovariana primária.

A amenorreia hipotalâmica funcional (AHF), uma das causas mais comuns da forma secundária da amenorreia (35%), consiste em um comprometimento do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal não decorrente de alterações orgânicas identificáveis, mas frequentemente associada com estresse, perda de peso ou atividade física excessiva. Na verdade, esses três fatores são considerados as principais causas subjacentes de AHF, conforme destacado nas diretrizes de prática clínica para o diagnóstico e o tratamento dessa condição, publicadas pela Endocrine Society na edição de maio de 2017 do The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism e resumidas na presente oportunidade.

O documento sugere que o diagnóstico de AHF seja feito após a exclusão de distúrbios anatômicos ou orgânicos que justifiquem a amenorreia e que a avaliação diagnóstica seja realizada em adolescentes e mulheres com intervalo dos ciclos menstruais superior a 45 dias e/ou naquelas que estejam sem menstruar há, pelo menos, três meses.

Em termos de avaliação laboratorial, nas pacientes com suspeita de AHF, as diretrizes preconizam desde testes gerais de análises clínicas para rastreamento de causas orgânicas até dosagens para avaliação endócrina.

Avaliação laboratorial nas pacientes com suspeita de AHF
  • O rastreamento (baseado no quadro clínico) pode incluir: ß-hCG, hemograma completo, eletrólitos, glicemia, bicarbonato, ureia (com cálculo de nitrogênio ureico no sangue), creatinina, função hepática e, quando apropriado, velocidade de hemossedimentação e/ou proteína Creativa
  • Avaliação endócrina inicial: TSH, T4 livre, prolactina, LH, FSH, estradiol e hormônio antimülleriano
  • Pacientes com hiperandrogenismo clínico: testosterona e sulfato de de-hidroepiandrosterona (DHEAs), colhidos às 8 horas da manhã ou até duas horas após o despertar
  • Suspeita de hiperplasia adrenal congênita de início tardio: dosagem de 17-hidroxiprogesterona às 8 horas da manhã ou até duas horas após o despertar

As pacientes com AHF apresentam níveis baixos ou normais baixos de LH, concentrações normais de FSH (geralmente maiores dos que as de LH), estradiol <50 pg/mL (<5 ng/dL) e progesterona <1 ng/mL (<100 ng/dL). Em casos selecionados, pode-se realizar a prova de estímulo de GnRH, também conhecida como teste do LHRH. Em pacientes com níveis de estradiol persistentemente inferiores a 20 pg/mL (2 ng/dL), esse é o único exame que pode diferenciar entre AHF e hipogonadismo hipogonadotrófico. A resposta ao estímulo de GnRH, com aumento de duas a três vezes no LH e no FSH em comparação aos níveis basais, fica preservada na AHF. Destaca-se que um valor isolado de estradiol não confirma o diagnóstico desse tipo de amenorreia.

O teste com progesterona continua sendo uma recomendação após a exclusão de gravidez, com a finalidade de induzir sangramento e assegurar que não há obstrução ao fluxo menstrual. Pode ser feito com acetato de medroxiprogesterona 5 a 10 mg/dia, por cinco a dez dias, acetato de noretisterona 5 mg/dia, por cinco a dez dias, ou progesterona micronizada 200 a 300 mg/dia, por dez dias. A resposta fornece informações sobre o estado estrogênico da paciente, já que a falta de sangramento após a administração pode indicar baixa exposição endometrial ao estrogênio ou mesmo obstrução anatômica.

O uso de métodos de imagem nesse contexto, como ressonância magnética encefálica e densitometria óssea, também está recomendado em algumas situações. Se não houver indicações claras ou outras explicações para a amenorreia, como anorexia nervosa ou história de exercícios excessivos, perda de peso e outros transtornos alimentares, a ressonância encefálica também pode ser considerada.

Indicações de ressonância magnética encefálica (com cortes dirigidos para hipófise e utilização do agente paramagnético)
  • Episódios de cefaleia persistente ou intensa
  • Alteração da visão, sede ou micção não atribuídas a outras causas
  • Vômitos persistentes não autoinduzidos
  • Sinais neurológicos localizatórios
  • Sinais clínicos e/ou resultados laboratoriais que sugiram excesso ou deficiência de hormônios hipofisários
Indicações de densitometria óssea
Adolescentes ou mulheres com seis meses ou mais de amenorreia. O exame deve ser solicitado mais precocemente naquelas com história ou suspeita de deficiência nutricional grave, outros déficits de energia e/ou fragilidade esquelética

Se a amenorreia for primária, deve-se avaliar a presença de anomalias congênitas ou adquiridas do trato mülleriano. Na presença concomitante de AHF e síndrome dos ovários policísticos, sugere-se a realização de densitometria basal, de acordo com as mesmas indicações já mencionadas, e monitoramento mediante instituição de tratamento com gonadotrofinas exógenas.

A AHF apresenta, como consequências, alterações no metabolismo, na função neuroendócrina e na ovulação. Entre os riscos mais significativos estão o retardo da puberdade, a infertilidade e aqueles ligados ao hipoestrogenismo crônico, ou seja, perda ou incapacidade de obter o pico de massa óssea, com risco aumentado de osteoporose e fraturas.

Independentemente do fator desencadeante, a AHF caracteriza- se por anormalidades na dinâmica de secreção do GnRH. A correção ou a melhora dos fatores comportamentais causais restabelecem a função ovulatória. Por essa razão, as diretrizes enfatizam a necessidade de obter uma história clínica detalhada, que inclui informações sobre a dieta, exercícios, transtornos de humor, transtornos alimentares e presença de outros fatores estressores psicológicos. Uma das bases para o tratamento é corrigir o desequilíbrio de energia por meio de alteração comportamental, envolvendo intervenções sobre nutrição, atividade física e apoio psicológico para melhorar a função do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.

Referência: Gordon CM, et al. Functional hypothalamic amenorrhea: an Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2017;102(5):1413-39.

Assessoria Médica
Endocrinologia
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Ginecologia
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Ginecologia
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Dr. Sérgio S. Maeda
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