A amiodarona é o antiarrítmico com maior efeito na formação e na liberação dos hormônios tiroidianos. A presença de grande quantidade de iodo em sua composição e seu depósito em tecido subcutâneo, cardíaco e musculoesquelético resultam em uma longa meia-vida do fármaco, por volta de 100 dias, o que pode levar à manutenção das alterações na tiroide por um longo período após o medicamento ter sido suspenso.
O tratamento com amiodarona altera transitoriamente os resultados dos testes de função tiroidiana, embora estes possam também estar associados às disfunções da glândula induzidas pelo medicamento, como hipotiroidismo e tirotoxicose secundária ao hipertiroidismo e/ou à tiroidite.
A maioria dos pacientes eutiroidianos em uso de amiodarona (200 mg/dia) permanecem com função da tiroide intacta, mesmo quando doses mais altas são utilizadas (400 mg/dia). No entanto, quase 90% dos pacientes tendem a apresentar alterações nas dosagens dos hormônios tiroidianos, que podem ser observadas de forma transitória (≤3 meses) ou de maneira mais prolongada (>3 meses)
Função tiroidiana durante o tratamento com amiodarona em indivíduos eutiroidianos
Hormônio tiroidiano | Tratamento com amiodarona (curta duração: ≤3 meses) | Mecanismos | Tratamento com amiodarona (longa duração: >3 meses) | Mecanismos |
TSH | Aumentado | Baixa produção de T4 (efeito Wolff-Chaikoff*) Inibição da atividade de D2** hipofisária Inibição da ligação do T3 com seu receptor na hipófise | Normal | Produção normal de T4 (escape do efeito Wolff-Chaikoff*) |
T4 total e livre | Aumentados | Inibição da atividade hepática de D1** | Ligeiramente aumentados/ normais altos | Inibição da atividade hepática de D1 Aumento da produção de T4 Baixo clearance metabólico de T4 |
T3 total e livre | Diminuídos | Inibição da atividade hepática de D1 | Ligeiramente diminuídos/ normais baixos | Inibição da atividade hepática de D1 aumento da produção de T4 Baixo clearance metabólico de T4 |
T3 reverso | Elevado | Inibição da atividade hepática de D1 | Elevado | Inibição da atividade hepática de D1 |
*Efeito Wolff-Chaikoff: redução da produção de hormônios tiroidianos causada pela ingestão de grandes quantidades de iodo.
**Desiodases tipo I e II (D1 e D2): enzimas responsáveis pela conversão de T4 em T3.
Adaptado de Bartalena L et al. 2018.
Alterações no funcionamento da tiroide
As disfunções tiroidianas secundárias ao excesso de iodo podem ocorrer em glândulas aparentemente normais ou diante de anormalidades prévias na tiroide, mesmo que assintomáticas. Na presença de doença autoimune, há possibilidade de a amiodarona causar hipotiroidismo, principalmente nos pacientes com anticorpos antiperoxidase e/ou antitiroglobulina positivos, hipertiroidismo, sobretudo em paciente com doença autoimune, TRAb positivo ou com nódulos autônomos, ou tiroidite destrutiva, por efeito direto do excesso de iodo na célula folicular.
Quanto ao tratamento, o hipotiroidismo secundário ao uso de amiodarona não requer a suspensão do medicamento, sendo tratado com levotiroxina.
A tirotoxicose induzida por amiodarona, por sua vez, pode se apresentar de duas formas. A do tipo 1 resulta em hipertiroidismo secundário ao “aporte” aumentado de iodo, ocorrendo em bócio nodular ou doença de Graves latente. Já a do tipo 2 decorre do processo destrutivo secundário à ação direta da medicação nas células foliculares (tiroidite) em uma glândula geralmente normal. Em alguns casos, no entanto, ocorre sobreposição dos achados clínicos e laboratoriais dos dois tipos, não sendo possível diferenciá-los. Nessas situações, o tratamento com drogas antitiroidianas e glicocorticoides pode estar indicado.
Achados comuns das principais formas de tirotoxicose induzida por amiodarona
| Tipo 1 | Tipo 2 |
Anormalidades na tiroide | Nódulos ou bócio à palpação | Usualmente sem alterações |
Ultrassonografia com Doppler (fluxo em cores) | Aumento da vascularização | Vascularização reduzida |
Captação de radioiodo | Baixa (normal/aumentada em poucos casos) | Suprimida |
Cintilografia com 99m-tecnécio | Normal ou alta | Baixa |
Anticorpos antirreceptor de TSH (TRAb) | Presentes nos casos secundários à doença de Graves* | Usualmente ausentes* |
Tempo de início após introdução da amiodarona | Curto (mediana de três meses) | Longo (mediana de 30 meses) |
Remissão espontânea | Não | Possível |
Hipotiroidismo subsequente | Não | Possível |
Tratamento de primeira linha | Drogas antitiroidianas Betabloqueadores | Glicocorticoide oral Betabloqueadores |
Tratamento subsequente definitivo da tiroide (cirurgia) | Geralmente sim | Não |
*A presença isolada de anticorpos antitiroglobulina e antiperoxidade não permite o diagnóstico de tipo 1.
Adaptado de Bartalena L et al. 2018..
Referências:
1. Bartalena L et al. 2018. European Thyroid Association (ETA). Guidelines for the Management of Amiodarone-Associated Thyroid Dysfunction. Eur Thyroid J 2018;7:55–66.
2. Campos MV . Efeitos da amiodarona na tiroide. Aspectos actuais. Acta Med Port 2004; 17: 241-246.
3. Dan G-A et al. Antiarrhythmic drugs-clinical use and clinical decision making: a consensus document from the European Heart Rhythm Association (EHRA) and European Society of Cardiology (ESC) Working Group on Cardiovascular Pharmacology, endorsed by the Heart Rhythm Society (HRS), Asia-Pacific Heart Rhythm Society (APHRS) and International Society of Cardiovascular Pharmacotherapy (ISCP). Europace (2018) 20, 731–732.
4. Maia AL et al. Consenso brasileiro para o diagnóstico e tratamento do hipertireoidismo: recomendações do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Arq Bras Endocrinol Metab 2013, 57 (3): 205-232.
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6. Ross DS. Amiodarone and thyroid dysfunction. UpToDate, 24.02.2020.
7. Trohman RG et al. Amiodarone and thyroid physiology, pathophysiology, diagnosis and management. Trends Cardiovasc Med. 2019 July; 29(5): 285–295.
Consultoria médica
Cardiologia:
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Endocrinologia:
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