Investigação laboratorial das viroses respiratórias na infância

As viroses respiratórias podem vir acompanhadas de uma significativa morbidade.


O termo “virose respiratória” é frequentemente utilizado para definir o quadro infeccioso viral que  acomete as vias aéreas superiores e se caracteriza  por congestão nasal, coriza, espirros, dor de garganta, tosse e febre. Em geral, trata-se de condição  autolimitada e restrita às vias aéreas superiores. 

Sobretudo na infância, as viroses respiratórias podem vir acompanhadas de uma significativa morbidade, sendo comuns as visitas aos serviços primários de saúde. Em alguns pacientes, a infecção  pode se estender a órgãos adjacentes, resultando  em diferentes manifestações clínicas, como é o  caso das bronquiolites. Ademais, existe a possibilidade de o processo inflamatório nas vias aéreas  predispor o paciente a infecções bacterianas secundárias. Notadamente em lactentes jovens, há  maior risco de pior evolução, com insuficiência  respiratória e necessidade de cuidados intensivos.



Em busca do causador da infecção respiratória

Na maioria dos casos, o diagnóstico clínico da  virose respiratória é simples. Contudo, especialmente nos lactentes, pode ser mais complexo,  uma vez que, em alguns pacientes, a febre configura o principal e único sinal durante a fase  inicial da infecção, exigindo que o médico faça a  distinção entre quadros benignos, como é o caso  da maior parte das infecções virais, e as infecções  bacterianas invasivas.

Nos casos típicos de resfriados em adultos e  crianças maiores, a grande variedade de manifestações que acompanha as infecções ocasionadas  por um mesmo vírus torna praticamente impossível diferenciar a etiologia viral específica somente  com base no quadro clínico.

o em quadros causados pelo influenza, quase sempre considerados entidades clínicas distintas dentre outras viroses respiratórias, o valor preditivo dos sintomas em adultos varia de 27% a 79%.  Em crianças, estudos mostraram, na faixa etária de  5 a 12 anos, um valor preditivo de até 83% no  diagnóstico de infecções por esse agente na  presença de febre alta (≥38,2ºC) e tosse. Entretanto, no grupo de 1 a 4 anos, nenhum sintoma  apresentou valor preditivo no diagnóstico diferencial entre infecções por influenza e as causadas por outros vírus.

O fato é que a definição do agente etiológico  é importante para estabelecer um prognóstico  aproximado para o quadro e, no caso do vírus  influenza, para o início da terapêutica adequada. Ademais, no cenário epidemiológico atual, a  identificação de infecção pelo novo coronavírus  (Sars-CoV-2) também tem impacto no seguimento e nas estratégias de isolamento.

Painel para quatro vírus respiratórios por PCR esclarece boa parte dos casos de infecção respiratória na infância

O Fleury introduziu recentemente em sua rotina um  exame de RT-PCR que pesquisa simultaneamente  os vírus Sars-CoV-2, influenza A e B e sincicial respiratório (VSR).

O teste configura-se como excelente alternativa  sobretudo para o público infantil, uma vez que tem  maior sensibilidade para esclarecer a etiologia das  viroses comparativamente aos testes rápidos e ao  painel por imunofluorescência, além de possibilitar  coleta única.

Tal painel molecular reduzido pode configurar o  exame inicial na investigação dos quadros respiratórios ou complementar uma avaliação feita por  testes rápidos por imunocromatografia que resultaram negativos.

A tabela ao lado ilustra as principais características  do painel para quatro vírus respiratórios por PCR e  o compara a outros dois importantes exames nesse  contexto, auxiliando a escolha e solicitação do recurso mais adequado em cada situação clínica.



Investigação radiológica das infecções respiratórias na infância

Entre os métodos de imagem usados para a avaliação de crianças com infecções respiratórias, a radiografia de tórax permanece como exame de escolha,  já que, além de ter valor preditivo negativo de 92%, é  acessível e tem baixo custo.

Outro recurso que tem se destacado nesse contexto  é a ultrassonografia, sobretudo devido à ausência de  radiação e à facilidade de realização, mas igualmente graças a suas elevadas sensibilidade e especificidade. Por fim, a tomografia computadorizada de tórax  fica habitualmente reservada para infecções complicadas, com evolução desfavorável, a fim de detectar abscessos, necroses, empiemas e posicionamento de cateter.

A seguir, veja em detalhes a contribuição de cada método na população pediátrica com quadros respiratórios.

Radiografia de tórax

A radiografia (Rx) de tórax permanece como exame central na avaliação das infecções respiratórias na infância. Contudo, a avaliação das  imagens dentro do contexto clínico e por meio da troca de informações entre o pediatra e o radiologista é fundamental para a interpretação eficiente do método.

Isso porque, quando normal, o Rx de tórax apresenta um valor preditivo  negativo de 92% e, quando positivo, os achados podem decorrer de sobreposição de imagens, não somente relacionadas ao agente etiológico  – viral e bacteriano ou, ainda, a associação dos dois, mas igualmente a  alterações secundárias ao processo inflamatório e a atelectasias.


Figura 1. Pneumonia bacteriana: Rx de  tórax mostra consolidação no lobo inferior esquerdo associado a derrame pleural (seta).


Pneumonia bacteriana

Enquanto a pneumonia bacteriana típica é geralmente unilateral,  restrita a um lobo, e pode estar associada a derrame pleural (figura 1), a infecção por Mycoplasma pneumoniae, conhecida como  pneumonia atípica, pode ter vários aspectos, desde espessamento  difuso de paredes brônquicas, indistinguível de uma pneumonia viral (figura 2A), até consolidação (figura 2B).


Figura 2. Pneumonia por Mycoplasma pneumoniae, que pode ter diferentes  aspectos à imagem radiográfica: espessamento difuso de paredes brônquicas  no caso 1 (figura A) e consolidação no lobo inferior direito no caso 2 (figura B).


Infecções virais

Nas infecções respiratórias por vírus  na infância, o Rx de tórax pode ser  normal ou apresentar achados que  variam desde sinais de hiperinsuflação,  passando por espessamento difuso  de paredes brônquicas e densificações  peribrônquicas e peri-hilares, até consolidações, muitas vezes bilaterais  e/ou difusas, e atelectasias (figura 3).


Figura 3. Infecção por vírus sincicial respiratório: Rx de  tórax exibe espessamento difuso de paredes brônquicas.


Covid-19

O Rx de tórax não está indicado em crianças  imunocompetentes com quadros leves,  mas pode ser útil nas doenças moderadas  a graves ou na presença de comorbidades  ou imunodeficiência, bem como no controle  evolutivo desses pacientes.

Diversos estudos têm demonstrado que, na  infecção pelo Sars-CoV-2, o exame pode estar  normal, principalmente nas fases iniciais e  nos casos leves. Quando há alterações, os  achados mais comumente descritos são as  opacidades em vidro fosco, o espessamento  de paredes brônquicas e o ingurgitamento  vascular, em geral bilaterais, periféricos e em  lobos inferiores. Ademais, é possível observar  consolidação, porém frequentemente  unilateral. Vale ponderar que o espessamento  peribrônquico, apesar de ser o achado mais  comum, também é o mais inespecífico e não  tem utilidade para diferenciar a Covid-19 das  infecções pulmonares por outros agentes.

Nos casos de má evolução ou resposta não  satisfatória ao tratamento clínico, a tomografia  computadorizada (TC) pode ser indicada  (figuras 4A e 4B).


Figura 4. Infecção por Sars-CoV-2:  Rx de tórax evidencia consolidação  nos lobos inferiores (figura A).  TC de tórax, por sua vez, aponta  opacidades em vidro fosco difusas  e consolidações periféricas e  bilaterais (setas na figura B).


Ultrassonografia

A ultrassonografia (USG) é um método de imagem  cada vez mais utilizado no diagnóstico das afecções  pulmonares na população pediátrica, sobretudo devido à ausência de radiação e à facilidade de realização,  uma vez que não requer sedação. Na pandemia da Covid-19, sua importância se tornou ainda mais evidente,  já que possibilita a avaliação da criança à beira do leito.

Estudos sistemáticos têm demonstrado altas sensibilidade e especificidade da USG (de 94% a 97% e de  87% a 96%, respectivamente) no diagnóstico das pneumonias, em comparação às do Rx de tórax (de 87% a  90% e de 94% a 98%, respectivamente). Apesar disso, a USG ainda não foi oficialmente implementada como  método substituto da radiografia, uma vez que possui  algumas limitações, como consolidações em localização mais profunda, que não se estendem até a pleura  e apresentam aeração normal ao seu redor (na região  peri-hilar, por exemplo), além de áreas de acesso restrito pelas estruturas ósseas (como retroescapular, retroclavicular e região glenoumeral), que podem não  ser estudadas. Para completar, há também uma discussão sobre o significado clínico das consolidações  subpleurais menores que 1,0 cm, já que esse achado  pode estar presente em pacientes assintomáticos,  sendo caracterizado incidentalmente.

Contribuição nas pneumonias

Ao exame ultrassonográfico, as pneumonias exibem alguns padrões,  que incluem desde aumento das linhas B e linhas B confluentes  até consolidações com áreas de aspecto sólido, hipoecogênicas,  subpleurais ou extensas, com broncogramas aéreos (formações  ecogênicas lineares em seu interior) ou líquidos de permeio.

Determinados achados podem sugerir a provável etiologia (viral,  bacteriana, Sars-CoV-2 ou bronquiolite), porém nem sempre é possível  chegar ao diagnóstico definitivo devido à superposição das alterações.  Uma consolidação focal, geralmente extensa, com broncogramas aéreos  associados a derrame pleural, sugere pneumonia bacteriana, enquanto  consolidações subcentimétricas, subpleurais, bilaterais, combinadas a linhas  B, múltiplas ou confluentes, são mais sugestivas de infecção viral (figura 5).


Figura 5. Infecção por Sars-CoV-2  em recém-nascido assintomático:  USG pulmonar evidencia  espessamento e irregularidade  pleural com múltiplas linhas B  confluentes (setas) e consolidação  subpleural (ponta de seta).


Além do diagnóstico das doenças infecciosas e suas complicações, a USG  pode ser utilizada para estudar a mobilidade diafragmática, para caracterizar  o timo (figuras 6A e 6B), para avaliar a presença de pneumotórax e para  guiar procedimentos minimamente invasivos, entre outras indicações.


Figura 6. Rx de tórax de lactente de 6 meses com  quadro gripal em tratamento com antibiótico,  sem melhora da opacidade no campo pulmonar  direito após cinco dias (figura 6A). A USG (figura  6B) esclarece que a imagem caracterizada no  Rx corresponde ao timo habitual para a faixa  etária. Essa estrutura apresenta dimensões  proporcionalmente maiores no período neonatal  e nos lactentes, podendo mimetizar consolidação  pulmonar no Rx de tórax, o que, no entanto, é  facilmente identificado à USG.


Tomografia computadorizada

A TC de tórax fica habitualmente reservada para pneumonias complicadas, com evolução desfavorável, a fim de detectar abscessos,  necroses, empiemas e posicionamento de cateter. Para essa finalidade, o exame deve ser realizado com o uso do meio de contraste intravenoso (figuras 7A e 7B).


Figura 7. Pneumonia bacteriana com  derrame pleural e dreno torácico.  A figura 7A mostra Rx de tórax com  imagem de densificação praticamente  total do pulmão esquerdo, sem melhora  após dois dias de drenagem. Na figura  7B, a TC de tórax definiu a localização  exata do dreno na região anterior  do tórax (seta), onde não se observa  derrame pleural. Há várias lojas de  derrame pleural na região lateral e  posterior (pontas de seta), além da  consolidação do parênquima pulmonar  adjacente (F = fígado. C= coração).


É importante ressaltar que tanto a radiografia como a TC utilizam  radiação ionizante, fator que deve ser ponderado na indicação desses métodos de imagem devido ao potencial risco de aumento na  incidência de tumores, que aumenta quanto menor for a idade do paciente e é proporcional ao número de exames realizados, em razão do efeito cumulativo da radiação.

Em contrapartida, os equipamentos modernos possuem recursos mais  efetivos de redução de dose, com protocolos dedicados à população  pediátrica que usam o conceito de As low as reasonably achievable  (Alara, na sigla em inglês), segundo o qual a radiação é reduzida ao máximo, desde que seja suficiente para o diagnóstico. A estratégia permite uma redução importante, a ponto de a dose usada na TC equivaler, em  alguns protocolos, a uma ou duas radiografias simples de tórax.

Vale ainda lembrar que, dependendo da indicação clínica e da criança, alguns exames necessitam de uso de contraste intravenoso e/ou  sedação. No entanto, alguns equipamentos modernos disponíveis  no mercado e no Fleury são tão rápidos que tornaram factíveis a  realização do exame em neonatos e crianças pequenas sem anestesia, muitas vezes com qualidade superior e menor radiação.


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Consultoria médica

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