Investigação de abuso de drogas: testes devem ser interpretados com cautela | Revista Médica Ed. 4 - 2016

Os sintomas que se associam com o abuso de substâncias variam de pessoa a pessoa e de acordo com o tempo, e não necessariamente refletem as concentrações sanguíneas presentes no corpo.

Sou clínico geral e atendi um adolescente de 17 anos com suspeita de abuso de cocaína. Como a dosagem da substância no sangue se mostrou negativa, posso considerar que ele não utilizou a droga ou devo prosseguir com outros testes? 


Os sintomas que se associam com o abuso de substâncias variam de pessoa a pessoa e de acordo com o tempo, e não necessariamente refletem as concentrações sanguíneas presentes no corpo. Ou seja, um exame isolado não consegue determinar o padrão de uso da droga. Os testes laboratoriais podem nos dizer se há drogas no organismo de um indivíduo, mas a interpretação sobre a quantidade e o tempo de consumo às vezes é difícil porque a concentração de muitas delas oscila e sofre influência da taxa de metabolismo. Assim, um resultado negativo não significa necessariamente que o paciente não utilizou a substância em algum momento, pois ela já pode ter sido metabolizada e eliminada. Da mesma forma, existe a possibilidade de o método empregado não ser o mais apropriado para a detecção do composto de interesse.


Nesse sentido, é importante saber que diferentes amostras biológicas fornecem informações distintas sobre as janelas de tempo de detecção de consumo de drogas. A pesquisa no sangue indica uso muito recente, de algumas horas a alguns dias, conforme a substância utilizada. Já a investigação na urina tem intervalo de detecção mais longo, começando de seis a oito horas e persistindo por duas semanas, em média, conforme o item pesquisado. 


O exame capilar, por sua vez, reflete o consumo por períodos mais prolongados. Como os fios crescem cerca de um centímetro por mês, a análise de três centímetros de cabelo, a contar da raiz, permite determinar o uso num intervalo de três meses. No entanto, o tempo em que o cabelo demora para emergir do bulbo faz com que seja possível detectar o contato com a substância ocorrido há, pelo menos, uma semana.


Cocaína e crack, maconha, opiáceos e drogas sintéticas podem ser identificados no sangue, na urina e no cabelo, servindo para apontar tanto o consumo recente quanto o pregresso. O fato é que a escolha da amostra mais indicada deve ser baseada nas características de cada caso. O quadro ao lado mostra as substâncias pesquisadas pelo Fleury e os materiais biológicos que podem ser utilizados.

 

Droga
Sangue (uso agudo)
Urina (uso recente)
Cabelo (histórico de consumo)
Etanol (álcool etílico)
Sim
Sim
Não
Cocaína (merla, crack)
Sim
Sim
Sim
Cannabis (maconha, haxixe)
Sim
Sim
Sim
Anfetaminas (bolinha)*
Sim
Sim
Sim
Metanfetaminas (ecstasy, ice)
Não
Sim
Sim
Benzodiazepínicos (diazepam, etc.)*
Sim
Sim
Sim
Barbitúricos (fenobarbital, etc.)*
Sim
Sim
Sim
Opiáceos (morfina, heroína e codeína)*
Não
Sim
Sim

* Nesses grupos, é possível fazer a pesquisa individualizada por droga.


Assessoria Médica
Dr. Alvaro Pulchinelli Jr., assessor médico em Toxicologia e Bioquímica Clínica
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