O tecido linfoide, do qual mais de 600 linfonodos fazem parte, responde pela depuração de antígenos provenientes do fluido extracelular. Os linfonodos são pequenas estruturas dinâmicas que, sobretudo na infância, podem variar de tamanho devido à constante exposição da criança a vírus e bactérias.
Mais de 50% das linfonodomegalias na população infantil ocorrem na região da cabeça e do pescoço, as chamadas linfonodomegalias cervicais. Nessa porção do corpo, um linfonodo é comumente considerado aumentado quando apresenta mais de 1,0 cm de diâmetro. Esse aumento pode ser atribuído, na maioria dos casos, a processos infecciosos/inflamatórios na região de drenagem do linfonodo e costuma ser autolimitado, sem necessidade de investigação adicional além do acompanhamento clínico. O desafio, portanto, consiste em determinar quais quadros requerem tratamento específico e quais apresentam sinais de alerta para condições mais graves.
Na prática pediátrica, uma história minuciosa e um exame físico detalhado constituem as ferramentas mais importantes na avaliação da linfonodomegalia cervical. Nesse cenário, alguns fatores têm particular relevância para o raciocínio clínico.
| Aspectos relevantes na história clínica e no exame físico na avaliação da linfonodomegalia cervical |
| Na história clínica: | No exame físico |
| ■ Idade do paciente ■ Duração da linfonodomegalia:
■ Contato com pessoas doentes ■ Exposição a animais ■ Viagens recentes ■ Tratamentos prévios ■ Uso de medicamentos contínuos | ■ Tamanho dos linfonodos e evolução ao longo do tempo ■ Localização dos linfonodos:
■ Características dos linfonodos: consistência, mobilidade, presença de sinais inflamatórios ■ Presença de lesões de pele em face e/ou couro cabeludo |
Linfonodomegalia cervical aguda secundária a infecções virais
As infecções virais configuram a principal causa de linfonodomegalia cervical na infância. Dentro desse contexto, consideram-se os linfonodos reacionais.
Geralmente, a criança apresenta um pródromo típico de uma infecção viral, muitas vezes com sintomas de vias aéreas superiores, mantém bom estado geral e, o mais importante, a linfonodomegalia, que pode ser uni ou bilateral, se resolve com a melhora do quadro infeccioso.
Vírus comuns, a exemplo de influenza, rinovírus, enterovírus, adenovírus, parainfluenza e vírus Herpes simplex (tipos 1 e 2), estão comumente associados.
Tais quadros requerem apenas observação e medidas de suporte, sem que precisem de investigação complementar
Linfonodomegalia cervical aguda bacteriana/supurativa
A segunda causa mais frequentemente relacionada à linfonodomegalia cervical na população pediátrica é a secundária a uma infecção bacteriana. Enquanto os agentes etiológicos mais comuns nas crianças incluem o Staphylococcus aureus e o Streptococcus do grupo A, o Streptococcus do grupo B e as bactérias anaeróbias devem ser considerados em recém-nascidos ou em casos de doença periodontal ou má higiene oral, respectivamente.
Em geral, na história clínica e no exame físico, há relato de febre, limitação da movimentação do pescoço e linfonodomegalia unilateral com sinais flogísticos, tais como edema, eritema, calor e dor. Ademais, em cerca de 25% dos casos, pode ocorrer flutuação.
A antibioticoterapia com cobertura adequada trata com sucesso a maior parte das infecções bacterianas que levam à linfadenite cervical. Contudo, na persistência dos sintomas e na falta de resposta ao tratamento após 48 a 72 horas ou, ainda, na presença de flutuação ou sinais sistêmicos importantes, a possibilidade de formação de abscesso deve ser cogitada. Nesse cenário, a ultrassonografia pode auxiliar o diagnóstico e apoiar os casos com indicação de punção por agulha fina ou de incisão e drenagem. Se houver dúvida ou se a linfadenite se apresentar em uma área anatômica que demanda maior detalhamento, a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética têm utilidade.
Outros exames que ajudam a conduzir casos com sintomas moderados são a cultura de sangue periférico e, em crianças com faringoamigdalite exsudativa, a cultura de orofaringe.
Adicionalmente, diante de lesões supurativas ou de indicação de punção por agulha fina ou de incisão e drenagem, a cultura da secreção mostra-se importante. A coleta deve ser realizada com antissepsia adequada e o material coletado precisa ser representativo do processo infeccioso para evitar o isolamento de contaminantes de pele. Nessas situações, o antibiograma também auxilia a direcionar o tratamento.
Linfonodomegalia cervical subaguda ou crônica
Nos casos de linfonodomegalia que se estendem por período superior a duas semanas, outras causas devem ser investigadas.
■ Principais causas infecciosas
Entre as causas infecciosas de linfonodomegalia cervical persistente estão vírus, bactérias, fungos, micobactérias e parasitas.
Os vírus Epstein-Barr (EBV) e citomegalovírus (CMV) se manifestam de modo semelhante, com um quadro agudo ou subagudo de febre, fadiga e linfonodomegalia dolorosa, frequentemente cervical posterior e bilateral. Nas infecções por EBV, a faringite com odinofagia é comum. Na suspeita de tais quadros, além de um hemograma demonstrando linfócitos atípicos, a sorologia com pesquisa de anticorpos das classes IgM e IgG para ambos os agentes ajuda a definir a etiologia. Adicionalmente, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) também precisa entrar no diagnóstico diferencial desses casos, sobretudo nos adolescentes com vida sexual ativa.
Outras causas infecciosas de linfonodomegalia cervical subaguda ou crônica que devem ser aventadas incluem a doença da arranhadura do gato, causada pela bactéria Bartonella henselae, e as infecções por micobactérias não tuberculosas. A primeira, transmitida pela mordida, arranhadura ou lambedura de gato, provoca uma infecção granulomatosa com linfonodomegalia, que pode ocorrer tanto quase imediatamente quanto semanas após o contato com o animal. A sorologia configura o exame de escolha para a elucidação diagnóstica.
Já a infecção por micobactérias não tuberculosas provoca uma linfonodomegalia crônica e indolente, usualmente em região submandibular. Com frequência, a criança se mantém afebril, com linfonodos tipicamente não dolorosos e endurecidos, embora possa haver flutuação. Uma lesão violácea na pele sobrejacente ao linfonodo deve levantar a suspeita do quadro. Nesses casos, a confirmação exige punção aspirativa por agulha fina, com pesquisa e cultura para micobactérias no material colhido.
O Mycobacterium tuberculosis também é capaz de ocasionar uma linfonodomegalia cervical crônica. O diagnóstico igualmente pode ser feito por punção aspirativa com agulha fina, com pesquisa e cultura para micobactérias, assim como pelo teste rápido molecular. Da mesma forma, a biópsia por agulha grossa é útil nesse contexto, uma vez que fornece, além do material para a pesquisa microbiológica e molecular, informações importantes sobre a arquitetura do processo inflamatório. O ensaio de liberação de interferon-gama (IGRA) pode ser usado para auxiliar o diagnóstico em situações em que não se consegue a punção do linfonodo. No entanto, em cenários de maior endemicidade, a interpretação do resultado requer cautela. Entre os parasitas, a toxoplasmose configura a causa mais comum de linfonodomegalia cervical subaguda ou crônica. A sorologia confirma o diagnóstico, indicando infecção recente quando acusa a presença de IgM. Contudo, não é incomum que a IgM específica antitoxoplasma persista reagente por períodos que podem chegar a dois anos. Por essa razão, recomenda-se associar o teste de avidez de IgG, cujo resultado contribui para definir o tempo de evolução do processo: quando menor que 30%, sugere infecção há menos de três meses.
Paracoccidioidomicose: uma causa que deve ser lembrada
| Causada por fungos dimórficos do gênero Paracoccidioides spp., a paracoccidioidomicose configura-se como uma micose sistêmica granulomatosa, com distribuição geográfica restrita à América Latina. Em diversas regiões do Brasil, incluindo o interior do Estado de São Paulo, é considerada endêmica. A infecção ocorre principalmente pela inalação do fungo, de modo que os pulmões são a principal porta de entrada do patógeno. No entanto, menos de 5% dos indivíduos expostos desenvolvem manifestações clínicas relevantes, o que reflete o papel importante da resposta imunológica do hospedeiro na contenção da infecção. A forma aguda ou subaguda da paracoccidioidomicose – também chamada de forma juvenil – corresponde a menos de 10% dos casos e acomete predominantemente crianças, adolescentes e adultos jovens com menos de 30 anos. Nessa apresentação, a disseminação da infecção para o sistema reticuloendotelial resulta em linfadenopatia, hepatoesplenomegalia e/ou disfunção da medula óssea (por exemplo, anemia aplástica). Os sintomas constitucionais, como febre persistente, perda ponderal importante e mal-estar, são frequentes e, portanto, especialmente em áreas endêmicas, a infecção por Paracoccidioides spp. representa um importante diagnóstico diferencial com doenças hematológicas, a exemplo de linfomas. ![]() |
■ Causas não infecciosas
Embora a maioria dos casos de linfonodomegalia cervical na população pediátrica seja ocasionada por processos infecciosos, outras causas não infecciosas potencialmente graves podem se associar à condição.
Dentre esses quadros, as doenças malignas primárias ou metastáticas demandam cuidadosa atenção, sobretudo quando há sintomas de alerta que persistem, tais como febre, fadiga, sudorese noturna, perda de peso, palidez, dor óssea, hematomas ou sangramentos.
Nas doenças neoplásicas, os linfonodos caracteristicamente se apresentam persistentes, endurecidos, firmes, não dolorosos e, geralmente, maiores ou com aumento progressivo de tamanho, podendo ser ainda unilaterais, confluentes e aderidos às estruturas adjacentes.
Linfonodomegalias em localizações não habituais, a exemplo das supraclaviculares, requerem pronta investigação, independentemente do aspecto.
Possíveis causas não infecciosas de linfonodomegalia cervical em crianças |
| Malignas ■ Linfomas ou leucemias ■ Neuroblastoma ■ Rabdomiossarcoma ■ Neoplasia de tiroide Reumatológicas ■ Lúpus eritematoso sistêmico ■ Artrite idiopática juvenil Medicamentosas ■ Fenitoína ■ Carbamazepina | Outras ■ Pós-vacinal ■ Febre periódica, estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA) ■ Doença de Kawasaki ■ Síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C) ■ Doença de Kikuchi ■ Histiocitose de células de Langerhans ■ Linfo-histiocitose hemofagocítica ■ Doença de Castleman |
■ E se a causa não for identificada e a linfonodomegalia perdurar?
Se, após avaliação inicial, a etiologia da linfonodomegalia permanecer indeterminada ou a condição persistir por mais de seis semanas, a despeito de eventual tratamento antimicrobiano, há indicação de testes adicionais para investigar causas menos comuns, tanto infecciosas quanto não infecciosas.
Exames laboratoriais que podem ser úteis à investigação de linfoadenomegalia |
| ■ Hemograma: o encontro de neutropenia, presença de blastos, bicitopenia e pancitopenia pode sugerir o diagnóstico de leucemia ■ Velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C reativa (PCR) ■ Enzimas hepáticas para avaliação de envolvimento sistêmico ■ Ensaio de liberação de interferon-gama ■ Sorologias para EBV, CMV, herpes-vírus tipo 6, Toxoplasma gondii ■ Avidez de IgG para EBV, CMV, T. gondii (na presença de IgM específica para um ou mais desses agentes) ■ Sorologia para HIV e sífilis ■ Outras investigações infecciosas de acordo com o cenário clínico:
■ Ácido úrico: pode se elevar em linfonodomegalias associadas a leucemias e linfomas, embora outras causas também estejam por trás do aumento de sua concentração sérica ■ Mielograma: está indicado quando há alterações no hemograma, como diminuição significativa e inexplicada do número de células de uma ou mais séries; blastos ou alterações leucoeritroblásticas; leucocitose ou citopenias associadas à presença de linfonodomegalia ou hepatoesplenomegalia não infecciosas; leucocitose ou citopenias relacionadas a uma massa mediastinal |
Exames de imagem que podem ser úteis em quadros persistentes sem etiologia definida |
| ■ Radiografia de tórax: serve para a avaliação de massa mediastinal ou de linfonodomegalia generalizada e hilar ■ Ultrassonografia cervical com Doppler: guia a punção por agulha e ajuda a definir a natureza do nódulo, indicando características sugestivas de malignidade, como heterogeneidade, formato arredondado, em conglomerado, hilo estreito ou ausente, bordas irregulares, espiculadas ou maldefinidas, presença de áreas de liquefação ou de microcalcificações, padrões irregulares de vascularização ■ Tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM): a TC pode ser útil diante da indicação de intervenção cirúrgica em linfonodos mais profundos. A RM fornece informações semelhantes às da TC, mas sem expor o paciente à radiação. Contudo, trata-se de método mais demorado e que pode requerer sedação. Se houver suspeita de malignidade, a RM é superior à TC na avaliação da linfonodomegalia, uma vez que apresenta melhor resolução para tecidos moles e envolvimento de nervos |

■ A importância do diagnóstico tecidual
A biópsia excisional é o padrão-ouro para a avaliação das linfonodomegalias periféricas sem etiologia definida, uma vez que remove o linfonodo inteiro, permitindo a análise de todo o tecido e de sua arquitetura. O exame histológico inclui avaliação morfológica e imuno-histoquímica, entre outros testes que podem ser preconizados em situações específicas. De acordo com o contexto clínico, a análise microbiológica também pode ser feita tanto para bactérias quanto para micobactérias e fungos.
Quando considerar a biópsia do linfonodo |
| ■Linfonodomegalia com características que sugerem malignidade, ao exame físico ou radiológico ■Etiologia indefinida após investigação clínica e laboratorial, com aumento de tamanho do linfonodo ao longo de duas semanas ou sem regressão após quatro a seis semanas ■ Linfonodomegalia supraclavicular ou cervical inferior ou associada a uma linfonodomegalia profunda ■Presença de sintomas sistêmicos persistentes e inexplicados que podem se associar a doenças graves ■Presença de hepatomegalia, esplenomegalia ou alterações no hemograma inexplicadas ■Achado de outras anormalidades radiológicas ■ Ausência de melhora após eventual tratamento |
Consultoria médica
Infectologia
Dra. Carolina dos Santos Lázari - [email protected]
Dr. Celso F. H. Granato - [email protected]
Dr. Matias Chiarastelli Salomão - [email protected]
Dra. Paola Cappellano Daher - [email protected]
Pediatria
Dra. Fernanda Picchi Garcia - [email protected]
Radiologia Pediátrica
Dra. Lisa Suzuki - [email protected]
Patologia
Dr. Aloisio F. S. Silva - [email protected]
Dra. Flávia Fernandes Silva Zacchi - [email protected]
Contribuíram também, com esta matéria, os infectologistas pediátricos do Grupo de Pediatria do Fleury
Dra. Daniela Pires Ferreira Vivacqua - [email protected]
Dr. Ivan Cese Marchetti - [email protected]
Referências
1. Linfonodomegalia periférica na criança e no adolescente: quando pensar em câncer. Documento científico de Oncologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Número 3, Julho 2019.
2. Weinstock MS, Patel NA, Smith LP. Pediatric Cervical Lymphadenopathy. Pediatr Rev. 2018 Sep;39(9):433-443.
3. Deosthali A, Donches K, DelVecchio M, Aronoff S. Etiologies of Pediatric Cervical Lymphadenopathy: A Systematic Review of 2687 Subjects. Glob Pediatr Health. 2019 Jul 27;6:2333794X19865440.
4. C Mary Healy, MD, Morven S Edwards, MD. (2024). Cervical limphadenitis in children: diagnostic approach and initial management. In: Jan E Drutz MD, Glenn C Isaacson, MD, FAAP, ed. UpToDate. Revisado em abril de 2025.
5. C Mary Healy, MD (2024). Cervical limphadenitis in children: Etiology and clinical manifestations. In: Morven S Edwards, MD, Jan E Drutz MD, Glenn C Isaacson, MD, FAAP, ed. UpToDate. Revisado em abril de 2025.
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