Como e por que rastrear a tuberculose latente | Revista Médica Ed. 5 - 2015

Nesse contexto, ganham destaque os testes que flagram a resposta imunológica específica contra antígenos do bacilo, em especial o Quantiferon TB Gold, na ausência do PPD.

Nesse contexto, ganham destaque os testes que flagram a resposta imunológica específica contra antígenos do bacilo, em especial o Quantiferon TB Gold, na ausência do PPD


O diagnóstico da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) representa um desafio na prática clínica e é especialmente importante nos indivíduos com risco aumentado de reativação da tuberculose, para quem poderia ser benéfica a instituição do tratamento preventivo, quando indicado. Embora, no mundo, sejam registrados cerca de 9 milhões de novos casos da doença por ano, estima-se que, pelo menos, um terço da população mundial esteja infectado pelo bacilo. Os indivíduos expostos a situações de possível contaminação recente e aqueles com condições que alteram a imunidade apresentam o maior risco e merecem ser rastreados. Mas não existe um padrão-ouro para o diagnóstico de ILTB. Atualmente, estão disponíveis diversas técnicas que demonstram a presença de resposta imunológica celular específica contra antígenos do M. tuberculosis e que, portanto, refletem de modo indireto a infecção pregressa e, muito provavelmente, a persistência de infecção latente.



Situações em que se recomenda o rastreamento sistemático para ILTB
Extremos etários
  • Crianças menores de 2 anos
  • Indivíduos com 60 anos ou mais
Grupos com maior probabilidade de aquisição recente da infecção
  • Profissionais de saúde
  • Contatos domiciliares ou institucionais bacilíferos
Alteração na resposta imunológica do hospedeiro
  • Infecção pelo HIV
  • Doenças ou tratamentos imunossupressores ou uso de imunobiológicos1
  • Neoplasia de cabeça e pescoço
  • Doença renal crônica em diálise
  • Transplante de órgãos sólidos
  • Desnutrição
  • Alcoolismo

(1) Notadamente, os anticorpos bloqueadores do fator de necrose tumoral (anti-TNF-alfa).


Teste cutâneo tuberculínico – o clássico PPD

O exame tradicional para detecção de ILTB é o teste cutâneo tuberculínico, classicamente conhecido como PPD (do inglês, purified protein derivative), que consegue observar uma resposta de hipersensibilidade tardia em indivíduos previamente infectados pela micobactéria, detectável em 48 a 72 horas após a aplicação intradérmica do antígeno. 


A sensibilidade do método está diretamente relacionada à integridade do sistema imunológico do paciente, algo relevante porque grande parte dos indivíduos que se beneficiam do rastreamento é imunossuprimida. A interpretação de um resultado negativo nesse grupo deve ser, portanto, cautelosa, pois pode decorrer de um comprometimento da resposta celular, independentemente da presença da infecção micobacteriana. 


Já a especificidade para ILTB esbarra na incapacidade de um teste positivo distingui-la de uma doença ativa e até mesmo de uma infecção pregressa resolvida. Ademais, como o teste utiliza um extrato com múltiplas proteínas micobacterianas, existe a possibilidade de o resultado ser positivo em pessoas não infectadas e recentemente vacinadas com BCG, em virtude de antígenos compartilhados entre M. bovis e demais espécies do complexo M. tuberculosis. O fato é que a acurácia e a reprodutibilidade do método dependem da habilidade de quem realiza a leitura.


Quantiferon TB Gold – uma alternativa recente

Parte de um grupo de exames denominado ensaios de liberação de interferon-gama, ou IGRAs (do inglês, interferon-gamma release assays), o Quantiferon TB Gold é uma técnica que não depende do examinador e que tem sido empregada de forma crescente no diagnóstico da ILTB, sobretudo na indisponibilidade do PPD, constatada nos últimos meses. 


O teste, feito em amostras de sangue, baseia-se na detecção imunoenzimática de interferon-gama produzido por linfócitos de memória específicos, a partir do estímulo com os antígenos ESAT-6, CFP-10 e TB7.7 do M. tuberculosis, o que lhe confere a vantagem de não produzir reação cruzada com a vacinação prévia com BCG ou com a maioria das micobactérias não tuberculosis. Ademais, a técnica conta com um controle de estimulação de resposta imunológica celular por mitógenos inespecíficos, permitindo diferenciar a ausência de liberação da citocina causada por imunossupressão daquela decorrente da inexistência de infecção latente. O ensaio é considerado positivo quando a dosagem do interferon-gama produzido pelos linfócitos sob estímulo dos antígenos da micobactéria está acima do cutoff do método, após a subtração da quantidade basal de interferon contida em um tubo de controle negativo. 


Estudos mostram que o Quantiferon TB Gold apresenta especificidade superior ao PPD, sobretudo se o indivíduo recebeu doses adicionais da BCG depois da infância. Já a sensibilidade está relacionada, entre outros fatores, com a idade do paciente, sendo mais baixa em crianças menores de 5 anos. A utilidade em indivíduos com HIV/aids ainda é controversa.


Vale ressaltar que, assim como o PPD, o ensaio não consegue distinguir uma doença latente da tuberculose ativa.


Microscopia flagra fagocitose de M. tuberculosis por macrófago.

Entenda a imunopatogenia da infecção latente
Adquirida por via inalatória, a infecção pelo M. tuberculosis ocorre quando partículas contendo bacilos alcançam os alvéolos pulmonares do hospedeiro. Diante de resposta imunológica inata competente, as micobactérias são rapidamente fagocitadas e inativadas pelos macrófagos alveolares, com subsequente ativação da resposta imunológica adaptativa. A integridade desse mecanismo permite a migração de linfócitos e outras células especializadas para o sítio primário de infecção, que assume a estrutura do granuloma típico, onde os bacilos persistem em uma forma dormente e metabolicamente inativa. 


Por outro lado, se houver uma falha em qualquer etapa desse processo, por evasão do bacilo ou por falhas na imunidade, o agente começa a se replicar e a se difundir para células vizinhas, incluindo as epiteliais e as endoteliais, até atingir uma carga bacilar considerável, quando, então, pode ocorrer também a disseminação linfática e hematogênica para outros órgãos e tecidos, além do pulmão.


O infiltrado granulomatoso é um processo dinâmico, pois, apesar de a maior parte dos bacilos permanecer dormente durante a latência da infecção, um pequeno número continua replicante, sendo processado e inativado, o que mantém constante o recrutamento e a ativação de linfócitos T efetores e de memória, específicos a um repertório de antígenos micobacterianos. Esse aspecto não só tem impacto clínico – a ruptura desse equilíbrio, afinal, determina a evolução para a doença –, como também diagnóstico, visto que o estudo da atividade dessas células é o recurso utilizado na identificação da infecção latente e na estratificação do risco de reativação.


Embora se considere o complexo primário como a fonte de reativação da tuberculose, evidências atuais apontam que bacilos viáveis podem também ser recuperados de outras partes do tecido pulmonar e de sítios extrapulmonares de pessoas infectadas e não doentes, inclusive de amostras sem alterações inflamatórias histopatológicas.


Assessoria Médica
Dra. Carolina dos Santos Lázari
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Dr. Celso F. H. Granato
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Dr. Jorge Luiz M. Sampaio
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