Hipotiroidismo congênito

Reconhecimento precoce da condição é vital para um bom prognóstico.

O hipotiroidismo congênito (HC) é a doença endócrina congênita mais prevalente e pode ocorrer por alterações na formação da tiroide, também chamadas disgenesias tiroidianas (agenesia, hipoplasia ou ectopia), ou por defeitos na síntese dos hormônios tiroidianos, denominados disormonogêneses. A condição ainda configura uma das causas mais frequentes de retardo mental evitável se não for diagnosticada e tratada precocemente.

O prognóstico depende da gravidade do hipotiroidismo, do tempo decorrido para início da reposição de levotiroxina e do tempo para normalização da concentração dos hormônios da tiroide. Por essa razão, a inclusão da investigação de HC no teste de triagem neonatal, ou teste do pezinho, tem muita importância em nosso meio. A espera de 48 horas para a coleta de sangue do recém-nascido é importante para a diminuição do pico fisiológico do TSH que ocorre nas primeiras horas da vida neonatal e para o hormônio materno ser excretado e metabolizado.

O valor de corte do TSH que indica investigação adicional é 10 mUI/L, podendo ocorrer variações desse valor nos diversos Estados brasileiros.


Causas

A disgenesia, um conjunto de alterações do desenvolvimento embrionário da tiroide (agenesia, ectopia ou hipoplasia), responde por 85-90% dos casos de HC. É tradicionalmente considerada uma doença esporádica, com incidência cerca de duas vezes superior no sexo feminino.

Por volta de 10-15% dos casos decorrem da disormonogênese, ou seja, da insuficiência de hormônios tiroidianos relacionada a alterações em sua produção, como defeitos enzimáticos que afetam direta ou indiretamente a disponibilidade intracelular de iodo, bem como à sua organificação.

Mais raramente, em 1:10.000 a 20.000 nascidos vivos, o HC tem origem central, isto é, por doença hipofisária ou hipotalâmica (hipotiroidismo secundário e terciário, respectivamente), mas com tiroide estrutural e funcionalmente íntegra. Essas formas, muitas vezes transitórias, derivam de uma deficiente estimulação da tiroide por uma síntese inadequada de TSH, associada à imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-tiroide, como por vezes se dá nos prematuros.


Existem sintomas e sinais específicos do HC?

A maioria das crianças com HC não tem sintomas ao nascimento, reforçando a importância da triagem neonatal. Algumas, porém, podem apresentar sonolência e dificuldade na amamentação, embora nem sempre esses sinais indiquem HC. Outros sintomas incluem icterícia prolongada, constipação, hipotonia muscular, hérnia umbilical, extremidades frias e atraso no crescimento.

A tiroide não é detectada nos casos de agenesia, pode apresentar menor tamanho no leito tiroidiano na hipoplasia ou estar fora da região habitual na ectopia, com possibilidade se ser encontrada na região cervical mais alta, inclusive na base da língua. Já os defeitos da disormonogênese cursam habitualmente com tiroide aumentada, que pode atingir dimensões consideráveis se não tratada adequadamente.


Exames indicados para o diagnóstico

Na suspeita de HC, deve-se iniciar o tratamento com levotiroxina. Após a normalização dos valores de TSH, testes adicionais podem ajudar a diferenciar entre um hipotiroidismo transitório e um HC permanente, e a investigar a etiologia neste último. Entretanto, na maioria dos casos, os exames complementares não mudam o tratamento e, por isso, são opcionais.

A ultrassonografia (US) de tiroide com Doppler define com maior exatidão a localização, bem como as dimensões e as características da tiroide, nem sempre possíveis de avaliar pela simples palpação, em particular no recém-nascido. A ausência de tecido tiroidiano em sua localização habitual sugere que a glândula não está presente ou está ectopica, o que só uma cintilografia pode esclarecer.

A associação da dosagem da tiroglobulina (TG) com a US da tiroide permite avaliar a etiologia do HC. A ausência da glândula na sua topografia habitual, associada a níveis baixos ou ausentes de TG, aponta para uma situação de agenesia, tornando pouco provável a possibilidade de ectopia ou hipoplasia.

Por sua vez, na presença de uma glândula normal ou aumentada, com níveis circulantes de TG baixos ou ausentes, os defeitos da síntese de TG são a hipótese mais provável. Finalmente, valores elevados de TG ocorrem em situações de disormonogênese. A cintilografia da tiroide, realizada habitualmente após os 2 anos de idade, fornece informações morfológicas e de carácter funcional, além de permitir o diagnóstico diferencial definitivo entre a ausência da glândula e a ectopia. Pode ser feita com tecnécio- -99m (Tc-99m ou pertecnetato) ou iodo-123.

O tecnécio-99m consiste em um elemento radioativo que se comporta de maneira análoga ao iodo, com incorporação pelo co-transportador de sódio e iodo (NIS), sem ser organificado. Tem ainda utilidade nos estudos funcionais da tiroide. 

Na investigação de disormonogênese e visualização de tiroide tópica à US, a realização de cintilografia pode auxiliar o diagnostico diferencial. A captação positiva é compatível com defeito de organificação (defeitos na TPO, tiroglobulina, Duox), enquanto a captação diminuída, mas com localização normal da tiroide à US, sugere a possibilidade de variante alélica patogênica (mutação) no gene do receptor de TSH, variante do gene NIS ou anticorpos bloqueadores do receptor de TSH transmitidos pela mãe. Os autoanticorpos tiroidianos podem ser solicitados quando a mãe tem doença autoimune da tiroide para diagnosticar a forma transitória de HC.


Diagnóstico diferencial


Lembre-se também da hipo-TBGnemia
(TBG = globulina ligadora de tiroxina)

 

*Em caso de T4 livre normal, na presença de hipo-TBGnemia, em criança sem manifestações de hipotiroidismo, o diagnóstico de HC pode ser afastado.

Adaptado de: Setian N. Hypothyroidism in children: diagnosis and treatment. J Pediatr (Rio J). 2007;83(5 Suppl):S209-216.


Seguimento

O acompanhamento dos pacientes é feito com dosagens de T4 livre e TSH. Se esses hormônios se mantiverem normais após os 3 anos de idade na ausência de diagnóstico etiológico de HC, a administração de levotiroxina deve ser suspensa durante um mês.

Se o valor do T4 livre diminuir (abaixo dos valores de referência para a idade) em associação com aumento do TSH, o HC permanente estará confirmado e o tratamento com levotiroxina terá de ser reiniciado.

Se TSH e T4 livre se mantiverem dentro dos valores de referência para a idade, a hipótese mais provável é de HC transitório e o tratamento com levotiroxina poderá, então, ser suspenso. Nesses casos, convém fazer o acompanhamento periódico da criança. Se houver novo aumento do TSH, o tratamento com levotiroxina deverá ser reiniciado.


Referências

Alves CAD, Cargnin KRN, de Paula LCP, et al. Hipotireoidismo Congênito: Triagem Neonatal. Documento Científico: Departamento de Endocrinologia. Sociedade Brasileira de Pediatria 2018;5:1-12.

LaFrenchi S. Clinical features and detection of congenital hypothyroidism. UpToDate, abril 2021.

Setian N. Hypothyroidism in children: diagnosis and treatment. J Pediatr (Rio J). 2007;83(5 Suppl):S209-216.

Rodrigues Al et al. Rev Port Endocrinol Diabetes Metab. 2014;9(1):41–52.


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