Ecocardiografia com estresse: muito além da pesquisa de isquemia | Revista Médica Ed. 2 - 2017

Recomendações recentes orientam o uso do método na prática clínica para a avaliação de condições que não apenas a doença isquêmica.

A ecocardiografia com estresse é frequentemente utilizada para a avaliação de doença cardíaca isquêmica. Contudo, cada vez mais evidências suportam seu uso em outras condições, como insuficiência cardíaca sistólica ou diastólica, cardiomiopatia não isquêmica, doença valvar, hipertensão pulmonar, coração do atleta, cardiopatia congênita e transplante cardíaco. Por conta disso, a Associação Europeia de Imagem Cardiovascular e a Sociedade Americana de Ecocardiografia recentemente publicaram recomendações, que contaram com a participação da cardiologista Jeane Tsutsui, diretora executiva médica do Grupo Fleury, para as aplicações clínicas desse método em afecções não isquêmicas. A seguir, estão descritas algumas informações que constam dessas diretrizes.


Num estado de estresse fisiológico, a ecocardiografia avalia, de forma dinâmica, a estrutura e a função do miocárdio, podendo detectar anormalidades que não são evidentes durante o estado de repouso e que causam alterações da movimentação das paredes, disfunção valvular ou outras alterações hemodinâmicas.


A tecnologia usual e o treinamento necessário para a aplicação da ecocardiografia com estresse em doença coronariana também se estende às outras indicações. Para a avaliação de doenças não isquêmicas, o método com estressor pode ser feito tanto com exercício quanto com dobutamina ou vasodilatadores. No entanto, a escolha do agente tem de levar em conta a dúvida clínica a investigar e a condição do paciente.


Destaca-se que todos os estressores na ecocardiografia com estresse associam-se com efeitos hemodinâmicos, resultando em incompatibilidade de oferta e demanda do miocárdio, e podem induzir isquemia na presença de diminuição da reserva do fluxo coronariano em decorrência de doença obstrutiva das artérias coronárias epicárdicas, hipertrofia do ventrículo esquerdo (VE) ou doença microvascular. Os estressores físicos e inotrópicos geralmente causam aumento generalizado do espessamento e do movimento miocárdico, com incremento da fração de ejeção, sobretudo pela redução das dimensões sistólicas.


Exercício X dobutamina: compare os efeitos

EfeitoFrequência cardíacaContratilidade miocárdicaPressão arterial sistólicaResistência vascular sistêmicaVolume diastólico final do VE
Exercício em esteira ou bicicletaAumenta em 2-3 vezesAumenta em 3-4 vezesAumenta em 50%DiminuiAumenta no início do estresse, com redução posterior
DobutaminaAumenta em 2-3 vezesAumenta em 4 vezes em indivíduos normais e em menos de 2 vezes em casos de cardiomiopatia dilatadaAumenta em 1,5 a 2 vezes
Aumenta em 1,2 vez

Ecocardiografia com estresse em doenças não isquêmicas

IndicaçãoPerguntaTipo de estresse
Eco com estresse diastólico
Função diastólicaDisfunção diastólica ± aumento da PSAP como motivo dos sinais e dos sintomas de insuficiência cardíacaExercício
Cardiomiopatias
Cardiomiopatia hipertróficaOTSVE / disfunção diastólica / RM dinâmica / isquemia induzível como motivo para os sintomas / planejamento do tratamento ou aconselhamento do estilo de vidaExercício
Cardiomiopatia dilatadaReserva contrátil, isquemia induzível, reserva diastólica, alteração da PSAP, RM dinâmica, congestão pulmonarExercício
Reserva inotrópica, isquemia induzívelDobutamina
Terapia de ressincronização cardíacaReserva inotrópica, viabilidade na área estimuladaDobutamina
Doença valvular nativa
Estenose aórticaEA grave sem sintomasExercício
EA não grave com sintomasExercício ou dobutamina
EA de baixo fluxo e baixo gradienteExercício ou dobutamina
Regurgitação mitral primáriaRM grave sem sintomasExercício
RM não grave com sintomasExercício
Regurgitação mitral secundáriaAlteração na gravidade da RM ± aumento da PSAPExercício
Regurgitação aórticaRA grave sem sintomasExercício
RA não grave com sintomasExercício
Estenose mitralEM grave sem sintomasExercício
EM não grave com sintomasExercício ou dobutamina
Doença multivalvularDiscordância entre sintomas e gravidade da valvopatiaExercício
Pós-procedimentos em doença valvar
Prótese de válvula aórticaEstenose/IPP com ou sem baixo fluxoExercício ou dobutamina
Prótese de válvula mitralEstenose/IPPExercício ou dobutamina
Anuloplastia da válvula mitralEM iatrogênicaExercício ou dobutamina
Hipertensão pulmonar
Hipertensão pulmonarSintomas e PSAP durante esforçoExercício
Coração do atleta
Atleta sintomáticoAvaliar resposta ao exercício e sintomasExercício
Doença cardíaca congênita
Defeito do septo atrialPSAP e reserva contrátil do VDExercício
Reserva contrátil do VDDobutamina
Tetralogia de FallotReserva contrátil do VD e do VEExercício
Coartação de aortaAvaliação da gravidade e da reserva contrátil do VEExercício
Coração univentricularAvaliação da reserva contrátil e consequências hemodinâmicas do exercícioExercício

EA: estenose aórtica; EM: estenose mitral; IPP: incompatibilidade prótese-paciente; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; OTSVE: obstrução do trato de saída do ventrículo esquerdo; RA: regurgitação aórtica; RM: regurgitação mitral; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo.

Em comparação ao exercício, com dobutamina há menor recrutamento de volume de sangue venoso, de forma que os volumes do VE e o estresse da parede aumentam menos. Quando são utilizados vasodilatadores como estressores, a exemplo do dipiridamol e da adenosina, observam-se redução pequena da pressão arterial, leve taquicardia e menor elevação da função miocárdica.


Nos protocolos de estresse com exercício e dobutamina, diferentes parâmetros podem ser avaliados em cada estágio. Na ecocardiografia com dobutamina, um teste com baixa dose é recomendado para pacientes com estenose aórtica de baixo fluxo e baixo gradiente e diminuição da fração de ejeção do VE. Em indivíduos com insuficiência cardíaca em uso de betabloqueadores, geralmente usam-se doses de até 40 mg/kg/min de dobutamina (sem atropina).


As imagens ecocardiográficas são obtidas de acordo com os objetivos do teste e o estressor utilizado. Os parâmetros avaliados incluem função valvar e ventricular, gradientes subvalvar e valvar, fluxos regurgitantes, hemodinâmica do coração direito e esquerdo, incluindo pressão sistólica da artéria pulmonar, volumes ventriculares, linhas B (pulmonar) e reserva de fluxo coronariano epicárdico.


Conforme as recomendações, a ecocardiografia com estresse pode ser usada de maneira seriada para diagnóstico, estratificação do risco ou avaliação do tratamento em alguns pacientes. Em geral, as diretrizes recomendam a utilização desse exame na avaliação de muitos indivíduos com dispneia, doença valvar e cardiomiopatia hipertrófica; contudo, são necessárias mais informações sobre o papel do teste em pacientes com outras cardiomiopatias, cardiopatia congênita e hipertensão pulmonar. Além disso, pode-se obter maior eficiência do teste pela combinação dos dados clínicos dos pacientes com a ecocardiografia transtorácica convencional ou pela associação da avaliação de isquemia com a de outras condições.


Protocolo da ecocardiografia com exercício e parâmetros que podem ser avaliados em cada estágio

  

Continuar o exercício até o paciente tornar-se sintomático ou se ocorrer qualquer alteração hemodinâmica ou significativa no ECG.


bpm: batimentos por minuto; E/e’: relação entre a velocidade diastólica transmitral precoce e a velocidade TDI precoce do ânulo mitral; MPR: movimento da parede regional; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; RM: regurgitação mitral; rpm: rotações por minuto; TSVE: trato de saída do VE; VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; W: watts.

Referências:


Lancellotti P, et al. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2016 Nov;17(11):1191-1229.

Lancellotti P, et al. J Am Soc Echocardiogr. 2017 Feb;30(2):101-138.

Assessoria Médica
Dr. Valdir A. Moises
[email protected]
Dr. Wilson Mathias Junior
[email protected]