Como prevenir as quedas e suas complicações

Intervenções eficazes passam pela identificação de fatores de risco e pela prática de exercícios

Com o avanço da idade, o risco de queda aumenta significativamente, constituindo-se no acidente doméstico mais frequente  em idosos e na principal causa de óbito acidental e de danos não  fatais em indivíduos com mais de 65 anos de idade. Segundo a  Organização Mundial da Saúde, de 28% a 35% dos idosos caem  ao ano no mundo. Cerca de metade destes começa a apresentar  quedas recorrentes.

Tais episódios podem causar danos de diferentes gravidades,  com aumento da morbimortalidade, redução da função e admissão prematura em instituições para idosos. Cerca de 40% a  60% das ocorrências resultam em lacerações graves, fraturas ou  traumatismo craniano. Em pacientes que sofrem fratura de quadril, quase 95% decorrem de quedas.

Considerada um problema de  saúde pública e uma complexa síndrome geriátrica, a queda  deriva de múltiplas causas e fatores de risco predisponentes,  podendo indicar desde o início  da redução da capacidade funcional, marcada pelas alterações relacionadas com a idade  na visão, marcha e força, até o  sintoma de uma nova doença,  seja aguda (infecções, hipotensão postural e arritmia cardíaca),  seja crônica (parkinsonismo, demência e neuropatia diabética).

Destaca-se que a história de quedas aumenta o risco de o indivíduo cair futuramente em duas a seis vezes. Além disso, a maioria dos casos que envolvem idosos tem causas precipitantes e  predisponentes multifatoriais, bem como inter-relacionadas  (quadro 1), algumas das quais modificáveis, devendo, portanto,  ser conhecidas para possibilitar a adoção de medidas preventivas. Aproximadamente 60% das ocorrências são resultantes de  múltiplos fatores.



A maioria das quedas não resulta em consequências  físicas para o indivíduo, de modo que, tão importante quanto identificar os fatores de risco em si, é  detectar aqueles que efetivamente causam dano,  os quais incluem, entre as pessoas que vivem na  comunidade, história prévia de queda com fratura,  etnia caucasiana, comprometimento da função  cognitiva e prejuízo do equilíbrio. Já nos idosos  institucionalizados, envolvem fraqueza de membros inferiores, sexo feminino, comprometimento da visão e da audição, desorientação, número  de quedas, prejuízo do equilíbrio, tonturas, baixa  massa corporal e uso de restrições mecânicas.

CONSEQUÊNCIAS

Além dos danos físicos e do aumento nos índices  de mortalidade, as quedas provocam outras graves  consequências para o indivíduo. O medo de cair  também é reconhecido com uma sequela nesse  contexto e tem alta prevalência na população geriátrica – de 30% a 73%. O temor de uma nova queda  (síndrome de ansiedade pós-queda) desencadeia  uma cascata de eventos que podem levar o idoso  a isolamento social, perda da função, baixa autoestima, perda da confiança em deambular com  segurança e depressão. A restrição da atividade  após a queda pode ser decorrente tanto do medo  de cair novamente quanto da dor ou da incapacidade funcional.

O tempo de reabilitação depois da ocorrência pode  ser demorado e dar origem a outras complicações  se o idoso permanecer em imobilidade prolongada,  como tromboembolismo venoso, úlceras de pressão  e incontinência urinária.

Convém lembrar ainda dos problemas sociais,  principalmente nos indivíduos que se tornam  dependentes de outras pessoas, familiares ou  cuidadores, bem como do maior risco de institucionalização naqueles que caem de forma recorrente. Eventos repetidos de quedas representam  um motivo comum para a admissão de pessoas  previamente independentes em instituições de  cuidado em longo prazo.

O tempo de reabilitação depois da  ocorrência pode ser demorado e  dar origem a outras complicações  se o idoso permanecer em  imobilidade prolongada.

AVALIAÇÃO

Em pacientes com mais de 65 anos, recomenda-se  avaliação anual com pesquisa ativa sobre a ocorrência  e número de quedas, além de eventuais danos e surgimento de dificuldade para caminhar ou no equilíbrio.  Essa busca se justifica porque somente 36% dos homens  e 50% das mulheres que caem um ano antes de uma  consulta comentam o episódio com seus médicos.

Algumas organizações, como o Centers for Disease  Control and Prevention (CDC) norte-americano, recomendam o uso de ferramentas para avaliação da queda  e determinação do risco para, então, definir as estratégias  de prevenção. O questionário do CDC, preenchido pelo  paciente, inclui as seguintes perguntas: 

• Caiu no último ano? Se a resposta foi ‘sim’, quantas  vezes caiu ou apresentou dano? • Sente falta de equilíbrio quando fica em pé ou caminha? 

• Tem preocupações de cair?

Se o paciente responder ‘sim’ a alguma delas, devem  ser realizados testes para avaliação de marcha, força e  equilíbrio. Se esses critérios estiverem normais ou se  a resposta for ‘não’ a todas as perguntas, o paciente é  considerado de baixo risco.

Atribui-se um risco moderado ao paciente que apresenta algum problema na marcha, força ou equilíbrio, com  nenhuma ou, ao menos, uma queda sem dano. Por  outro lado, aqueles com marcha, força ou equilíbrio comprometidos, com uma queda com dano ou duas ou mais  quedas sem dano, precisam ser submetidos a uma avaliação de risco multifatorial, que deve revisar as questões da  ferramenta utilizada, os episódios ocorridos, o uso de medicamentos, a acuidade visual, a presença de hipotensão ou  vertigem postural, os calçados utilizados e a utilização de dispositivos para auxiliar a caminhada, além de contemplar avaliação cognitiva. Conforme esse conjunto de itens, o paciente  poderá ser classificado como de alto risco.

PREVENÇÃO

A prevenção das quedas ou do risco de cair consiste na  identificação dos fatores de risco, no entendimento da  interação e do possível sinergismo entre esses múltiplos  fatores e na atuação sobre os potencialmente modificáveis, bem como em intervenções específicas para cada  faixa de grupo de risco. Há também o uso de dispositivos  de telecomunicação que enviam alertas quando uma  queda acontece, possibilitando que uma ajuda chegue  de maneira mais rápida. 

De modo geral, as estratégias podem ser divididas em  diferentes categorias: avaliação multidimensional do  risco de queda em conjunto com sua redução, programas de exercícios de vários tipos, avaliação e modificação ambiental, intervenções multifatoriais e intervenções  institucionalizadas. Embora o objetivo da prevenção seja  comum a todas, a abordagem de cada uma difere.

Avaliação multidimensional do risco de queda  em conjunto com sua redução

Tem, como objetivo, identificar os fatores de risco para futuras quedas e implementar intervenções apropriadas para  reduzi-los. A avaliação multidimensional pode ser ampla,  mais apropriada para os indivíduos de alto risco – aqueles  que acabaram de cair ou com múltiplos fatores de risco  para quedas –, ou focalizada, mais apropriada para as pessoas de risco médio, como a população idosa independente que vive na comunidade.

Itens da avaliação multidimensional ampla:

• História das circunstâncias da queda e dos problemas  de saúde 

• Revisão dos medicamentos usados 

• Avaliação da mobilidade 

• Exame da visão, marcha e equilíbrio 

• Exame das articulações dos membros inferiores 

• Exame neurológico básico, incluindo força muscular  e status mental 

• Avaliação da condição cardiovascular 

• Eventuais testes de desempenho funcional e avaliação  ambiental da moradia do idoso

Já a avaliação multidimensional focalizada serve  para rastrear os idosos que se beneficiarão de  intervenções direcionadas, como programas de  exercícios, uso de dispositivos ou mesmo necessidade de avaliação multidimensional ampla. Esse  modelo inclui testes simples de marcha, equilíbrio,  mobilidade ou força. Frequentemente também  são incluídas avaliações da visão, cognição e pressão arterial ortostática, além de revisão dos medicamentos utilizado.

Intervenções de exercícios

Os exercícios costumam melhorar a fraqueza  muscular, o equilíbrio e a marcha, todos fatores de  risco importantes para quedas. Os programas propostos podem ser em grupo ou individualizados,  feitos em casa. No primeiro caso, são realizados duas  a três vezes por semana por cerca de uma hora e  supervisionados por um fisioterapeuta ou treinador  físico. A maioria inclui uma combinação de exercícios  para melhorar a flexibilidade, a força e o equilíbrio e  conferir algum nível de condicionamento aeróbico. 

Os programas individualizados feitos em casa  abrangem os mesmos tipos de exercícios que  os realizados em grupo, somente em número e  intensidade menor.

Avaliação e modificação ambiental

Bastante promissora, consiste em identificar e remover potenciais perigos, como desorganização,  iluminação ruim e tapetes, além de modificar o local  para melhorar a mobilidade e a segurança do idoso.  Entre essas medidas estão barras de apoio, assentos  sanitários elevados e cama com altura rebaixada.

Intervenções multifatoriais

Combinam várias estratégias de prevenção de quedas em um programa coordenado. De modo geral,  incluem algum grau de avaliação do risco de queda,  seguida por modificação do fator de risco, como  exercício, educação ou alteração do ambiente.

Em instituições ou casas de repouso, as intervenções  multifatoriais frequentemente incluem estratégias  de prevenção para os residentes, como exercícios,  revisão dos medicamentos e protetores de quadril,  educação da equipe para a prevenção de quedas e  modificações do ambiente.

Intervenções institucionalizadas

Ferramentas para avaliação do risco de queda são comumente usadas em instituições para identificar as  pessoas com maior probabilidade de cair ou de ter  dano relacionado à queda, bem como para isolar fatores de risco específicos com alguma intervenção.  

O indivíduo é classificado como de risco alto, médio  ou baixo para queda com base na presença de fatores como comprometimento cognitivo, disfunção da  mobilidade, incontinência, doença aguda ou crônica,  déficits sensoriais, uso de medicamentos e história de  quedas. Diante de um paciente de alto risco, um plano  de cuidado deve ser desenvolvido, com a inclusão de  intervenções direcionadas para prevenir danos.

Abordagem para cada grupo de risco

A adoção de apenas uma intervenção, como a realização de exercícios físicos, sem uma avaliação completa  multifatorial, é efetiva na prevenção das ocorrências.  A intervenção multifatorial, com a combinação, por  exemplo, de exercícios físicos e redução do uso de  medicamentos, deve ser individualizada e, portanto,  não recomendada rotineiramente para todos os idosos que vivem na comunidade. Esse tipo de medida  reduz o número de quedas em cerca de 25%. 

Nos pacientes de baixo risco, as intervenções individualizadas recomendadas incluem educação  e exercício físico para melhora da força muscular e  do equilíbrio. Para o risco moderado, preconiza-se  educação, revisão e modificação dos medicamentos, encaminhamento para um preparador físico para  melhoria de marcha, força muscular e equilíbrio ou,  ainda, para um programa de prevenção de quedas.

Intervenções individualizadas nos pacientes de alto risco:

• Educação 

• Encaminhamento para um preparador físico para  melhorar a marcha, a força muscular e o equilíbrio 

• Tratamento e monitoramento da hipotensão 

• Substituição de medicamentos 

• Tratamento de problemas nos pés 

• Melhora na visão 

• Melhora na segurança em casa

Os pacientes de alto risco devem ser seguidos dentro  de 30 dias para revisar o plano de intervenções, avaliar  os comportamentos para a redução do risco de quedas,  discutir as barreiras que possam aparecer para a adesão  e mudar a estratégia para um programa de exercícios  de manutenção, quando possível. 

Quando analisadas como grupo, as intervenções que  utilizam a avaliação de risco multidimensional e sua  redução diminuem o risco de queda em 18% e o número médio de quedas em 43%. A segunda estratégia  isolada mais efetiva é o exercício, que objetiva melhorar  o equilíbrio, a força, a flexibilidade ou a resistência. De  modo geral, a prescrição de exercícios reduz o risco de  quedas em 12% e o número médio de quedas em 19%.  A atividade física é efetiva quando usada isoladamente  e quando incluída como parte da intervenção multifatorial. Os programas de exercícios efetivos são aqueles que incluíram Tai chi, treinamento do equilíbrio e da  marcha e construção de força. 

Em resumo, grande proporção de quedas e dos danos  consequentes em idosos decorre de múltiplos fatores  de risco, muito deles passíveis de mudança ou eliminação com estratégias de prevenção direcionadas, entre as  quais as mais promissoras incluem a avaliação multidimensional do risco de queda e os exercícios físicos.


Referências

1. Moncada LVV, Mire G. Preventing falls in older persons. Am Fam Physician.  2017;96(4):240-7. 

2. Rubenstein LZ, Josephson KR. Falls and their prevention in elderly people: what  does the evidence show? Med Clin N Am. 2006;90:807-24. 

3. Vieira ER, Palmer R, Chaves PHM. Prevention of falls in older people living in the  community. BMJ. 2016;353:i1419.


CONSULTORIA MÉDICA 

Geriatria

Dr. Nelson Carvalhaes  

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