Incontinência urinária na população idosa

Condição deve ser rastreada de forma ativa nos idosos, pois metade não relata os sintomas.

A incontinência urinária caracteriza-se pela perda involuntária de urina, associada a um impacto importante na qualidade de vida, com comprometimento social, pessoal e emocional do indivíduo, além dos custos relacionados com o cuidado e com a repercussão psicológica dos cuidadores. Acomete cerca de três vezes mais frequentemente as mulheres que os homens e tem prevalência que aumenta com a idade. Na população acima de 65 anos, afeta 35% dos indivíduos que vivem na comunidade e mais de 60% das pessoas institucionalizadas, tendo ainda como consequência, nesse grupo, o maior risco de quedas e fraturas.


Quadro 1. O que causa ou piora a incontinência urinária na população idosa

Parâmetro afetado
Exemplos 
Capacidade de chegar ao banheiro
- Artrite, Parkinson e redução da acuidade visual, causando comprometimento funcional
- Efeitos extrapiramidais de antipsicóticos
- Medicamentos que causam sedação ou confusão (benzodiazepínicos)
- Grave comprometimento cognitivo por demência avançada ou depressão grave
Equilíbrio hídrico
- Maior ingestão de bebidas cafeinadas e de álcool
- Aumento da diurese noturna por insuficiência cardíaca congestiva, apneia do sono, estase ou fármacos que causam edema periférico (anlodipino, tiazolinedionas, gabapentina)
- Diuréticos
Fechamento da uretra
- Gestações e partos
- Cirurgias pélvicas
- Obesidade importante
- Tosse por doença pulmonar e uso de inibidores da ECA
Força contrátil da bexiga
- Medicamentos que comprometem a contratilidade vesical: bloqueadores do canal de cálcio, anticolinérgicos, opioides
- Diabetes avançado, deficiência de vitamina B12, dano da medula espinhal inferior
Falta de inibição das contrações vesicais
- Doenças do sistema nervoso central, AVC, doenças da medula espinhal suprassacral
- Diabetes
- Irritação local da bexiga por cálculos e carcinoma

Adaptado de Kuchel e DuBeau, 2009.

 

Fatores de risco para incontinência urinária em idosos:

  • Comprometimento da mobilidade
  • Uso de medicamentos
  • Depressão
  • Ataque isquêmico transitório
  • Acidente vascular cerebral
  • Demência
  • Insuficiência cardíaca congestiva
  • Alterações do hábito intestinal
  • Constipação
  • Obesidade

Tipos de incontinência urinária

Incontinência temporária
Perda de urina relacionada com uma situação temporária diretamente associada ou não com o sistema urinário. Os sintomas melhoram com o tratamento do quadro subjacente. 

Fatores relacionados:

  • Infecções do trato urinário
  • Vaginite atrófica
  • Uretrite
  • Prostatite
  • Uso de diuréticos
  • Diabetes insípido
  • Polidipsia psicogênica
  • Hiperglicemia
  • Hipercalcemia
  • Sobrecarga hídrica associada com insuficiência cardíaca
  • Delirium
  • Impactação fecal

Incontinência crônica

Apresenta sintomas persistentes, não decorrentes de uma circunstância primária, e pode ser classificada conforme abaixo:

 

Tipo 
Principais sintomas
Causas
Esforço
Perda de urina com atividades físicas que aumentam a pressão abdominal, como tossir, espirrar e rir
. Disfunção (fechamento inadequado) do esfíncter uretral externo
. Hipermobilidade uretral
. Prostatectomia radical
Urgência
Início súbito de sensação de vontade de urinar, com perda de urina antes de chegar ao banheiro. Há urgência urinária, poliúria e noctúria
. Hiperatividade do detrusor
. Idiopática
. Transtornos neurológicos (esclerose múltipla, Parkinson, AVC, demência)
. Dano da medula espinhal
Transbordamento ou paradoxal
Perdas frequentes de pequenos volumes de urina não associadas com atividade
. Insuficiência do detrusor
. Transtornos neurológicos
. Dano da medula espinhal
. Diabetes
Funcional
Sintomas variáveis de perda urinária
. Comprometimento da mobilidade
. Comprometimento cognitivo
Mista
Sintomas variáveis de perda urinária
. Causa variável

               

Na incontinência de transbordamento ou paradoxal há obstrução da saída ou prejuízo da contratilidade do detrusor, com esvaziamento incompleto da bexiga, assim como ocorre nos indivíduos com hiperplasia prostática benigna. A presença de estreitamentos da uretra é mais comum nos homens, porém também pode ocorrer nas mulheres.

A incontinência funcional deriva de fatores não associados diretamente com a bexiga, que podem ser temporários, com resolução da perda de urina após a correção da condição subjacente. Por outro lado, condições crônicas, como a demência por doença de Alzheimer ou transtornos vasculares, prejudicam o reconhecimento de plenitude vesical, causando igualmente esse quadro.

Já a incontinência mista descreve as condições nas quais o paciente experimenta mais de um subtipo. Uma combinação frequente é a de esforço com a de urgência. Em idosos é comum a hiperatividade do detrusor com comprometimento da contratilidade, que se manifesta por urgência urinária.

De maneira geral, após os 65 anos de idade, observa-se aumento da prevalência de incontinência de urgência e diminuição da de esforço, enquanto a prevalência da forma mista permanece estável

 

Diagnóstico

A investigação da incontinência urinária na população idosa deve se basear nos dados da história clínica, do exame físico e na realização de exames complementares. É importante que essa avaliação seja multifatorial, considerando a presença de comorbidades, o status funcional e o uso de medicamentos que podem ser a etiologia da perda urinária. Esses fatores, juntamente com a correta identificação do tipo de incontinência urinária que o idoso apresenta, são importantes para a escolha do tratamento. Destaca-se ainda que o rastreamento ativo da condição na população geriátrica deve ser realizado, visto que mais da metade das pessoas afetadas não relata os sintomas voluntariamente.

Alguns questionários podem ser utilizados para ajudar a quantificar a incontinência urinária e avaliar o impacto que ela causa na qualidade de vida. Dados importantes da história clínica envolvem a natureza da perda, a frequência e duração dos sintomas, os fatores desencadeantes, os tratamentos já utilizados e a história pregressa, que inclui os antecedentes de cirurgia geniturinária, a história obstétrica nas mulheres, o trauma ou a radioterapia e o uso de medicamentos.

Diário miccional

Essa ferramenta pode auxiliar no diagnóstico da incontinência urinária, pois ajuda a quantificar a extensão da perda de urina, bem como a identificar a presença de noctúria e a fazer a distinção entre os tipos da condição. O paciente é orientado a registrar o horário de cada micção e qualquer sintoma de incontinência observado durante três períodos de 24 horas. Quando possível, também deve procurar registrar a quantidade de líquido ingerida e eliminada.

Bioquímica

As dosagens de eletrólitos, como cálcio total e creatinina sérica, têm particular utilidade nos pacientes com comprometimento da função renal ou naqueles com poliúria sem uso de diuréticos. Convém dosar ainda a glicose plasmática, com jejum de oito horas, para rastreamento dos pacientes com diabetes e uma eventual associação da poliúria com a incontinência urinária.

Análise da urina

A realização do exame de urina de rotina faz parte da avaliação inicial de incontinência urinária, uma vez que possibilita descartar as outras causas que possam estar contribuindo para o desenvolvimento da perda de urina, como infecção do trato urinário e doenças que cursam com hematúria. A suspeita de infecção requer urocultura. Já a hematúria persistente indica a necessidade de aprofundar a investigação com exames de imagem e cistoscopia.

Medida de resíduo pós-miccional

Feita por meio de cateterismo vesical ou ultrassonografia, ela é útil para excluir retenção urinária como possível fator que esteja contribuindo para a incontinência. Considera-se que um volume superior a 200 mL aponta provável obstrução de saída da bexiga ou disfunção do detrusor.

Estudo urodinâmico

Trata-se de um método fisiológico padrão no estudo dos distúrbios do trato urinário baixo, de armazenamento ou esvaziamento, visto que avalia o funcionamento do conjunto composto por bexiga, uretra e musculatura do períneo, bem como as influências da pressão abdominal na micção, além de medir de forma acurada o volume urinário residual.

A urodinâmica possibilita o diagnóstico diferencial entre incotinência urinária de esforço e hiperatividade do detrusor, que podem coexistir, e cujo conhecimento acurado é fundamental para o tratamento adequado, além de permitir a investigação de outros distúrbios de armazenamento e esvaziamento.

O exame está particularmente indicado no diagnóstico de casos clínicos complexos, ou que se associam a doenças neurológicas ou outras comorbidades, além daqueles que não apresentam resposta clínica à terapêutica instituída


Referências

Griebling TL. Urinary incontinence in the elderly. Clin Geriatr Med. 2009;25:445-57.

Kuchel GA, DuBeau CE. Chapter 30: urinary incontinence in the elderly. Geriatric Nephrology Curriculum, 2009. Disponível em: https://www.asn-online.org/education/distancelearning/curricula/geriatrics/Chapter30.pdf

 

Consultoria Médica

Bioquímica e Urinálise

Dr. Gustavo Loureiro

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Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio

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Dr. Nairo Massakazu Sumita

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Geriatria

Dr. Nelson Carvalhaes

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Urologia

Dr. José Carlos Cezar Ibanhez Truzzi

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