Diabetes e coração

A participação da hiperglicemia no desenvolvimento de doenças cardiovasculares

O diabetes mellitus (DM) é uma condição metabólica caracterizada por hiperglicemia persistente, que pode ser causada, em linhas gerais, pela deficiência da produção de insulina (DM1), resistência aos efeitos desse hormônio ou ambos os mecanismos (DM2).

Já o pré-diabetes consiste na condição em que a medida da glicemia fica acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM.

Estima-se que 9,3% da população mundial com idade entre 20 e 79 anos tenha DM, o que corresponde a 463 milhões de pessoas. Cerca de 90-95% dos casos são de DM2. Estudos de projeção demonstram que, em 2045, 700 milhões de indivíduos no mundo viverão com diabetes.


Efeitos do diabetes e risco cardiovascular

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a glicemia elevada representa a terceira causa de mortalidade prematura.

A presença de hiperglicemia persistente leva a complicações crônicas macro e microvasculares, com redução da qualidade de vida e elevação da taxa de mortalidade.

O DM2, em particular, é uma doença multifatorial, com componentes genéticos e ambientais envolvidos na sua fisiopatogenia. Aumenta o risco de desenvolver doença coronariana em duas a quatro vezes, além de ser fator de risco para acidente vascular cerebral isquêmico, insuficiência cardíaca, doença arterial obstrutiva periférica e doença microvascular. Também contribui para elevar o risco de mortalidade geral em 1,5-3,6 vezes, reduzindo a expectativa de vida em quatro a seis anos em comparação a indivíduos sem a doença.

De acordo com a Diretriz Brasileira para Prevenção de Doença Cardiovascular no Diabetes de 2017, os portadores de DM são categorizados em risco baixo, intermediário, alto e muito alto.



Fatores de risco cardiovascular para diabéticos

Indivíduos jovens que vivem com diabetes costumam ter risco cardiovascular baixo ou intermediário. No entanto, na presença de quaisquer dos fatores de estratificação listados abaixo, os pacientes migram para risco alto.

Fatores de estratificação de risco para pacientes com DM
- Idade >49 anos, para homens, e >56 anos, para mulheres
- DM com duração acima de dez anos
- História familiar prematura de doença cardiovascular
- Presença de síndrome metabólica (critérios da International Diabetes Federation)*
- Hipertensão arterial sistêmica tratada ou não
- Tabagismo atual
- Taxa de filtração glomerular <60 mL/min
- Albuminúria >30 mg/g de creatinina
- Neuropatia autonômica cardiovascular
- Retinopatia diabética

*Cintura >94 cm, para homens, e >80 cm, para mulheres, em associação a, pelo menos, dois dos seguintes critérios: triglicérides >150 mg/dL, glicose >100 mg/dL, pressão arterial ≥130/85 mmHg e HDL-colesterol <40mg/dL, em homens, e <50 mg/dL, em mulheres

Além dos fatores mencionados, a presença de marcadores de aterosclerose subclínica também faz com que os pacientes sejam considerados de alto risco.

Marcadores de aterosclerose subclínica
- Escore de cálcio coronariano >10 Agatston
- Angiotomografa de coronárias com presença de placas
- Presença de aneurisma de aorta abdominal
- Alterações da onda Q, do segmento ST ou da onda T no ECG
- Disfunção de VE sugestiva de isquemia
- Teste ergométrico alterado

A redução da morbimortalidade do indivíduo com DM está diretamente relacionada ao bom controle dos parâmetros de glicemia, lípides e pressão arterial, bem como à cessação do tabagismo.

Diabetes e hipertensão arterial

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) pode ser diagnosticada em pacientes com pressão arterial sistólica (PAS) maior ou igual a 140 mmHg ou pressão arterial diastólica (PAD) maior ou igual a 90 mmHg em múltiplas medições no consultório. Nesses casos, além de mudanças de estilo de vida (MEV), está indicado o tratamento farmacológico da doença.

Em pacientes com DM sem doença aterosclerótica clínica, estudos mostram que a manutenção das metas de pressão arterial deve ser de <140 e <90 mmHg, respectivamente, para PAS e PAD.

Em idosos hipertensos com idade acima de 80 anos, não existem evidências de benefício em reduzir a PAS para menos de 150 mmHg e há maior probabilidade de eventos adversos.

Em pacientes com DM e doença aterosclerótica clínica, as metas de PAS <130 mmHg e de PAD <80 mmHg podem ser razoáveis, se bem toleradas.

Em portadores de doença arterial coronariana já estabelecida, o ideal é não reduzir a pressão arterial abaixo de 120/70 mmHg.

Recomenda-se que a escolha da terapia farmacológica inicial para hipertensão se baseie em eficácia, tolerabilidade, custo e presença de comorbidades. Em geral, diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) ou bloqueadores dos canais de cálcio (BCC) podem ser úteis como monoterapia inicial.

Em pacientes com DM e albumina urinária >30 mg/g de creatinina, indica-se tratamento com IECA ou BRA. Ao usar mais de um anti-hipertensivo para atingir a pressão arterial alvo, é razoável combinar um IECA ou um BRA com um BCC di-hidropiridínico. O uso de estatinas foi amplamente comprovado na redução de eventos cardiovasculares em pacientes portadores de DM com história prévia desses episódios.

Controle glicêmico

A dosagem de hemoglobina glicada (HbA1c), além de ser ferramenta diagnóstica, tem utilidade para acompanhar o controle glicêmico e reflete a média da glicemia das últimas 12 semanas. Níveis de HbA1c abaixo de 7% associam-se a uma significativa redução do surgimento e da progressão de complicações microvasculares da doença. No entanto, a meta de HbA1c deve ser individualizada, a depender de variáveis como presença de complicações crônicas, risco de hipoglicemia e tempo de DM.



A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e a Sociedade Brasileira de Diabetes sugerem a realização da dosagem de HbA1c duas vezes ao ano para todas as pessoas com a doença. Além disso, recomendam que os indivíduos cujo esquema terapêutico sofreu mudança ou que não estejam atingindo os objetivos repitam o exame a cada três meses.

Outro teste indicativo do controle da glicemia é a frutosamina, que fornece uma ideia da média da glicemia das últimas três semanas.



Outro analito que pode ser usado para o controle metabólico é o 1,5-anidroglucitol (1,5-AG), cuja concentração sérica é inversamente proporcional à da glicemia. À medida que ocorre aumento da taxa de glicose e consequente elevação da reabsorção tubular desse carboidrato, o 1,5-AG passa a ser menos reabsorvido no túbulo, o que ocasiona a diminuição da sua concentração no sangue. Logo, níveis séricos baixos estão associados a uma glicemia elevada.

Os pacientes que mais se beneficiam dessa dosagem são os que exibem resultados de HbA1c entre 6% e 8% e nos quais o médico deseja fazer ajustes a cada semana, já que os valores de 1,5-AG refletem a média da glicemia dos últimos dez dias e têm a capacidade de identificar elevações glicêmicas transitórias, sobretudo pós-prandiais.

As medidas da glicemia capilar (ponta de dedo) ou intersticial (monitorização contínua) também servem para a avaliação do controle glicêmico, sendo especialmente úteis no caso de indivíduos que fazem uso de insulina.

As metas para glicemia capilar variam de acordo com o tipo e o tempo de DM. Para adultos com DM2, a glicemia pré-prandial desejável pode variar de <80 mg/dL a <130 mg/dL. A glicemia pós-prandial pode oscilar de <160 mg/dL a <180 mg/dL duas horas após a refeição.

Em junho de 2019, foi publicado um consenso internacional sobre os parâmetros de tempo dentro do intervalo-alvo, em hiperglicemia e hipoglicemia, para indivíduos com DM em monitorização contínua de glicose.



Diabetes e perfil lipídico

O perfil lipídico é obtido pela determinação das concentrações de colesterol total e de suas frações: colesterol da lipoproteína de alta densidade (HDL-c), triglicérides (TG) e colesterol da lipoproteína de baixa densidade (LDL-c).

Em pacientes com TG muito elevados (acima de 440 mg/dL), a determinação do colesterol não HDL tem maior importância por retratar melhor o ambiente aterogênico das partículas de lipoproteínas, uma vez que, nesses indivíduos, além do aumento do LDL-c, há evidências de elevação de lipoproteína de densidade intermediária (IDL) e VLDL.

O objetivo do tratamento é manter as metas de LDL-c ou colesterol não HDL de acordo com a categoria de risco em que os pacientes se encontram por tempo indeterminado, iniciando o uso de estatinas o mais cedo possível.

Em linhas gerais, para pacientes com DM2 com risco muito alto, o LDL-c deve ficar abaixo de 50 mg/dL e o colesterol não HDL, abaixo de 80 mg/dL. Por ser a resposta bastante heterogênea, os pacientes precisam de avaliação a cada três meses. Se os alvos não forem atingidos, recomenda-se intensificar o tratamento, quer seja pelo aumento da dose, quer seja pela mudança ou associação de medicações.

O uso de estatinas foi amplamente comprovado na redução de eventos cardiovasculares em pacientes portadores de DM com história prévia desses episódios.

Em pacientes com DM de muito alto risco e síndrome coronariana aguda recente, é necessário determinar o perfil lipídico nas primeiras 12 a 24 horas de internação para definir os níveis basais. Posteriormente, o tratamento com estatinas deve ser iniciado nas maiores doses toleráveis, o mais rápido possível, independentemente dos níveis lipídicos. Nos demais pacientes com DM, a conduta varia conforme o risco.

Já em indivíduos com DM de alto risco, o LDL-c precisa ser mantido abaixo de 70 mg/dL e/ou o colesterol não HDL, abaixo de 100 mg/dL. Se houver aterosclerose subclínica confirmada, é altamente recomendável começar a terapia com estatina. Em portadores de DM com risco baixo a intermediário, os níveis de LDL-c devem ser reduzidos e mantidos abaixo de 100 mg/dL e os do não HDL-c, abaixo de 130 mg/dL.

As estatinas são inicialmente opcionais para indivíduos com baixo risco, mas têm de ser consideradas em pacientes com risco intermediário.



Consultoria médica

Endocrinologia

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