Dados da OMS de 2022 revelam que há cerca de 254 milhões de portadores de hepatite B no mundo, metade dos quais entre 30 e 54 anos. Uma vez infectados, a maioria dos adultos imunocompetentes consegue clarear o vírus; entretanto, os portadores crônicos têm maior risco de evolução para hepatocarcinoma e cirrose.
O obstáculo à cura da infecção pelo vírus da hepatite B (VHB) nesse último grupo reside no fato de o agente produzir um minicromossomo circular no núcleo do hepatócito, o cccDNA, que codifica os antígenos virais, incluindo o HBsAg, o qual funciona como um reservatório genético do vírus. Na infecção aguda, o sistema imunológico do hospedeiro consegue silenciar a transcrição desse minicromossomo, o que não ocorre na crônica.
Os análogos nucleotídicos (NUC) utilizados no tratamento do VHB, entecavir e tenofovir, conseguem inibir a síntese do DNA viral no citoplasma (VHB-DNA), o que provoca sua redução ou negativação no soro, mas a persistência do cccDNA pode manter a síntese do HBsAg, que é produzida não só para o envelopamento das partículas virais, mas também como proteína isolada e como outras proteínas virais, o que paralelamente causa uma exaustão do sistema imunológico. Além disso, o vírus tem a capacidade de incorporar seu genoma ao DNA do hepatócito.
O tratamento contra a hepatite B crônica pode ser feito com interferon peguilado, indicado para pacientes com indicadores de resposta imunológica ao vírus, nos quais o uso de um agente imunomodulador com propriedades antivirais, em período finito, é capaz de levar o hospedeiro a alcançar a parada de replicação viral, com posterior cura da doença (traduzida, em termos sorológicos, pela produçãodo anti-HBs) em poucos casos.
Entretanto, na maioria dos casos, o tratamento antiviral com NUC é a alternativa possível e tende a ser prolongado ou para toda a vida, acarretando custos elevados para o sistema de saúde, tanto por causa do custo da medicação quanto por conta da monitorização dos pacientes. Nesses indivíduos, raramente ocorre soroconversão para o anti-HBs. Portanto, uma vez suspensos os medicamentos, podem persistir as condições necessárias para que ocorra uma reativação da replicação, de modo que há necessidade de estratégias para permitir a suspensão segura da terapêutica.
Em busca do objetivo de cura parcial: aí entra o qHbsAg
O fato é que o objetivo de cura completa (definido como VHB-DNA e HBsAg negativos e cccDNA negativo, com soroconversão do anti-HBs) não condiz com a realidade no momento e foi substituído pelo objetivo de cura parcial (perda sustentada do HBsAg e VHB-DNA, com queda tão significativa do cccDNA que este não seja capaz de transcrever proteínas do vírus). Portanto, métodos extremamente sensíveis, capazes de detectar HBsAg mesmo em mínimas concentrações, foram desenvolvidos com essa finalidade.
Na prática, a presença de HBsAg em quantidades muito baixas e de forma sustentada está relacionada a um alto nível de supressão da transcrição do cccDNA, associada a doença histologicamente inativa e tendência de melhora da fibrose ao longo do tempo. Os níveis de HBsAg relacionados a diferentes prognósticos ainda estão sendo estudados, mas alguns deles parecem ter valor prognóstico em diferentes cenários.
Interpretação dos níveis de HBsAg quantitativo | |||
qHBsAg | <100 | 100 – <1.000 | 1.000 – <1.500 |
Significado | Alta chance de conversão para anti-HBs | Provável infecção crônica HBeAg negativo (antigo estado de portador inativo) | Valor prognóstico em pacientes em tratamento com IFN na 12ª semana |
Implicações prognósticas | Regra de parada para tratamento com NUC em pacientes sem fibrose hepática significativa | Seguimento pode ser feito por não especialista | Dar continuidade ao tratamento |
A dosagem do qHBsAg recentemente entrou em rotina, no Fleury, após um extenso trabalho de validação em que foram avaliados os resultados de três fabricantes. Considerando a presença de diversas variantes circulantes do VHB em nosso país, o teste foi validado para mais de 50 variantes pelo próprio fabricante escolhido. Consideram-se positivos resultados iguais ou superiores a 0,05 UI/mL.
Quando pedir o novo teste
Segundo a Diretriz Brasileira para Diagnóstico e Tratamento da Hepatite B, o teste quantitativo para HBsAg tem implicações no manejo racional e custo-efetivo da doença crônica causada pelo VHB, estando indicado nas seguintes situações:
1 – Para predizer quais pacientes em tratamento com interferon devem manter ou suspender a medicação (regra de parada por futilidade de manutenção do tratamento)
2 – Para avaliar a possibilidade e o momento de suspender o tratamento com NUC após tempo prolongado de negativação do VHB-DNA
3 – Para avaliar a fase da infecção e o risco de progressão da doença hepática, incluindo o hepatocarcinoma
4 – Para estabelecer estratégias custo-efetivas de seguimento, permitindo controle laboratorial e por elastografia mais espaçados em pacientes com qHBsAg em baixos títulos
É importante lembrar que o HBsAg quantitativo não substitui o VHB-DNA. Enquanto o último é um marcador de replicação viral, o primeiro, quando negativo, reflete apenas a atividade do cccDNA.
Consultoria Médica
Dra. Márcia Wehba Esteves Cavichio
[email protected]
Dra. Patrícia Marinho Costa de Oliveira
[email protected]
Dra. Soraia Tahan
[email protected]
Referência
1. EASL 2017 Clinical Practice Guidelines on the management of hepatitis B virus infection. https://doi.
org/10.1016/j.jhep.2017.03.021.
2. Guidance on treatment endpoints and study design for clinical trials aiming to achieve cure in chronic
hepatitis B and D: Report from the 2022 AASLD-EASL HBV-HDV. doi: 10.1097/HEP.0000000000000431.
3. Understanding the Natural History of Hepatitis B Virus Infection and the New Definitions
of Cure and the Endpoints of Clinical Trials. https://doi.org/10.1016/j.cld.2019.04.002.
4. Diretrizes para Diagnóstico e Tratamento Hepatite B da Sociedade Brasileira de Hepatologia e
Sociedade Brasileira de Infectologia – Sociedade Brasileira de Hepatologia.
5. Global hepatitis report 2024: action for access in low- and middle-income countries-ISBN 978-92-4-
009167-2 (electronic version) – World Health Organization.
6. Guidelines for the prevention, diagnosis, care and treatment for people with chronic hepatitis B
infection- ISBN: 978-92-4-009090-3 (electronic version) - World Health Organization.
Pode ser utilizada para detectar o DNA da bactéria Leptospira spp. no plasma.
Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
A uveíte é uma inflamação ocular que representa uma das principais causas de morbidade ocular.