Linfomas: linfoma de Hodgkin e linfoma não Hodgkin

Ambos derivam de subpopulações de linfócitos, mas variam bastante, da apresentação ao prognóstico.

O termo linfoma designa um conjunto de doenças linfoproliferativas malignas que apresentam significativa heterogeneidade clínica e biológica. Todos os linfomas se originam dos linfócitos e seus precursores. Qualquer uma das subpopulações de linfócitos (B, T ou NK), em seus diferentes estágios de maturação, pode sofrer transformação maligna. Cada subtipo de linfoma geralmente mimetiza um estágio específico da diferenciação linfocitária, em termos de características morfológicas, imunofenotípicas e genéticas, sendo esses aspectos os pilares que sustentam o diagnóstico e a classificação dos mais de 60 diferentes subtipos da doença reconhecidos atualmente. O conjunto todo compreende tanto os linfomas de Hodgkin (LH) quanto os linfomas não Hodgkin (LNH).

Linfoma de Hodgkin 

O LH responde por 12% do total de casos de linfoma e se caracteriza pela presença de células grandes e facilmente identificáveis no linfonodo acometido, conhecidas como Reed-Sternberg. Únicas verdadeiramente neoplásicas no LH, essas células são usualmente observadas em número reduzido, em meio a uma mistura de células inflamatórias e estromais no tecido tumoral.

O predomínio de um microambiente inflamatório e a relativa escassez das células de Reed-Sternberg fizeram com que, durante décadas, pairassem algumas dúvidas sobre a classificação inequívoca do LH como um tipo de câncer, em vez de uma doença inflamatória ou infecciosa. Tanto é assim que, desde a sua descrição por Thomas Hodgkin, em 1832, até bem recentemente, esse tipo de linfoma era conhecido como “doença” de Hodgkin. Apenas há duas décadas, passou-se a preferir a denominação linfoma de Hodgkin, dada a demonstração de que as células de Reed-Sternberg são clonais e quase sempre derivadas de linfócitos B maduros que sofreram transformação maligna, não restando nenhuma dúvida sobre a classificação da condição como um tipo de linfoma.

O LH acomete preferencialmente indivíduos entre 15 e 40 anos ou após os 55 anos. Vários fatores concorrem para seu aparecimento, tais como infecção por EBV, HIV ou HLTV, além de fatores genéticos e ambientais.

Resumidamente, a patogênese do LH envolve a amplificação do cromossomo 9p24.1, que leva à expressão aumentada de ligantes de morte celular programada 1 e 2 (PD-L1 e PD-L2) e à ativação constitutiva das vias de sinalização JAK-STAT, NF-KB e NOTCH.

Do ponto de vista clínico, os pacientes com LH em geral se apresentam de forma relativamente homogênea, com linfonodos aumentados, particularmente na região cervical, de origem unicêntrica, e sem doença extranodal, isto é, sem doença em órgãos que não pertencem ao sistema imune. O LH tem um padrão de progressão previsível, disseminando-se por invasão contígua de cadeias ganglionares adjacentes.

Linfomas não Hodgkin

Já os LNH, muito mais comuns (85% dos casos), também são predominantemente derivados de linfócitos B, com apenas cerca de 10% dos casos originando-se de linfócitos T ou NK. Ao contrário do LH, o LNH não tem um tipo celular característico e apresenta expressiva heterogeneidade morfológica, imunofenotípica e genética. Outra diferença está num contingente menos significativo de células inflamatórias e estromais no tecido tumoral. Ademais, a grande maioria das células é clonal e deriva de um precursor linfoide comum que sofreu transformação neoplásica.

A Classificação das Neoplasias Hematolinfoides da Organização Mundial da Saúde baseia-se nas informações atualmente disponíveis, aborda os aspectos clínicos, considera a cito e a histomorfologia, bem como a imunofenotipagem e genética, além de ser periodicamente revisada em face de novos dados. Contempla ainda os diferentes subtipos, dentre os quais se destacam o linfoma difuso de grandes células B, o linfoma folicular, o linfoma de células do manto e o linfoma esplênico de zona marginal, só para citar alguns caracterizados pelos diferentes aspectos acima mencionados.

O LNH costuma surgir em indivíduos acima 60 anos e, mais frequentemente, no sexo masculino. Como fatores predisponentes ao aparecimento da doença estão imunodeficiência, doenças autoimunes, infecção viral (HIV, EBV, HLTV-1, H. pylori, HHV8, VHC etc.), mutações genéticas somáticas e germinativas e exposição a fatores ambientais.

Os sintomas mais comuns incluem adenomegalia indolor, febre inexplicada, sudorese noturna, fadiga, tosse, dor torácica ou abdominal, inapetência, empachamento pós-prandial (devido à esplenomegalia), prurido e outros. Entretanto, alguns indivíduos não apresentam manifestações e a doença é detectada em exame de rotina ou por outra condição.

Embora muitos pacientes com LNH possam ter características clínicas semelhantes àquelas dos pacientes com LH, o quadro clínico tende a ser muito mais heterogêneo. Pacientes com linfoma difuso de grandes células B, por exemplo, o subtipo mais comum de LNH, geralmente exibem massas tumorais de crescimento rápido e até 40% podem ter doença extranodal, inclusive com invasão da medula óssea. A evolução clínica costuma ser mais agressiva e muito menos previsível do que no LH.

Pacientes com linfoma folicular, o segundo subtipo mais comum de LNH, usualmente se apresentam com doença multicêntrica, de crescimento lento, podendo até cursar com quadros de linfadenopatia transitória. A incidência de infiltração da medula óssea é significativa e pode haver invasão do sangue periférico, inclusive com uma fase francamente leucêmica em alguns casos. A doença tende a se comportar de forma indolente, mas segue um curso imprevisível: enquanto alguns pacientes convivem com ela por meses ou até por anos sem necessidade de intervenção específica, outros têm aumento relativamente rápido da massa tumoral e requerem modalidades intensivas de tratamento.

Já pacientes com linfoma esplênico da zona marginal, outro subtipo de LNH indolente, em geral têm apenas aumento do baço, sem adenomegalia associada, e linfócitos com alterações citomorfológicas, ou seja, projeções citoplasmáticas curtas no sangue periférico. Esse subtipo em geral progride lentamente e, por isso, esses indivíduos são observados clinicamente, por longos períodos. Quando necessário, a esplenectomia pode aliviar os sintomas e reduzir a massa tumoral, resultando em boa resposta de longo prazo, na maioria dos casos.

Tais exemplos, além de demonstrarem as diferenças mais relevantes entre os linfomas de Hodgkin e os não Hodgkin, oferecem uma breve perspectiva do desafio que a significativa heterogeneidade clínica e biológica dessa doença impõe ao diagnóstico e, principalmente, ao manejo clínico dos pacientes com esse tipo de câncer.

Os LNH são adicionalmente classificados de acordo com a taxa de progressão da doença, isto é, se indolentes (crescimento lento) e com poucos sintomas, ou agressivos (crescimento rápido), também denominados de alto grau.

Diagnóstico

O diagnóstico preciso é de fundamental importância para determinar a doença, seu subtipo, prognóstico e planejamento terapêutico. A partir do quadro clínico, o médico faz a anamnese e o exame físico completo do paciente.

Por meio da análise microscópica da biópsia do linfonodo acometido, ou seja, o exame anatomopatológico, com estudo imuno-histoquímico adicional, faz-se o diagnóstico do linfoma. Exames imunofenotípico por citometria de fluxo multiparamétrica, citogenético e/ou genômico podem ser necessários para complementar a investigação.

Uma vez estabelecido o diagnóstico e o subtipo, é necessário identificar a extensão da doença por meio de exames de imagem (RX, tomografia computadorizada, PET-CT, outros testes laboratoriais e biópsia de medula óssea). Portanto, o estadiamento é relevante na fase pré-tratamento. Na sequência, faz-se a estratificação de risco do LNH com o objetivo de graduar o prognóstico do paciente. Há diversas ferramentas para fazer esse cálculo.

De posse desses dados, é então feita a estratégia terapêutica visando a obter o desaparecimento da doença.


Consultoria médica 

Dra. Maria de Lourdes Chauffaille

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