Contribuição da genética no diagnóstico de feocromocitoma/paraganglioma

Novo painel contempla grupos moleculares de variantes alélicas patogênicas ligadas a casos familiais


O feocromocitoma/paraganglioma (FEO/PGL) é uma neoplasia neuroendócrina rara, com incidência de 0,8/100.000 pacientes/ano. Trata-se de uma doença subestimada, com 50% dos casos diagnosticados em autópsias, a ponto de se estimar uma prevalência de 250-1300 casos/milhão em estudos de autópsias. A ocorrência é mais frequente entre a quarta e a quinta década de vida, tendo natureza benigna em 80-90% dos casos.

A doença se caracteriza pelo aumento na produção de catecolaminas pelas células cromafins, que, na maioria dos pacientes, tem origem na medula adrenal. Nos demais, a neoplasia está localizada fora da adrenal, como nos gânglios simpáticos do sistema nervoso autônomo, quando é designada paraganglioma (PGL) ou feocromocitoma extra-adrenal.

A apresentação clínica desse tumor caracteriza-se por um amplo espectro de sinais e sintomas, destacando-se a presença de paroxismos (tríade de cefaleia, palpitação e sudorese), acompanhada de hipertensão arterial (HAS) em 20-30% dos casos. É importante citar que o FEO/PGL responde por cerca de 0,1-1% dos casos de hipertensão secundária e por 0,1% dos novos casos de HAS que surgem anualmente.

Uma vez que o FEO/PGL pode ser esporádico ou hereditário, algumas informações da história clínica, do exame físico e do diagnóstico laboratorial são importantes para essa diferenciação.


Diferenças na evolução clínica e nas condutas dos feocromocitomas hereditários


Diagnóstico

A presença de níveis elevados de catecolaminas ou dos seus metabólitos (metanefrinas), resultantes da degradação tumoral, constitui a base do diagnóstico de FEO/PGL funcionantes. Atualmente, as dosagens das metanefrinas urinárias (24 horas) e plasmáticas devem ser os exames iniciais. No plasma, convém medir esses metabólitos preferencialmente por HPLC acoplada à espectrometria de massa em tandem, o padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial, superior a qualquer combinação de exames para diagnóstico bioquímico de FEO/PGL. O encontro de metanefrinas plasmáticas (MLP) abaixo do valor de referência praticamente exclui FEO/PGL funcionantes, enquanto, na presença de dosagens 2-4 vezes acima do valor de referência, deve-se prosseguir a investigação com a cromogranina A ou o teste da clonidina com dosagens de metanefrinas plasmáticas.

Sugestão de fluxograma para investigação laboratorial


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O diagnóstico topográfico exige a realização da tomografia computadorizada (TC) de abdome com protocolo de adrenal e pelve, com ou sem contraste, devendo ser o exame inicial na investigação dessa neoplasia. Encontram-se valores de atenuação na fase pré-contraste superiores a 10 unidades Hounsfield (HU) e washout inferior a 60%. A ressonância magnética (RM) de adrenais e pelve constitui outro método diagnóstico topográfico com elevada sensibilidade diagnóstica (90-100%), evidenciando, na grande maioria dos casos, o hipersinal na sequência T2 e ausência de queda na intensidade do sinal na sequência out-of-phase. O método está indicado para os casos de FEO/PGL metastáticos e PGL de região cervical e intracardíaco, assim como na investigação de crianças, gestantes no segundo trimestre (sem contraste) e nos casos familiais.

Os métodos de Medicina Nuclear permitem melhorar o diagnóstico topográfico, funcional e de especificidade, como a cintilografia com MIBG marcada com iodo radioativo (131I ou 123I) e os exames de PET/CT com 68Ga-DOTA e com 18F-FDG, indicados quando há dúvida diagnóstica e nos casos familiais e metastáticos. O MIBG também tem aplicação teranóstica para pacientes com metástases que podem se beneficiar de tratamento com esse marcador. O estudo de PET-CT com 68Ga-DOTA ainda serve para casos metastáticos com indicação de protocolos de tratamento com lutécio (177Lu-DOTA).

Estudo genético para FEO/PGL

Cerca de 30-40% dos pacientes com FEO/PGL apresentam variante alélica patogênica germinativa e 46%, variante alélica patogênica somática. Evidentemente, a identificação de tais indivíduos depende de teste genético.

O Fleury dispõe de um painel genético para FEO/PGL e os candidatos para sua realização são:

  • Jovens (<45 anos de idade)
  • Antecedentes pessoais: hemangioblastoma de sistema de nervoso central, angiomas de retina, carcinoma renal de células claras, tumor neuroendócrino de pâncreas, neurofibromatose tipo 1, carcinoma medular de tiroide, hiperparatiroidismo primário, habitus marfanoide, neuromas mucosos, ganglioneuromatose intestinal, tumores pituitários e tumor estromal gastrointestinal
  • História familiar de feocromocitoma/carcinoma medular de tiroide/síndrome de von Hippel-Lindau
  • Lesão adrenal bilateral com valores de atenuação na fase pré-contraste portal >10 HU e washout <60% na TC
  • Paraganglioma: chance de uma variante alélica patogênica em torno de 50-80%, mesmo sem histórico familiar


Três quartos de todos os casos de FEO/PGL de etiologia genética podem ter, como causa do quadro, um dos clusters/grupos moleculares a seguir:

- Cluster/grupo I: variantes alélicas patogênicas que levam ao fenótipo bioquímico noradrenérgico, produzindo noradrenalina e/ou dopamina e, consequentemente, seus metabólitos normetanefrina e 3-metoxitiramina, mas não adrenalina ou seu metabólito metanefrina.

- Cluster/grupo II: variantes alélicas patogênicas que geram o fenótipo bioquímico adrenérgico/metanefrina.

- Cluster/grupo III: variantes alélicas patogênicas desse grupo que causam tumores que expressam cromogranina A.


Características FEO/PGL de acordo com a mutação, apresentação clínica e evolução 


Genes
Cluster 1 (relacionado ao ciclo de Krebs pseudo-hipóxico): SDHx (SDHA, B, C, D, F2), FH, MDH2 (10-15% de FEO/PGL)
Cluster 1 (relacionado ao VHL/EPAS1-
pseudo-hipóxico): VHL, EPAS1/2 (HIF2A), PHD1/2
(15-20% de FEO/PGL)
Cluster 2 (relacionado à sinalização quinase): RET, NF1, MAX, TMEM127, HRAS (50-60% de FEO/PGL)
Cluster 3 (relacionado à sinalização Wnt): CSDE1, MAML3 (5-10% de FEO/PGL)
Percentual de mutação germinativa
100%
25%
20%
0%
Vias de sinalização
Ciclo de Krebs, pseudo-hipóxica, estabilização e sinalização HIF-2-alfa
VHL/EPAS1-pseudo-hipóxico
Quinase, PI3K/AKT, RAS/RAF/ERK, mTORC1/p70S6K
Wnt
Bioquímica
Normetanefrina,
3-metoxitramina
Normetanefrina
Normetanefrina e metanefrina ou apenas metanefrina
Normetanefrina, metanefrina
Imagem
68Ga-DOTA-SSA PET-CT
(exceto para FH)
18F-DOPA PET-CT (possivelmente também para FH)
18F-DOPA PET-CT
Desconhecida
Localização do tumor
Extra-adrenal, na maioria
Adrenal, extra-adrenal
Adrenal
Desconhecida
Risco metastático
Elevado a intermediário
Baixo a intermediário
Baixo
Intermediário
Idade de apresentação
Precoce (abaixo de 20-30 anos)
Precoce, alguns até na infância
Tardia, mas pode aparecer precocemente
Desconhecida

Fonte: Nölting et al, 2019.


Principais genes identificados

Variantes alélicas patogênicas germinativas identificadas pelos casos de FEO/PGL familiais:

  • VHL (von Hippel-Lindau), associado à síndrome de von Hippel-Lindau
  • RET (rearranged during transfection) causando a síndrome de neoplasias endócrinas múltiplas tipo 2 (MEN 2)
  • NF-1 (neurofibromatose tipo 1): associado à doença de von Recklinghausen (neurofibromatose tipo 1)
  • Genes da síndrome dos paragangliomas familiares


Genes relacionados à síndrome dos paragangliomas familiares

Localização
Fenótipo
Hereditariedade
Gene
1p36.13
Paragangliomas 4
Autossômica dominante
SDHB
1q23.3
Paragangliomas 3
Autossômica dominante
SDHC
5p15.33
Paragangliomas 5
Autossômica dominante
SDHA
11q12.2
Paragangliomas 2
Autossômica dominante
SDHAF2
11q23.1
Paragangliomas 1, com ou sem surdez
Autossômica dominante
SDHD
14q24.3
Paragangliomas 7
Autossômica dominante
DLST
17p13.2
Paragangliomas 6
Autossômica dominante
SLC25A11


Variante alélicas patogênicas germinativas associadas com feocromocitoma/paraganglioma

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Legendas:
GIST: tumor estromal gastrointestinal; MEN2: neoplasia endócrina múltipla tipo 2; SDH: succinato desidrogenase.
*Os tumores do cluster 1 são principalmente paragangliomas extra-adrenais (exceto na BVS, em que a maioria dos tumores está localizada na adrenal) e quase todos têm um fenótipo bioquímico noradrenérgico.
Associada à impressão materna.
Δ Os tumores do cluster 2 são geralmente feocromocitomas adrenais com um fenótipo bioquímico adrenérgico.

Figura original modificada para esta publicação. WF jovem. Hipertensão endócrina. In: Williams Textbook of Endocrinology, Melmed S, Polonsky KS, Larsen PR, Kronenberg HM (Eds), 13ª ed, Elsevier Inc, Filadélfia 2015. p.556. 

Referência

Nölting S; Ullrich M; Pietzsch J; Ziegler CG; Eisenhofer G; Grossman A; Pacak K. Current Management of Pheochromocytoma/Paraganglioma: A Guide for the Practicing Clinician in the Era of Precision Medicine. Cancers 2019, 11: 1505.


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