Ecocardiografia com contraste de microbolhas

Técnica permite melhor avaliação da anatomia cardíaca, com crescente utilidade na prática clínica.

A ecocardiografia contrastada é uma técnica que utiliza agentes de contraste à base de microbolhas, injetados por via endovenosa periférica, para melhorar o sinal ecocardiográfico. O mecanismo primário pelo qual a injeção de microbolhas contrasta as diferentes estruturas cardíacas decorre da introdução de múltiplas interfaces gás-líquido na circulação, levando ao aumento da reflexão do ultrassom e melhorando a qualidade das imagens ecocardiográficas (1,2). As microbolhas usadas atualmente são formadas por envoltório proteico ou lipídico, contendo gases de alto peso molecular em seu interior, os perfluorocarbonos, o que lhes confere estabilidade suficiente para atravessar a barreira pulmonar e contrastar as cavidades cardíacas esquerdas e a circulação coronariana (3,4) (figura 1).


As indicações atuais da ecocardiografia com contraste incluem a opacificação ventricular esquerda e o delineamento dos bordos endocárdicos em pacientes com janela ecocardiográfica subótima (2). O recente desenvolvimento de microbolhas com maior persistência na circulação sanguínea, associado ao avanço das técnicas ultrassonográficas, permitiu o estudo da perfusão miocárdica, ampliando o papel da ecocardiografia contrastada na avaliação não invasiva da doença arterial coronariana.


Potenciais aplicações diagnósticas da ecocardiografia com contraste miocárdico

  • Doença arterial coronariana conhecida ou suspeita: detecção de lesão coronariana e avaliação do fluxo colateral
  • Infarto agudo do miocárdio: determinação da área de risco durante a oclusão coronariana e avaliação da eficácia das terapias de reperfusão
  • Avaliação da viabilidade miocárdica: detecção de áreas de no-reflow após infarto e identificação de miocárdio hibernado em pacientes com isquemia crônica

Opacificação do ventrículo esquerdo

O uso de agentes de contraste ecocardiográfico possibilita melhor definição dos bordos endocárdicos, resultando em avaliação mais adequada da função contrátil global e segmentar do ventrículo esquerdo, assim como medidas mais acuradas dos volumes ventriculares e da fração de ejeção.

Costa e cols. (8) realizaram a ecocardiografia contrastada em pacientes sob ventilação mecânica em unidades de terapia intensiva e reportaram que, em 77% dos casos de exames não diagnósticos, o contraste tornou possível a correta avaliação da função global do ventrículo esquerdo.

Essa técnica também tem comprovada utilidade na definição de alterações da anatomia cardiovascular (9), podendo ajudar a identificar massas intracardíacas, como tumores e/ou trombos (figura 2), e da morfologia dos ventrículos direito e esquerdo em casos de cardiomiopatia hipertrófica e displasia do ventrículo direito.


Figura 2. Ecocardiograma com contraste exibe as quatro câmaras em plano apical, demonstrando a presença de trombo organizado apical. TR, trombo; VE, ventrículo esquerdo.



Figura 3. Uso do contraste de microbolhas na ecocardiografia de estresse otimiza a visualização dos bordos endocárdicos, fundamental para a acurácia diagnóstica do método.



Figura 4. (A) Exame com janela acústica muito limitada, o que impossibilitaria a realização do método sob estresse farmacológico que havia sido solicitado. (B) Neste caso, foi possível fazer a avaliação com o contraste ecocardiográfico. AE, átrio esquerdo; AD, átrio direito; VE, ventrículo esquerdo; VD, ventrículo direito.


Avaliação de perfusão microvascular

Embora tanto a motilidade segmentar como a perfusão miocárdica possam ser mantidas sem alterações em condições de repouso pelos mecanismos de autorregulação coronariana, é possível identificar a diminuição da reserva do fluxo coronariano por indução de normalidades durante o estresse físico ou farmacológico em regiões supridas por artérias com lesões obstrutivas.

A concentração das microbolhas na microcirculação coronariana reflete o volume sanguíneo nas diferentes regiões do miocárdio e forma a base para avaliar a perfusão pela ecocardiografia com contraste miocárdico (ECM). Assim, a diferença relativa de perfusão entre as regiões supridas por artérias sem obstruções e por artérias estenóticas pode ser detectada pela ECM por meio de diferentes tipos de agentes estressores, como os inotrópicos positivos e os vasodilatadores (figura 5) ou, ainda, por exercício.

Diversos estudos clínicos atestaram boa correlação entre as alterações regionais de perfusão miocárdica obtidas pela ECM induzidas por tipos distintos de estresse farmacológico com cintilografia miocárdica e angiografia coronariana (7,14).

Por sua vez, a ECM com perfusão em tempo real é outra modalidade de imagem ecocardiográfica que se vale de baixo índice mecânico para fazer a avaliação simultânea da motilidade e da perfusão do miocárdio no momento em que o exame é realizado. Essa técnica detecta defeitos perfusionais antes da indução de alterações da motilidade segmentar durante o estresse pela dobutamina (15,16), de acordo com a sequência de eventos fisiopatológicos conhecida como cascata isquêmica (17,18), agregando muito valor de acurácia diagnóstica, como também dados prognósticos


Figura 5. (A) Ecocardiograma com análise de perfusão em tempo real com uso de contraste de microbolhas. Nota-se déficit de perfusão apical. (B) Angiografia coronariana demonstra obstrução em terço proximal da artéria coronária descendente anterior (seta amarela). Imagem fornecida por Wilson Mathias et al. J Am Coll Cardiol 2019; 73:2832-2842.


Considerações finais

Nos últimos anos, a ecocardiografia contrastada com injeção endovenosa de microbolhas tem se mostrado uma técnica útil para avaliação de pacientes com janela ecocardiográfica inadequada, permitindo melhor avaliação da anatomia cardíaca.

As microbolhas podem ser caracterizadas como marcadores de fluxo de sangue, permanecendo totalmente dentro do espaço intravascular, e sua distribuição no miocárdio mostra a integridade da microcirculação coronariana.

A ECM é segura e eficaz para avaliar a perfusão miocárdica, fornecendo dados adicionais aos obtidos pela análise da motilidade segmentar no amplo espectro de pacientes com doença coronariana aguda e crônica


Referências

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4 Porter TR, Xie F. Transient myocardial contrast after initial exposure to diagnostic ultrasound pressures with minute doses of intravenously injected microbubbles: demonstration and potential mechanisms. Circulation. 1995;92(9):2391-5.

5. Tsutsui JM, Xie F, O’Leary EL, Elhendy A, Anderson JR, McGrain AC, et al. Diagnostic accuracy and prognostic value of dobutamine stress myocardial contrast echocardiography in patients with suspected acute coronary syndromes. Echocardiography. 2005;22(6):487-95.

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Consultoria médica

Dr. Márcio Silva Miguel Lima

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Dra. Paola Smanio

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Dr. Wilson Mathias Jr.

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