A crescente importância dos métodos de imagem de corpo inteiro na investigação da doença
Para a avaliação diagnóstica correta do mieloma múltiplo (MM), é essencial combinar os achados clínicos, os exames laboratoriais, a biópsia de medula óssea e os métodos de imagem. O diagnóstico dessa condição baseia-se na infiltração de plasmócitos clonais na medula óssea, na detecção e na quantificação de proteína monoclonal (proteína M) no soro ou na urina e na evidência de lesões em órgãos-alvo, particularmente hipercalcemia, insuficiência renal, anemia e lesões ósseas, conhecidas pela sigla em inglês CRAB, de calcium, renal, anemia, bone. A presença de plasmócitos clonais deve ser documentada em todos os pacientes por imuno-histoquímica ou citometria de fluxo.
Exames laboratoriais para avaliação diagnóstica do MM |
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Mielograma evidencia a infiltração de plasmócitos em um caso de MM.
No diagnóstico do MM, diferentemente de outras doenças malignas, uma das maiores dificuldades se deve à necessidade de definição clinicopatológica da doença. Assim, até há pouco tempo, só era possível chegar a uma conclusão diagnóstica diante de manifestações clínicas de dano a órgãos-alvo. Essa complexidade impossibilitava ainda a instituição do tratamento antes do surgimento das lesões. Até 2014, utilizavam-se os critérios diagnósticos estabelecidos em 2003 pelo International Myeloma Working Group (IMWG), os quais, embora aceitáveis, pois os tratamentos disponíveis eram restritos, tinham efeitos colaterais significativos e não demonstravam benefício clínico em intervenções precoces.
Contudo, após o surgimento de melhores opções terapêuticas, que evidenciaram um retardo na progressão da doença e uma melhora na sobrevida de pacientes com mieloma múltiplo assintomático (MMA ou SMM, do inglês, smouldering myeloma) de alto risco tratados precocemente, esses critérios diagnósticos ficaram insuficientes. Além disso, houve grandes avanços nas áreas de laboratório e de imagem, o que implicou a atualização dos critérios CRAB em variáveis específicas. Dentro desse novo contexto, tornou-se fundamental a identificação de biomarcadores para caracterizar subgrupos de pacientes com MMA com alto risco de progressão da doença e dano a órgãos-alvo.
Sobre o mieloma múltiplo |
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Doença proliferativa de plasmócitos clonais, citogeneticamente heterogênea, o MM é a segunda entidade mais comum entre as neoplasias hematológicas e corresponde a 1% de todos os tipos de câncer. A média etária ao diagnóstico é de 65 anos, mostrando-se pouco mais frequente em homens do que em mulheres. Em quase todos os pacientes, o MM se desenvolve a partir de uma condição pré-maligna denominada gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI ou MGUS, do inglês, monoclonal gammopathy of undetermined significance), presente em cerca de 3% a 4% da população acima de 50 anos. A taxa de progressão da GMSI para MM é de cerca de 0,5% a 1,0% por ano, mas o risco sofre influência da concentração e do tipo de proteína monoclonal, da relação da cadeia leve comprometida versus a não comprometida, da plasmocitose medular, da imunoparesia e do imunofenótipo das células plasmáticas clonais. O MMA constitui um estágio clínico intermediário entre a GMSI e o MM, no qual o risco de progressão para doença maligna nos primeiros cinco anos após o diagnóstico é maior, em torno de 10% ao ano. Assim como na GMSI, há necessidade da ausência dos critérios CRAB para o diagnóstico do MMA, mas o que o diferencia da primeira é a porcentagem de plasmócitos (>10%) na medula óssea, bem como o nível sérico de proteína monoclonal (≥3 g/dL). Biologicamente muito heterogêneo, o MMA inclui pacientes similares aos que têm GMSI, com baixa taxa de progressão, e também aqueles que desenvolvem sintomas clínicos e dano a órgãos-alvo nos dois primeiros anos do diagnóstico. Infelizmente, não existe um único achado patológico ou molecular que possa ser usado para distinguir os pacientes com MMA que têm somente células plasmáticas clonais pré-malignas daqueles com MM com células clonais malignas. |
Definição de doença óssea
Já que inúmeros trabalhos demonstram a baixa sensibilidade do estudo radiográfico (RX) na identificação de lesões ósseas focais, o IMWG, em sua última atualização, modificou os critérios CRAB para doença óssea, que agora passou a ser caracterizada pela presença de uma ou mais lesões líticas de tamanho ≥5 mm, identificadas no estudo radiográfico e/ou na tomografia computadorizada (TC) de baixa dose e/ou no exame de PET/CT. Nessa atualização, o IMWG excluiu a osteoporose com fraturas compressivas dos critérios de doença óssea.
Critérios diagnósticos revisados para mieloma múltiplo e mieloma múltiplo assintomático |
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Eventos definidores de MM Evidência de dano em órgãos-alvo que possa ser atribuído à doença proliferativa de plasmócitos:
Ambos os critérios abaixo devem ser encontrados:
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A contribuição dos exames de imagem
Estudo radiográfico do esqueleto
Apesar de sua ampla disponibilidade, o exame de RX mostra-se pouco sensível na identificação de lesões ósseas focais, pois precisa haver uma destruição óssea local de 30% a 50% para que o método flagre as alterações. Essa sensibilidade é significativamente menor no esqueleto axial, região em que as lesões são mais comuns. Atualmente, a radiografia para o diagnóstico do MM só se justifica se os demais métodos de imagem não estiverem disponíveis.
Tomografia computadorizada de corpo de baixa dose (TCBD)
A TCBD tem sensibilidade superior à do estudo radiográfico do esqueleto na identificação de lesões ósseas focais associadas ao MM, principalmente as localizadas no esqueleto axial, e sensibilidade semelhante à da ressonância magnética (RM) e do exame de PET/CT, tendo sido incluída na última atualização dos critérios diagnósticos pelo IMWG.
A dose total de radiação utilizada corresponde aproximadamente ao dobro da dose de um estudo radiográfico do esqueleto e, de forma comparativa, é menor que a dose de uma TC convencional do abdome total. Apesar da baixa radiação, o estudo faz ótima avaliação de toda a estrutura óssea – uma varredura da cabeça até a perna proximal – e consegue detectar pequenas lesões focais, com excelente correlação interobservador, sem necessidade de administração de contraste.
Os novos equipamentos tomográficos permitem a aquisição de todo o estudo em poucos segundos e reconstruções multiplanares de alta qualidade, que auxiliam a diferenciação de lesões líticas do MM de outras lesões focais tipicamente benignas e não relacionadas à doença em investigação. Esse método, só recentemente incluído no organograma diagnóstico e já disponível no Fleury, substitui com vantagens o RX do esqueleto.
Ressonância magnética de corpo (RMCP)
A RM consegue identificar a infiltração da medula óssea mesmo sem a presença de lesão óssea focal e/ou antes de seu desenvolvimento, o que não é possível no RX e na TC, configurando, portanto, o método mais sensível nesse contexto. A sequência de difusão realizada na RMCP apresenta elevada sensibilidade para a detecção das lesões ósseas relacionadas ao MM, que aparecem com alto sinal devido à restrição do movimento browniano das moléculas de água no interior da lesão, consequência de sua rica celularidade. Assim, com imagens altamente sensíveis, a administração de contraste perde importância, ficando restrita a casos específicos e com condição clínica favorável.
Com base nos achados dos estudos de Hillengass et al. (2010) e Kastritis et al. (2014), o IMWG, em seu último consenso, definiu que os pacientes com MMA com mais de uma lesão óssea focal maior que 5 mm na RM devem ser considerados portadores de MM sintomático, sendo necessário o estabelecimento de tratamento, visto que esses indivíduos podem apresentar taxa de progressão para a forma sintomática de cerca de 70%, em dois anos. O IMWG sugere também que todos os pacientes com MMA sejam submetidos à RMCP ou, alternativamente, quando esta não estiver disponível, de RM de coluna total e bacia. Caso se identifique apenas uma lesão focal ou duas lesões menores que 5 mm, a evolução deve ser controlada em três a seis meses. Quanto ao padrão difuso identificado na ressonância sem lesões focais, acredita-se que estudos adicionais sejam necessários antes da incorporação desse achado nos critérios de definição de MM.
Vale adicionar que a RM é igualmente o método de escolha na avaliação de paciente com MM com dor, tanto no esqueleto axial quanto no apendicular, e na avaliação de compressão medular ou radicular, de fraturas vertebrais e de lesões extraósseas, bem como na pré-radioterapia.
TCBD com lesões líticas típicas do mieloma múltiplo, observadas nos corpos vertebrais de todos os segmentos da coluna vertebral, asa sacral direita, arcos costais, esterno, calota craniana e ilíaco direito.
RMCP com sequências T1, Stir, T1 pós-contraste e difusão.
Perspectivas
A atualização dos critérios diagnósticos de GMSI, MMA e MM sintomático representa importante mudança de paradigma na abordagem da doença. Essas alterações permitem a instituição de tratamento precoce, antes que surjam lesões em órgãos-alvo, em pacientes selecionados que estejam em risco iminente de progressão sintomática. Além de contribuírem nesse cenário, os avanços tecnológicos nos exames de imagem podem fornecer novas formas de monitoramento dessa neoplasia e avaliação de resposta à terapia.
Assessoria Médica |
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Diagnóstico por Imagem Dr. Alípio Gomes Ormond Filho [email protected] Dr. Marcelo Astolfi Caetano Nico [email protected] Dr. Marco Túlio Gonzalez [email protected] Hematologia Dr. Alex Freire Sandes [email protected] Dr. Edgar Gil Rizzatti [email protected] Dra. Maria de Lourdes Chauffaille [email protected] Dr. Matheus Vescovi Gonçalves [email protected] |
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