Diagnóstico de infecções na gestação

Como usar de forma racional os diferentes testes disponíveis para a investigação pré-natal.

As infecções congênitas são causas relevantes de complicações durante o período pré-natal e, até mesmo, no pós-parto e na infância, aumentando a taxa de morbidade e mortalidade perinatal.

O acompanhamento pré-natal é importante para o rastreamento e o tratamento adequado de condições de risco para a gestante e o feto, mas a consulta pré-concepcional constitui o momento ideal para avaliar e tratar as doenças, bem como para prevenir as imunopreveníveis.

 

Quais infecções congênitas devem ser rastreadas na primeira consulta de pré-natal?

Apesar de haver diferenças nas recomendações, no Brasil, de modo geral, rastreiam-se hepatite B, rubéola, toxoplasmose, sífilis e infecção por HIV. O rastreamento universal para o vírus da hepatite C é recomendado por algumas entidades médicas, enquanto outras o sugerem para grupo de risco, como usuárias de drogas. Também não se preconiza a pesquisa de citomegalovírus para todas, mas gestantes que trabalham em saúde e educação infantil, além das imunossuprimidas, devem ser testadas.

 

Todos esses exames devem ser repetidos ao longo da gestação?

Não. Como rastreamento, deve-se apenas repetir a pesquisa de sífilis e de infecção pelo HIV no terceiro trimestre e no momento do parto, bem como a sorologia para toxoplasmose a cada trimestre para pacientes não imunes. Diante de suspeita de infecção pelo HIV com resultado do primeiro teste não reagente, uma nova amostra deve ser coletada 30 dias após a data da primeira coleta.

Como investigar as infecções congênitas na gestante?

Agente
Tipo de teste
Citomegalovírus
Sorológico, com detecção de IgM e IgG com avidez baixa (infecção aguda) ou IgG de alta avidez (crônica)
Rubella virus
Sorológico, com detecção de IgM e IgG específica
Toxoplasma gondii
Sorológico, com detecção de IgG e IgM específica, acompanhada de avidez de IgG, quando na presença de IgM
Treponema pallidum
Sorológico, por meio da combinação de testes treponêmicos e não treponêmicos. Podem ser utilizados testes rápidos no momento do parto
HIV
Sorológico, baseado em uma etapa de triagem e uma confirmatória para os resultados reagentes, que deve ser feita com técnica molecular (PCR)
Vírus da hepatite B
Sorológico, sendo os marcadores mais importantes o HBsAg, que confirma a presença da infecção, e o HBeAg, que permite inferir a presença ou ausência de replicação viral. O anti-HBs mostra imunidade
Zika vírus
Sorológico, pela pesquisa de anticorpos IgG e IgM, ou por teste molecular (PCR), que pode ser realizado em sangue e urina


Como fazer a pesquisa para infecção pelo HTLV-1?

A infecção pelo HTLV não interfere no curso da gestação, mas está associada a taxas elevadas de transmissão vertical. A triagem é feita pela pesquisa de anticorpos estruturais do HTLV-1 e HTLV-2 por meio do método Elisa ou pela identificação de anticorpos em amostras de sangue seco, coletadas em papel-filtro. Para a confirmação da infecção, recomenda-se utilizar testes mais específicos, como o Western Blot, metodologia também empregada diante de resultado indeterminado na triagem. Se o resultado do Western Blot for indeterminado, está indicado o teste molecular (PCR).

 

Quando solicitar a sorologia para Zika vírus?

Os exames para a pesquisa de anticorpos contra esse vírus são recomendados para gestantes com sintomatologia sugestiva (síndrome exantemática) ou com diagnóstico ultrassonográfico de anomalias fetais ou, ainda, com parceiro com diagnóstico suspeito ou confirmado.

Existe a possibilidade de reatividade cruzada dos testes sorológicos para o Zika vírus com outras arboviroses?

Sim, tanto na pesquisa de infecção materna quanto na de infecção fetal e neonatal pode haver reatividade cruzada dos testes sorológicos, seja com anticorpos contra outros vírus, seja de origem inespecífica, o que dificulta a interpretação dos resultados. Já o teste molecular é específico, embora tenha utilidade diagnóstica por período restrito após a aquisição da infecção (até o quinto dia de sintomas).

Qual o papel do teste de avidez para a interpretação das sorologias de citomegalovirose e toxoplasmose?

A pesquisa de avidez de IgG avalia a afinidade entre esse anticorpo IgG e o antígeno, estabelecendo melhor a cronologia do processo infeccioso. Na prática, a presença de alta avidez permite definir se o episódio ocorreu há mais de 12 a 16 semanas, enquanto a baixa avidez sugere episódio mais recente, muito embora não baste para assegurar um quadro agudo, já que há fatores que interferem na maturação da IgG. O que realmente auxilia é a presença de alta avidez de IgG no primeiro trimestre, informação que exclui a hipótese de uma infecção durante a gravidez.

O que significa uma sorologia para toxoplasmose com IgM positiva e IgG negativa ou indeterminada?

Um dos problemas da sorologia IgM para toxoplasmose é a falta de especificidade do teste. A negatividade dos anticorpos da classe IgM praticamente exclui uma infecção recente, enquanto a presença desses marcadores dificulta a interpretação porque eles podem permanecer positivos por até 18 a 24 meses depois da doença aguda. Assim, os casos que
apresentam sorologia para toxoplasmose positiva para IgM e negativa para IgG ou com soroconversão atípica da IgG devem ser avaliados com cuidado, uma vez que existe a possibilidade de indicarem infecção aguda inicial ou reação de IgM falso-positiva. Nessa situação, recomenda-se testar a especificidade da IgM a cada duas semanas, assim como avaliar a soroconversão da IgG. Sorologias para citomegalovírus, mononucleose, sífilis e Coxsackie podem ser solicitadas para afastar a reação cruzada de IgM. No entanto, o teste de avidez de IgG não pode ser realizado se o resultado da sorologia para IgG for negativo e fica prejudicado se a pesquisa de IgG na amostra for indeterminada. Uma vez caracterizada a soroconversão, pode ser feita a amniocentese para a pesquisa de toxoplasmose por PCR em tempo real no líquido amniótico e discutir a possibilidade de iniciar espiramicina nas gestantes em que a curva de ascensão de IgM e IgG estiver pequena ou lenta.


Interpretação dos resultados das sorologias para toxoplasmose e conduta sugerida

Sorologias
Interpretação
Conduta
IgM e IgG negativas
Gestantes suscetíveis
Fornecer orientações preventivas higienodietéticas
IgM negativa e IgG positiva
Infecção passada ou prévia à gestação
Não há necessidade de repetir a sorologia
IgM positiva e IgG negativa ou indeterminada
Infecção aguda recente ou reação cruzada
Checar sorologias pré-gestacionais ou de gestação pregressa. Repetir o teste em duas semanas e comparar ascensão de títulos e positividade da IgG. Iniciar espiramicina e discutir investigação de infecção fetal por amniocentese se a IgG fica positiva e, assim, confirmar infecção aguda
IgM e IgG positivas
Infecção aguda
Avaliar título da avidez da IgG para datar a infecção. Na dúvida, iniciar espiramicina


Na presença de infecção congênita materna, como investigar a doença no feto?

Agente
Tipo de teste
Citomegalovírus
Amniocentese para identificação do vírus por RT-PCR no líquido amniótico, com idade gestacional >21 semanas e, pelo menos, oito semanas após o provável momento de aquisição da infecção materna. O procedimento só é indicado para infecção de primeiro trimestre
Rubella virus
Amniocentese para pesquisa direta do vírus no feto no líquido amniótico (RT-PCR) ou cordocentese (identificação de IgM específica no sangue fetal). Avaliação indireta pela identificação de sinais ultrassonográficos característicos de rubéola congênita
Toxoplasma gondii
Amniocentese para detecção do toxoplasma por PCR no líquido amniótico, com idade gestacional >18 semanas e, pelo menos, quatro semanas após o provável momento de aquisição da infecção
Zika vírus
Detecção do vírus por PCR no líquido amniótico, além dos achados à ultrassonografia. A amniocentese deve ser indicada em casos selecionados, já que ainda não há dados sobre os valores preditivos desse teste em cada idade gestacional nem sobre a correlação dos resultados com o risco de desenvolvimento de malformações, tampouco intervenção terapêutica após o diagnóstico

Não se recomenda a pesquisa no feto quando há diagnóstico materno de sífilis, HIV e hepatite B.


Como interpretar os testes sorológicos para sífilis?

De acordo com a Portaria N° 2.012, do Ministério da Saúde publicada em 19/10/2016, as amostras são inicialmente submetidas a um teste treponêmico de quimioluminescência (CMIA), uma metodologia de alta sensibilidade e especificidade. Nesse sentido, fluxogramas diagnósticos que incluem essa técnica dispensam a técnica de FTA-Abs. A seguir, as amostras reagentes ao CMIA passam por um teste não treponêmico, o rapid plasm reagin (RPR), uma reação de floculação que equivale, na prática, ao tradicional VDRL, mas com maior sensibilidade. Caso haja discordância nos resultados, a confirmação pede um segundo imunoensaio treponêmico (EIE). A combinação dessas técnicas resulta na seguinte interpretação:

Treponêmico 1 (CMIA)
Não treponêmico (RPR)
Treponêmico 2 (EIE)
Resultado
Interpretação
Não reagente
Não realizado
Não realizado
Não reagente
Exame negativo para sífilis
Reagente
Reagente
Não realizado
Reagente
Exame positivo para sífilis, com evidência de atividade da doença, sobretudo – mas não exclusivamente – se o título de RPR for >1:8
Reagente
Não reagente
Reagente
Reagente
Um exame positivo para sífilis em duas técnicas treponêmicas distintas pode corresponder a uma infecção pregressa tratada ou não (“cicatriz sorológica”), uma infecção primária inicial ou a uma reação cruzada (muito raro)
Reagente
Não reagente
Não reagente
Indeterminado
A positividade em apenas uma das técnicas treponêmicas pode indicar falso-positivo. Considerar a repetição da sorologia em 15 dias e/ou a investigação de outras etiologias. A persistência desse perfil ao longo do seguimento confirma a falsa-positividade de uma das técnicas treponêmicas e, com base na portaria, o resultado pode ser considerado negativo


Os testes treponêmicos e não treponêmicos devem ser solicitados simultaneamente?

Na prática, as técnicas de floculação (RPR e VDRL) devem ser solicitadas isoladamente – isto é, sem exame treponêmico – apenas para pacientes com diagnóstico prévio de sífilis, para fins de controle de tratamento. Nesse contexto, é fundamental executar a mesma técnica usada ao diagnóstico, uma vez que a diferença entre as metodologias resulta em titulações diferentes de anticorpos. Já as sorologias de pacientes com coinfecções e/ou imunodeficiências requerem interpretação individualizada, uma vez que podem apresentar comportamento particular. Nas gestantes sem história prévia de tratamento de sífilis, a positividade dos testes não treponêmicos deve ser valorizada em qualquer título e motivar prescrição de terapia adequada como parte dos esforços para prevenir a transmissão vertical da doença.

Quando utilizar outros testes diagnósticos para sífilis?

A pesquisa do treponema por microscopia em campo escuro, impregnação pela prata (técnica de Fontana-Tribondeau) ou imunofluorescência direta está indicada na suspeita de cancro duro e quando há lesões mucocutâneas na sífilis recente. Essas metodologias sofrem influência da experiência do observador, da quantidade de treponemas no material coletado e da presença de infecções bacterianas secundárias. Outro teste indicado para o diagnóstico de sífilis primária é a pesquisa do DNA do Treponema pallidum por PCR, que apresenta elevados índices de sensibilidade (87,5%) e especificidade (99,2%). O teste molecular pode ser realizado em amostras de úlceras genitais, anais ou orais.

A sorologia para herpes-simples auxilia o diagnóstico da infecção na gestante?

A sorologia possui utilidade limitada, uma vez que os anticorpos podem demorar semanas para surgir após a primoinfecção e persistem positivos (IgG) por tempo indeterminado. Portanto, na prática, o diagnóstico da infecção herpética é eminentemente clínico.

Quais os fatores de risco para infecção neonatal por Streptococcus agalactiae (GBS ou estreptococo beta-hemolítico do grupo B de Lancefield)?

  • Febre intraparto (temperatura axilar acima de 38°C)
  • Bacteriúria por GBS na gestação atual*
  • Prematuridade (menos de 37 semanas)
  • Crianças nascidas de mães com idade inferior a 20 anos
  • História de infecção do recém-nascido por GBS na gestação anterior*
  • Tempo de ruptura de membrana prolongado (acima de 18 horas)

*Indicação absoluta de antibioticoprofilaxia

 

Quando realizar a coleta para pesquisa de GBS?

A pesquisa desse patógeno pode ser feita pelo cultivo em meios de cultura seletivos ou pela PCR em tempo real, técnica 15% mais sensível do que a cultura. Convém realizar a coleta preferencialmente entre 35 e 37 semanas de gravidez, quando exibe os melhores valores preditivos negativo (97%) e positivo (85%). Para que a sensibilidade máxima na detecção da colonização seja obtida, deve-se colher duas amostras, uma do introito vaginal e outra do reto. Não há necessidade de tratar gestantes colonizadas, mas, sim, de implementar a antibioticoprofilaxia no início do trabalho de parto.


CONSULTORIA MÉDICA

Medicina Fetal

Dra. Joelma Queiroz Andrade

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Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho

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