O uso de diferentes métodos de forma integrada ajuda a confirmar ou afastar o diagnóstico, além de servir para estratificar o risco de eventos cardiovasculares
O uso de diferentes métodos de forma integrada ajuda a confirmar ou afastar o diagnóstico, além de servir para estratificar o risco de eventos cardiovasculares
O CASO
Paciente do sexo feminino, 67 anos, sedentária, com antecedente de diabetes tipo 2 controlada com hipoglicemiante oral e de hipertensão arterial sistêmica (HAS) mal controlada, relatava dores torácicas atípicas nos últimos seis meses. À investigação inicial, apresentou eletrocardiograma de repouso (ECG) normal e ecocardiografia com fração de ejeção de 64% e hipertrofia ventricular esquerda com 14 mm de espessura ao fim da diástole, sem defeitos de contratilidade regional.
Seu médico-assistente solicitou ainda um teste ergométrico, que se mostrou sugestivo de isquemia devido à presença de infradesnivelamento de ST ao esforço induzido. Devido ao achado, resolveu prosseguir a investigação para a melhor caracterização de uma possível doença arterial coronariana obstrutiva.
Teste ergométrico alterado pela presença de infradesnivelamento de ST ao esforço induzido.
A DISCUSSÃO
A doença arterial coronariana na mulher |
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As doenças cardiovasculares representam a principal causa de morbimortalidade na população feminina, notadamente após a menopausa. As mulheres apresentam, em geral, os mesmos fatores de risco em comparação aos homens. Entretanto, pelo fato de serem menos incluídas nos grandes estudos internacionais, até a década de 90 pouco se conhecia sobre o assunto. Estudos mais recentes demonstram que existem diferenças entre os gêneros tanto na história natural da DAC quanto na apresentação clínica e no prognóstico após um evento agudo. Nas mulheres, a doença ocorre cerca de cinco a dez anos mais tarde que nos homens e os sintomas, que constituem a principal fonte de informação para o diagnóstico, frequentemente assumem características atípicas, como fadiga, dispneia e ansiedade. O Coronary Artery Surgery Study observou que cerca de 30% das mulheres com angina típica e 64% daquelas com angina atípica não tinham DAC, contra 7% e 34% dos homens, respectivamente. Vale ainda ressaltar que a isquemia miocárdica pode também ocorrer sem que haja uma queixa evidente. Segundo o estudo de Framingham, a taxa de infarto silencioso é maior na população feminina, o que reforça a ideia de que, mesmo diante de sintomas atípicos ou mesmo na ausência de manifestações clínicas, uma investigação exaustiva pode ser necessária. Atualmente, sabe-se que o prognóstico das pacientes do sexo feminino é ruim quando há isquemia, mesmo que esta não seja causada por estenose das coronárias, mas por motivos como doença de microcirculação e disfunção endotelial, entre outros. Assim sendo, passou-se a investigar a síndrome isquêmica cardíaca na mulher, e não apenas a doença arterial coronariana. |
O diagnóstico da DAC
A investigação deve ser baseada em uma estratificação de risco inicial, sendo a faixa etária e os sintomas, mesmo quando atípicos, muito considerados. Pacientes com dor torácica ou presença de equivalente isquêmico – diminuição da tolerância ao esforço ou dispneia – ou sem sintomas, mas com risco para doença isquêmica, precisam ser avaliados por meio de história clínica e exame físico detalhados, bem como por meio de testes complementares para o diagnóstico e a avaliação da gravidade do quadro.
Como já descrito, determina-se a estimativa da probabilidade pré-teste pela presença e características dos sintomas, pela idade e pelo sexo, assim como por outros fatores considerados de risco. Nos indivíduos com baixa probabilidade de DAC, os exames adicionais são solicitados para a pesquisa de causas não cardíacas para a dor torácica, enquanto os casos de alta probabilidade devem seguir com a investigação diagnóstica para estratificar o risco individual de um evento cardíaco. Já nos de probabilidade intermediária, há necessidade de métodos subsequentes não só para o diagnóstico da DAC, como também para a estratificação do risco.
Adaptado de: Heart Disease and Stroke Statistics – 2016 Update.
Métodos utilizados na investigação da DAC
A ecocardiografia como triagem inicial
Na presença de dor torácica, a ecocardiografia transtorácica possibilita a avaliação da contratilidade global e regional dos segmentos miocárdicos do ventrículo esquerdo, permitindo a identificação de alterações em tempo real, tanto em repouso como durante o estresse. Tais alterações ocorrem segundos após a oclusão coronariana e persistem ao longo de todo o processo isquêmico do miocárdio, sendo, portanto, um marcador específico de coronariopatia.
Dessa forma, o exame representa um excelente método de triagem em indivíduos com suspeita de DAC, assim como de estratificação de risco nos pacientes com a doença já diagnosticada. Ademais, ajuda a afastar outras causas de dor precordial, como dissecção de aorta, pericardite e embolia pulmonar, e fornece informações sobre a função ventricular esquerda e a viabilidade miocárdica, com implicações terapêuticas e prognósticas em pacientes com infarto agudo do miocárdio.
O teste ergométrico para iniciar a avaliação
Método funcional bastante disponível, o teste ergométrico (TE) apresenta a melhor relação custo-efetividade como exame inicial na avaliação não invasiva da doença coronariana, tornando possível não apenas a confirmação diagnóstica, mas igualmente a determinação prognóstica e a definição de conduta terapêutica.
Para interpretá-lo, devem ser consideradas as respostas clínicas relacionadas aos sintomas e à capacidade funcional, além das eletrocardiográficas e das hemodinâmicas. As variáveis mais preditivas relacionadas ao diagnóstico de obstrução coronariana incluem a depressão do segmento ST ≥1 mm (medido a 0,8 segundo do ponto J), com configuração horizontal ou descendente, e a presença de dor anginosa induzida pelo estresse. Para o diagnóstico de isquemia miocárdica, os resultados dos exames precisam estar relacionados com a probabilidade pré-teste de DAC.
Atualmente, para o entendimento de resultados diferentes em indivíduos com níveis de obstrução semelhantes, cabe rever o conceito de reserva coronariana, ou seja, a capacidade de o sistema coronariano aumentar o fluxo sanguíneo para atender à maior atividade metabólica miocárdica durante o esforço, que é estabelecida pela relação entre fluxo coronariano em condições de vasodilatação máxima e fluxo de repouso. A redução da capacidade de vasodilatação máxima pode potencializar o efeito da redução da reserva coronariana de uma obstrução discreta a moderada, levando a um teste ergométrico sugestivo de isquemia. Por outro lado, existe a possibilidade de uma obstrução angiograficamente importante não resultar em redução do fluxo se a capacidade de autorregulação não estiver esgotada, o que resulta em um teste normal.
Vale ressaltar que as mulheres, especialmente na menopausa, apresentam menor tolerância ao exercício. O TE, nesse grupo, quando máximo e não sugestivo de isquemia, não demanda avaliações adicionais. Contudo, na presença de resposta isquêmica ou de teste normal submáximo, com suspeita clínica da doença coronariana, como na paciente em avaliação, a investigação diagnóstica tem de continuar com outros métodos não invasivos associados à imagem.
A cintilografia miocárdica para confirmar os achados
Método não invasivo funcional, a cintilografia miocárdica (CM) avalia o coração sob os aspectos de perfusão miocárdica, integridade celular, metabolismo miocárdico, contratilidade miocárdica e função ventricular global e segmentar. Seu objetivo é identificar alterações focais de menor perfusão nas paredes do miocárdio, basicamente do ventrículo esquerdo, sugestivas de irrigação sanguínea deficiente ou ausente, e informar a extensão, a intensidade e a reversibilidade do déficit de perfusão.
Em pacientes com suspeita de DAC, seu uso já está bem estabelecido, na medida em que permite a identificação de estenose significativa de coronária, com base em estudos que demonstram que, a partir de 50-70% de obstrução da luz arterial, ocorre perda da reserva de fluxo sanguíneo miocárdico, com possível aparecimento de sintomas desencadeados pelo estresse.
Quando associada ao teste ergométrico ou a estímulo farmacológico, a CM ainda estuda a distribuição relativa da perfusão sanguínea nas paredes do ventrículo esquerdo em condições basais e em situações potencialmente provocadoras de isquemia. Pelos princípios fisiológicos da cascata isquêmica, a perfusão fica comprometida antes das alterações eletrocardiográficas e da função ventricular e até mesmo do aparecimento de sintomas.
Outra aplicação está relacionada à avaliação prognóstica e à estratificação de risco para eventos cardiovasculares, com possível auxílio na escolha terapêutica e no acompanhamento clínico.
No caso em questão, após o TE, a paciente foi submetida à CM, que não mostrou defeitos segmentares de perfusão. Diante da discordância entre os resultados desses dois testes, optou-se pela realização de uma angiotomografia de coronárias (angio-TC). O estudo, porém, não apontou calcificação no território arterial, que tampouco exibia obstruções não calcificadas. Dessa maneira, a paciente foi considerada não portadora de doença coronariana obstrutiva e, pela ausência de calcificação nas coronárias, teve sua estimativa de risco não invasiva reestratificada. Assim, permaneceu em tratamento clínico, com boa evolução, sem ocorrência de eventos adversos.
CM da paciente: ausência de defeitos segmentares de perfusão.
A contribuição da angiotomografia de coronárias na DAC |
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A introdução dos exames de múltiplos detectores, que podem adquirir mais de 180 imagens por segundo, com consequente ganho na resolução espacial e temporal, associada à progressiva redução da dose de radiação, levou à crescente aplicação clínica da angio-TC na avaliação não invasiva da luz e das paredes arteriais. Desde os primeiros trabalhos, ficou claro que o método apresenta excelente capacidade de excluir DAC em pacientes com suspeita clínica do quadro, tendo alta acurácia diagnóstica, com sensibilidade variando de 91% a 99% e especificidade de 74% a 96%, em comparação com a cineangiocoronariografia. Contudo, é considerado mais eficaz em indivíduos de risco pré-teste intermediário ou baixo, nas quais um exame com propriedade de descartar anormalidades com elevado grau de certeza apresenta relação custo-efetividade favorável. A eficácia da tomografia para excluir obstruções nas coronárias também é a base de suas outras indicações. O exame tem utilidade bem estabelecida na elucidação de situações que provoquem dúvida do ponto de vista clínico, como dor torácica atípica e resultados conflitantes de exames funcionais, a exemplo do que ocorreu no caso apresentado. No caso descrito, a angio-TC não apresenta alterações no território arterial. |
CONCLUSÃO |
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O reconhecimento da DAC em mulheres geralmente impõe maiores dificuldades de investigação do que nos homens, uma vez que a apresentação clínica atípica e a menor especificidade dos testes não invasivos tornam o diagnóstico um desafio. Nesse cenário, a associação de diferentes técnicas pode representar valioso auxílio para a decisão pela conduta clínica segura. De qualquer modo, a prevenção e o controle dos fatores de risco devem permanecer sempre como principal foco para a redução da doença cardiovascular na população feminina. |
Assessoria Médica |
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Dr. Andrei Skromov de Albuquerque [email protected] Dr. Ibraim Masciarelli Francisco Pinto [email protected] Dra. Ivana Antelmi [email protected] Dra. Paola Smanio [email protected] Dr. Valdir Moises [email protected] |
Fleury conta com todos os recursos para a investigação, incluindo um setor de provas funcionais.
Publicação destaca o diagnóstico por imagem das doenças neurometabólicas.
Ressonância magnética é útil especialmente em casos mais complexos da doença
Exame fornece informações sobre fisiologia, anatomia e ritmo cardíaco do feto.