Endometriose e os métodos de imagem

A contribuição da ultrassonografia transvaginal e da ressonância magnética no diagnóstico

Condição inflamatória crônica, a endometriose se caracteriza pela presença de tecido semelhante ao endométrio (glândula e estroma) fora da cavidade uterina. Afeta cerca de 10% a 15% das mulheres em idade fértil, 90% das mulheres com dor pélvica crônica e de 20% a 50% das mulheres inférteis. Os sintomas mais importantes são dismenorreia, dispareunia, dor pélvica predominantemente cíclica, infertilidade, disquezia e disúria.



Dados de literatura mais recentes descrevem alguns achados de endometriose peritoneal na ultrassonografia e na ressonância magnética, porém as formas mais iniciais da endometriose podem ainda contribuir para resultados falso-negativos nos exames de imagem e não há um marcador sorológico disponível para essa condição.

Quando na forma profunda, a doença afeta mais frequentemente o tórus uterino, os ligamentos uterossacros, as regiões paracervicais, o septo retovaginal, os ovários, o trato digestivo (especialmente o retossigmoide), o ureter e a bexiga. Mais raramente podem ser encontradas lesões mais distantes no diafragma, na parede abdominal e nos pulmões.

A suspeição da endometriose baseia-se nos sintomas e no exame físico (toque vaginal, retal e exame especular), mas isso não basta para a conclusão diagnóstica2. A pobre correlação entre os sintomas e a gravidade da doença contribui para a dificuldade em obter um diagnóstico confiável de endometriose firmado apenas na apresentação clínica3.

Diversos estudos relataram que o tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico definitivo da condição pode variar de sete a dez anos4. Vários métodos de imagem têm sido utilizados para a identificação não invasiva e o mapeamento pré-operatório das lesões endometrióticas, com destaque para a ultrassonografia transvaginal (USTV) e a ressonância magnética (RM) com protocolos dedicados.

O mapeamento por imagem das lesões é fundamental para a escolha do tratamento (clínico ou cirúrgico) mais adequado a cada caso e para o planejamento cirúrgico (uni ou multidisciplinar).

 

MÉTODOS DE IMAGEM

Os métodos de imagem são essenciais para reconhecer e mapear as lesões de endometriose, já que o último consenso da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE) defende que a confirmação da condição deve ser feita por esses exames, ficando a laparoscopia reservada apenas para os casos sintomáticos com resultados de imagem negativos ou para aqueles tratados empiricamente e sem resposta clínica.5

A USTV é habitualmente o primeiro exame realizado pelas pacientes com suspeita clínica de endometriose. Tem, como principais vantagens, o baixo custo e a alta disponibilidade, mas depende da experiência do examinador6. Atualmente, pode ser usado como exame de screening em pacientes sintomáticas ou com suspeita clínica de endometriose através da adoção de simples manobras adicionais ao protocolo de rotina, possibilitando a detecção de endometriose no sítio mais frequente, a região retrocervical7.

O estudo dedicado para a pesquisa de endometriose e para o mapeamento das lesões pode ser realizado por USTV e/ou RM e consiste na avaliação do andar superior do abdome e da pelve, incluindo aparelho urinário, diafragma, retroperitônio, parede abdominal e assoalho, além do reto, sigmoide, ureteres, bexiga e estruturas ligamentares, dentre outros.

Ambos os exames têm protocolo próprio e devem ser realizados após o preparo intestinal, que consiste na adoção de uma dieta sem resíduos, na véspera e no dia do exame, na utilização de laxante por via oral na véspera e na aplicação de um enema retal na hora que antecede o exame. O preparo intestinal aumenta a acurácia do diagnóstico das lesões intestinais, principalmente as de sigmoide proximal e regiões ileocecal e retrocervical8.

Além disso, a experiência do radiologista para realização do exame é determinante para um diagnóstico assertivo. Os profissionais envolvidos nesse diagnóstico devem ser treinados e possuir conhecimentos inerentes à doença, podendo haver uma menor disponibilidade de médicos capacitados em algumas regiões do País.

Embora o custo do estudo específico com preparo intestinal por RM e ultrassonografia seja maior, as informações fornecidas pelos exames são fundamentais para a definição do tratamento. Vale a pena destacar que ambos podem ser realizados em qualquer fase do ciclo menstrual sem prejuízo diagnóstico. Da mesma forma, os dois exames podem ser realizados na mesma data, proporcionando mais comodidade à paciente (execução do exame no mesmo tempo e local, com preparo intestinal único) e maior assertividade ao médico prescritor, notadamente nos casos complexos de acometimento multifocal ou de extensão para a parede lateral ou assoalho pélvico.

As lesões de endometriose apresentam-se como placas ou nódulos nos locais de predileção citados anteriormente. Na USTV, as lesões são predominantemente hipoecoicas9 e, na RM, predominantemente hipointensas em T2, podendo ser identificados focos de tecido glandular, que são hiperintensos em T1.


A ultrassonografia pélvica por via abdominal e transvaginal com preparo intestinal

A ultrassonografia tem como vantagens o contato próximo com a paciente, permitindo uma anamnese detalhada e a possibilidade de correlacionar a área identificada com o transdutor com a queixa de dor. Como pontos negativos, há limitação em lesões muito volumosas (como miomas e endometriomas muito grandes), na avaliação de pacientes virgens que não podem realizar a USTV e na análise do diafragma, das regiões laterais da pelve e assoalho pélvico.

Vantagens

-Método dinâmico (mobilidade das estruturas para avaliação de aderências)

-Capacidade de detectar lesão intestinal pequena e múltiplos focos intestinais

-Própria para identificar lesões peritoneais ou vesicais pequenas

-Disponibilidade e custo

Desvantagens

-Dependente de operador

-Curva de aprendizado mais demorada

-Campo limitado em caso de lesões volumosas

-Limitação em virgens (exame suprapúbico)


Ressonância magnética com preparo intestinal

A principal vantagem da RM do abdome e da pelve com preparo intestinal é a possibilidade de avaliação global da cavidade abdominal, que permite o mapeamento das lesões, desde o diafragma ao assoalho da pelve, identificando a doença multifocal e com extensão extrapélvica com maior facilidade.

Outra contribuição de destaque é a avaliação da distorção da anatomia pélvica promovida pela endometriose, assim como o fornecimento de informações para conduta cirúrgica, permitindo determinar a relação com estruturas nobres, tais como nervos e vasos pélvicos, ureter e paramétrio. Essa análise pode ser fundamental no grupo de pacientes com indicação de cirurgia. A RM contribui ainda na caracterização de lesões anexiais que, porventura, sejam duvidosas à ultrassonografia. Como ponto negativo, tem um custo maior e maior susceptibilidade a artefatos de movimentação.

Vantagens

  • Amplo campo (obesidade, lesão volumosa, casos mais complexos)
  • Exame de eleição em pacientes virgens
  • Maior acurácia no diagnóstico dos endometriomas
  • Ideal para identificar lesões neurais, no diafragma e no assoalho pélvico11
  • Não dependente de operador (discussão a distância)

Desvantagens

  • Custo
  • Disponibilidade
  • Curva de aprendizado
  • Claustrofobia
  • Lesões pequenas
  • Artefatos de movimento



Referências bibliográficas

1. Pedrassani M, Guerriero

S, Pascual MÁ, Ajossa S, Graupera B, Pagliuca M, et al. Superficial endometriosis at ultrasound examination – a diagnostic criteria proposal. Diagnostics (Basel). 2023 May 27;13(11):1876.

2. Chapron C, Dubuisson J-B, Pansini V, Vieira M, Fauconnier A, Barakat H, et al. Routine clinical examination is not sufficient for diagnosing and locating deeply infiltrating endometriosis. J Am Assoc Gynecol Laparosc. 2002;9(2):115–9.

3. Nisenblat V, Prentice L, Bossuyt PM, Farquhar C, Hull ML, Johnson N. Combination of the non-invasive tests for the diagnosis of endometriosis (Review). Cochrane Database Syst Rev. 2016;(7).

4. Arruda MS, Petta CA, Abrão MS, Benetti-Pinto CL. Time elapsed from onset of symptoms to diagnosis of endometriosis in a cohort study of Brazilian women. Hum Reprod. 2003;18(4):756–9.

5. Becker CM, Bokor A, Heikinheimo O, Horne A, Jansen F, Kiesel L, et al. ESHRE Guideline: endometriosis. Hum Reprod Open. 2022;pp. 1-26.

6. Piketty M, Chopin N, Dousset B, Millischer-Bellaische AE, Roseau G, Leconte M, et al. Preoperative work-up for patients with deeply infiltrating endometriosis: transvaginal ultrasonography must definitely be the first-line imaging examination. Hum Reprod. 2009;24(3):602–7.

7. Young SW, Jha P, Chamié L, Rodgers S, Kho R, Horrow MM, et al. Society of Radiologists in Ultrasound Consensus on Routine Pelvic US for Endometriosis. Radiology. 2024;311(1):e232192.

8. Ros C, Martínez-Serrano MJ, Rius M, Abrão MS, Munrós J, Martínez-Zamora MA, et al. Bowel preparation improves the accuracy of transvaginal ultrasound in the diagnosis of rectosigmoid deep infiltrating endometriosis: a prospective study. J Minim Invasive Gynecol. 2017;24(7):1145-1151.

9. Chamie LP, Pereira RM, Zanatta A, Serafini PC. Transvaginal US after bowel preparation for deeply infiltrating endometriosis: protocol, imaging appearances, and laparoscopic correla-tion. Radiographics 2010;30(5):1235–1249.

10. Chamie LP, Blasbalg R, Pereira RMA, Warmbrand G, Serafi ni PC. Findings of pelvic endometriosis at transvaginal US, MR imaging, and laparoscopy.

Radiographics. 2011;31(4):E77-100.

 11. Chamie LP, Ribeiro DMFR, Tiferes DA, Macedo Neto AC, Serafini PC. Atypical sites of deeply infiltrative endometriosis: clinical characteristics and imaging findings. Radiographics. 2018;38(1):309-328.