Investigação de infertilidade

Como deve ser a abordagem diagnóstica para esclarecer a dificuldade de concepção em ambos os sexos.

A Medicina Reprodutiva evoluiu muito no entendimento das causas de infertilidade feminina e masculina. Atualmente, já está comprovado que os casos podem ser exclusivamente femininos, exclusivamente masculinos ou, mais frequentemente, mistos.

A abordagem diagnóstica do casal infértil requer a realização de uma gama de exames de análises clínicas e de imagem.

Nesse sentido, o Fleury oferece um portfólio completo para a avaliação do potencial reprodutivo feminino e masculino, que inclui desde testes já consagrados até inovações na área de genética médica.


Considerações gerais

A infertilidade conjugal é definida como a incapacidade de um casal engravidar após o período de 12 meses com relações sexuais bem distribuídas ao longo do ciclo menstrual e desprotegidas de métodos contraceptivos. Considera-se infertilidade primária a queixa de casais que nunca tiveram filhos ou infertilidade secundária quando o casal já tem filhos, porém encontra dificuldade para engravidar novamente.

Na avaliação da infertilidade conjugal, deve-se compreender que o casal funciona como uma unidade e, dessa forma, tanto o potencial feminino como o masculino devem ser igualmente investigados pelo médico-assistente.

A prevalência de infertilidade, ao contrário da percepção popular, encontra-se estável nas últimas quatro décadas. Entretanto, a dificuldade da aquisição da maternidade em uma idade mais tardia e a maior procura por avaliação médica e por tratamento por técnicas de reprodução assistida pelos casais passam a falsa impressão de que houve um aumento na incidência de infertilidade.


Epidemiologia

Aproximadamente 88% dos casais engravidam no primeiro ano de tentativas. Portanto, cerca de 15% dos homens e mulheres em idade reprodutiva irão, em algum momento, procurar auxílio médico para a busca da fertilidade. O estilo de vida moderno faz com que os casais tentem engravidar mais tardiamente. Contudo, pessoas com idades mais avançadas apresentam um potencial biológico menor de gravidez natural.

Figura 1.

Diagnóstico de infertilidade: fator feminino

A investigação essencial do potencial reprodutivo feminino pode ser realizada, na maioria das mulheres, dentro de um único ciclo menstrual. Isso gera um dinamismo maior na avaliação clínica e uma consequente redução da ansiedade e do estresse conjugal. A paciente não deve estar em uso de medicamentos que levem a alterações hormonais. A citopatologia de colo uterino precisa estar sempre atualizada. O exame físico feminino e ginecológico pode trazer informações úteis, mas os testes complementares são imprescindíveis para uma correta avaliação.


Figura 2.

Tabela 1. Lista de exames solicitados para avaliação da fertilidade feminina de acordo com os dias de ciclo menstrual regular de 28 dias

Lista de exames

2°-4° DC

7°-12° DC

10°-14° DC

21°-28° DC

Perfil hormonal

X




Hormônio antimülleriano

X

X

X

X

Sorologias completas

NE

NE

NE

NE

Tipagem sanguínea

NE

NE

NE

NE

Cariótipo

NE

NE

NE

NE

Histerossalpingografia

X



Histeroscopia

X



Ultrassom transvaginal


X


Pesquisa de trombofilias

NE

NE

NE

NE

DC: dia do ciclo; NE: não especificado – qualquer época do ciclo


Como pedir os exames

1. Perfil hormonal para mulheres com ciclos regulares: FSH, LH, estradiol, prolactina e TSH. Realizar os exames pela manhã, com jejum mínimo de quatro horas.

2. Perfil hormonal para mulheres com ciclos irregulares: FSH, LH, estradiol, prolactina, TSH, 17-hidroxiprogesterona, androstenediona, testosterona total, cortisol, SDHEA, DHEA, glicemia de jejum e insulina em jejum. Realizar os exames no início do ciclo, com jejum de oito horas, pela manhã.

3. Hormônio antimülleriano: apresenta pouca variação no ciclo menstrual, mas deve ser solicitado preferencialmente durante a fase folicular inicial e sem o uso de métodos contraceptivos hormonais ou tratamentos de bloqueio hormonal para doenças como endometriose, adenomiose etc.

4. Sorologias completas (validade de seis meses): hepatite B, hepatite C, HIV I/II, rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, sífilis e HTLV I/II e sarampo. Solicitar sorologia para Zika vírus IgM ao iniciar o tratamento reprodutivo, com validade de 30 dias apenas.

5. Cariótipo: pode ser pedido rotineiramente ou somente diante de abortamento de repetição, mais de duas falhas de implantação embrionária, má resposta ao tratamento hormonal, suspeita clínica de síndromes genéticas e falência ovariana prematura (nesse caso, pedir pesquisa de X frágil por PCR.

6. Histerossalpingografia: ainda o melhor exame para avaliar a função tubária e estimar a competência do trato reprodutivo feminino, a fim de alcançar uma gravidez natural ou após tratamento com inseminação intrauterina. Não solicitar esse exame quando houver diagnóstico atual de hidrossalpinge pelo risco de abscesso tubo-ovariano por agudização de moléstia inflamatória pélvica.

7. Histeroscopia diagnóstica: indicada diante de suspeita de alteração na cavidade endometrial, como pólipos, mioma submucoso e sinéquias ou na presença de abortamento ou de falhas repetidas de implantação embrionária.

8. Ultrassonografia transvaginal: a realização do exame na fase folicular final do ciclo menstrual favorece uma melhor observação da cavidade endometrial (o endométrio trilaminar permite visualizar pólipos, sinéquias e miomas submucosos) e a constatação da presença ou ausência de folículo dominante nos ovários. Se houver suspeita de endometriose, a ultrassonografia transvaginal e a ressonância magnética da pelve, realizadas após preparo intestinal, constituem métodos com maior sensibilidade para a pesquisa da doença e o mapeamento das lesões, além de maior acurácia para o diagnóstico de lesões intestinais e retrocervicais.

9. Pesquisa de trombofilias: anticorpos anticardiolipina (IgG, IgM, IgA), anticoagulante lúpico, FAN, antitrombina III, mutação do gene da protrombina, proteína S, proteína C funcional, fator V de Leiden, anticorpo antibeta 2-glicoproteína 1 IgM/IgG, homocisteína e coagulograma. Esses exames devem ser solicitados caso a paciente apresente histórico clínico prévio de trombose venosa profunda ou abortamento/falha de implantação embrionária de repetição.


Diagnóstico de infertilidade: fator masculino

Cerca de 35% dos casos de infertilidade conjugal são causados pelo fator masculino, que tem a varicocele como causa mais frequente (figura 3). A avaliação tem o objetivo de excluir condições que sejam potencialmente tratáveis, como deficiências hormonais, alterações anatômicas obstrutivas ou doenças congênitas e/ou adquiridas, e identificar aqueles homens que necessitam de tecnologias de reprodução assistida para engravidar suas parceiras. Ao contrário do que ocorre na mulher, os detalhes obtidos no exame físico masculino trazem informações mais objetivas quanto ao potencial reprodutivo. Presença de varicocele importante, testículos atróficos ou ectópicos e ausência dos ductos deferentes são alterações que frequentemente cursam com redução do potencial fértil natural.

Figura 3.Como pedir os exames

Análise seminal

Solicitar preferencialmente duas amostras de espermograma, com tempo de abstinência de dois a sete dias. A análise deve seguir os parâmetros do manual da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2010. O paciente tem de evitar uso de lubrificantes e de higienização do genital com produtos químicos antes da coleta da amostra. Além disso, precisa urinar, no mínimo, duas horas antes do exame para não mascarar a presença de leucocitospermia.

Tabela 2. Valores normais de espermograma

Parâmetros
OMS 2010
Volume (mL)
≥1,5
pH
≥7,2
Concentração (x 106/mL)
≥15
Motilidade progressiva (PR)
≥32%
Motilidade total (não progressivos (NP) + PR)
≥40%
Vitalidade
≥58%
Morfologia (Kruger)
≥4%
Células redondas (x 106/mL)
<5,0
Neutrófilos (x 106/mL)
<1,0

Fonte: WHO, 2010.

Nomenclaturas

  • Hipospermia: <1,5mL.
  • Oligozoospermia: <15 x 106/mL.
  • Criptozoospermia: presença de raros espermatozoides após centrifugação do sêmen.
  • Azoospermia: ausência de espermatozoides em todo ejaculado após centrifugação.
  • Astenozoospermia: PR < 2%.
  • Necrozoospermia: <58%.
  • Teratozoospermia: <4%.
  • Leucocitospermia: ≥1 x 106/mL.


Figura 4. Fluxograma de avaliação do potencial reprodutivo masculino. 

Modificado de Esteves, Myaoka & Agarval2.


Perfil hormonal

Solicitar na presença de oligozoospermia ou azoospermia comprovada por dois espermogramas com centrifugação. A avaliação inicial inclui as dosagens dos hormônios foliculoestimulante (FSH), testosterona (T) e estradiol (E2). Na presença de alguma alteração destes dois últimos, deve-se repeti-los juntamente com o hormônio luteinizante (LH), a prolactina e o hormônio estimulante da tiroide (TSH). Na presença de redução de libido, é imperativa a avaliação da prolactina. Os exames exigem jejum de dez horas e têm de ser colhidos sempre pela manhã.

Figura 5. Fluxograma de diagnóstico de hipogonadismo hipogonadotrófico

Modificado de Sokol RZ.


Tabela 3. Avaliação do eixo hipotálamo-hipófise-testicular

 

Hormônios

Diagnóstico

FSH

Testosterona

Hipogonadismo hipogonadotrófico

Hipogonadismo hipergonadotrófico

Falência isolada do compartimento da espermatogênese

Normal


Ultrassom de bolsa testicular com Doppler colorido

Deve ser solicitado nos casos em que ocorre dúvida no exame físico, tais como varicocele já operada, hidrocele, obesidade, nódulo testicular palpável e hipersensibilidade do paciente ao exame físico. O ultrassom tem de ser feito em temperatura de 22°C a 25°C, com gel aquecido, com o paciente em posição supina e, posteriormente, em posição ortostática, além de incluir a manobra de Valsalva.


Ultrassom transretal

Ajuda a fazer o diagnóstico diferencial entre pacientes com agenesia de deferente bilateral (fibrose cística) e obstrução dos ductos ejaculatórios. Tem muita utilidade para avaliar os casos com volume ejaculatório persistentemente abaixo de 0,5 mL. Em indivíduos com fibrose cística, é comum encontrar agenesia ou hipoplasia das vesículas seminais. Nos pacientes com obstrução dos ductos ejaculatórios, ocorre uma dilatação das vesículas seminais (>1,5 cm de diâmetro anteroposterior), além de anormalidades na região dos ductos, como cistos e cálculos.


Avaliação genética

Solicitar em homens com azoospermia não obstrutiva e com oligozoospermia abaixo de 5 milhões/mL. Esses pacientes requerem investigação com exames de cariótipo e microdeleção de cromossomo Y. A síndrome de Klinefelter configura a causa genética de infertilidade mais comum. A microdeleção de cromossomo Y mais frequentemente encontrada é a zona C, podendo haver ainda deleções na zona A e na zona B, isolada ou concomitantemente. O cariótipo também deve ser solicitado na presença de abortamentos precoces de repetição, mesmo com espermogramas considerados normais.


Prova funcional

A prova de fragmentação de DNA é o principal teste validado pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva para avaliação funcional do espermatozoide. A indicação máxima do exame é a do homem que enfrenta infertilidade com espermograma normal, porém com diversos fatores de agravo à espermatogênese, como obesidade, tabagismo, uso de drogas, sedentarismo, químio/radioterapia prévias, idade avançada (acima dos 45 anos) e varicocele. Abortamento de repetição e má qualidade embrionária em tratamentos de fertilização in vitro são duas outras indicações para a requisição da prova.


Dicas/comentários na abordagem dos casais

  • Não realize de rotina laparoscopia diagnóstica para avaliação de infertilidade sem causa aparente, exceto quando houver evidências de lesões intra-abdominais ou intraovarianas suspeitas por exames de imagem ou sintomas clínicos graves por endometriose.
  • Não solicite o teste pós-coito rotineiramente, pois o exame é inconveniente e estressante para o casal, apresenta pouca reprodutibilidade e tem valor mínimo ou nulo para planejamento do tratamento para a maioria dos pacientes.
  • Não solicite de rotina testes imunológicos. Apesar da evidência de que fatores imunológicos possam influenciar de forma definitiva na implantação embrionária, essa avaliação não prediz resultados de gravidez.

 

Referências bibliográficas

1. Speroff L, Fritz M. Clinical gynecologic endocrionology and infertility, 7.ed. Philadelphia:

Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p.1013-67.

2. American Society for Reproductive Medicine. Five things physicians and patients should question. Philadelphia: ABIM Foundation; 2013 [cited 2014 15 de junho]. Disponível em: http://www.choosingwisely.org/doctor-patient-lists/american-society-for-reproductive-

medicine/.

3. World Health Organization. WHO laboratory manual for the examination and processing of human semen, 5a ed. Geneva: World Health Organization; 2010.

4. Esteves SC, Miyaoka R, Agarwal A. An update on the clinical assessment of the infertile male. [corrected]. Clinics (Sao Paulo). 2011;66(4):691-700.

5. Bhasin S. Approach to the infertile man. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92(6):1995-2004.

6. Lipshultz LI, Howards SS, Niederberger C. Infertility in the male. 4ª ed. New York: Cambridge University; 2009.


Consultoria médica

Dr. Daniel Suslik Zylbersztejn

Médico Coordenador do Fleury Fertilidade – Centro de Medicina Reprodutiva do Fleury
[email protected]