As mudanças no diagnóstico e no prognóstico da leucemia linfocítica crônica diante das novas opções terapêuticas.
Uma das leucemias primeiramente descritas por Virchow, em 1847, a LLC teve sua história natural relatada apenas em 1924, por Minow e Isaacs. À época, o único tratamento disponível era a radioterapia. Nas décadas de 70-80, foram feitas as tentativas iniciais para discriminar, por meio de dados clínico-laboratoriais, qual seria a evolução dos pacientes (estadiamento clínico de Rai e Binet). Em 1972, pesquisadores identificaram a clonalidade dos linfócitos B pela presença de restrição de cadeia leve na superfície das células.
Desde então, muitos avanços ocorreram nesse campo, como a introdução do anticorpo quimérico anti-CD20, em 2003, que passou a ser usado em associação ao clorambucil, tornando-se a primeira terapia monoclonal dirigida contra o câncer e revolucionando o aparato terapêutico. Nos últimos anos, porém, a evolução foi ainda mais contundente graças às novas descobertas genômicas, obtendo-se maior compreensão da fisiopatologia, melhor classificação da doença, estratificação de risco mais precisa e aplicação de novas opções terapêuticas (ofatumumabe, obinutuzumabe, ibrutinibe e idelalisibe) para casos refratários, resistentes ou com morbidades.
Hoje, a LLC é a leucemia mais frequente no Ocidente, acometendo geralmente pessoas com mais de 50 anos de idade. Apresenta curso clínico variável, desde indolente, que constitui a situação mais comum, com pacientes permanecendo por anos sem necessitar de tratamento, a agressiva, quando há necessidade da terapia já ao diagnóstico.
A doença caracteriza-se pela proliferação clonal e pelo acúmulo de células B maduras (CD5+, CD23+, CD19+, CD200+, CD43±, CD10-, CD20 fraco, Ig de superfície fraca e ciclina D1-) em sangue periférico, medula óssea e linfonodos. A definição diagnóstica variou com o passar do tempo e atualmente os parâmetros estão bem definidos (veja quadro abaixo). A imunofenotipagem por citometria de fluxo permite o diagnóstico definitivo da LLC, na medida em que quantifica e caracteriza os linfócitos B monoclonais.
Em relação aos fatores preditivos do curso clínico, figuram os estadiamentos de Rai e Binet (aspectos clínicos), a idade, a dosagem da beta-2-microglobulina, o tempo de duplicação de linfócitos, o padrão de infiltração da medula óssea, a presença da mutação na região variável do gene IGH (IGHV), a expressão de CD38 e de ZAP-70 e as alterações cromossômicas. Além disso, despontam como importantes para predizer a evolução as mutações em alguns genes, como TP53 e NOTCH1.
A identificação das alterações cromossômicas, além de permitir a distinção da LLC de outras neoplasias linfoproliferativas, a exemplo do linfoma de células do manto, é essencial para a estratificação da evolução clínica. A importância do estudo genético na doença é tamanha que se recomenda essa avaliação antes do início do tratamento e em todos os casos de recaída, na instituição de outras linhas terapêuticas, pois novas mutações podem aparecer e influenciar a tomada de decisão. O método mais fácil e rápido para tal detecção é a hibridação in situ por fluorescência (FISH).
FISH
O método aumenta a taxa de detecção de aberrações porque prescinde da metáfase, ou seja, avalia a célula fora da divisão. Ao diagnóstico, permite identificar anomalias em cerca de 80% dos casos. As anormalidades genômicas em LLC detectadas por FISH são fatores independentes para predizer progressão e sobrevida. Utiliza-se, habitualmente, um conjunto de sondas que marcam centrômero do cromossomo 12, 13q14.3 e 13q34, 11q22.3 (gene ATM), 17p13.1 (gene TP53) e 6q (gene MYB). A pesquisa da t(11;14) (ciclina-CCND1/IGH) é útil para diferenciar a LLC de linfoma do manto.
Aberrações cromossômicas mais recorrentes detectadas por FISH
No que diz respeito à evolução da doença, detectou-se, por meio da FISH, evolução clonal em 27% dos pacientes com LLC não tratados acompanhados por cinco anos (Zent & Burack, 2014).
Cariótipo
Atualmente, o cariótipo feito com linfócitos de sangue periférico por meio da cultura com modernos mitógenos (CpG) para célula B detecta alterações na maioria dos casos. Esse método possibilita que todos os cromossomos sejam observados simultaneamente. Entretanto, não permite a identificação de deleções de tamanho menor que o limite de resolução do método, situação na qual a FISH apresenta vantagem.
A realização do cariótipo se justifica porque pacientes com anormalidades cromossômicas têm sobrevida menor que aqueles com cariótipo normal, os quais respondem significativamente melhor ao tratamento quimioterápico. Pacientes com cariótipos complexos, contendo mais de três anormalidades, têm pior sobrevida e doença mais agressiva, pois estes se associam a IGHV não mutado, a aberrações do 17p e a menor tempo para tratamento. Na progressão da doença, podem surgir novas aberrações, geralmente identificadas como evolução clonal. A síndrome de Richter ou a transformação em linfoma agressivo acompanham-se, em geral, de deleção 17p (gene TP53).
Graças a esses testes, foi estabelecido um modelo hierárquico para o impacto prognóstico na LLC com cinco subgrupos:
Alteração | Sobrevida mediana |
---|---|
del(13q) | 133 meses |
+12 | 114 meses |
Cariótipo normal | 111 meses |
del(11q) | 79 meses |
del(17p) | 32 meses |
As deleções do TP53 geralmente afetam apenas um cromossomo, mas suas consequências dependem da integridade funcional do alelo remanescente. Entretanto, pode haver alterações que ocasionam a disfunção bialélica, ou seja, mutação em um alelo com heterozigose por perda neutra do número de cópias ou geração de proteína mutante negativa dominante. Nesse contexto, está indicada a pesquisa de mutação por sequenciamento do gene.
Sequenciamento do TP53
Apesar de a FISH demonstrar a deleção do 17p, ou TP53, essa análise não detecta a disfunção do gene. Assim, o sequenciamento, à procura de mutações, tem revelado que 80% das alterações ocorrem nos éxons de 4 a 9 no alelo remanescente. A presença da mutação no gene TP53 indica prognóstico adverso em LLC, pois confere refratariedade à fludarabina e a outros agentes alquilantes usados nos esquemas quimioterápicos tradicionais, além de chance de progressão da doença e curta sobrevida.
IGHV
A detecção de hipermutação somática em IGHV (casos mutados) assinala prognóstico favorável e doença indolente, enquanto os casos de LLC com ausência da hipermutação (casos não mutados) apresentam pior evolução, caracterizada tanto por menor sobrevida global quanto livre de eventos.
CD38
Trata-se de uma glicoproteína transmembrana, expressa em células B normais, com importante função na apoptose e na promoção de sobrevida e transformação neoplásica da células B. Quando sua expressão é maior que 30%, confere prognóstico desfavorável e menor tempo entre diagnóstico e tratamento, além de pior sobrevida total.
ZAP-70
Quando a expressão dessa tirosinoquinase citoplasmática com função na fisiopatologia da LLC supera os 20%, há maior risco de progressão da doença e menor tempo entre diagnóstico e tratamento.
Pesquisa de mutação em NOTCH1
A sobrevida e a proliferação de células B dependem da sinalização de receptores de superfície ativados por várias vias intracelulares. O NOTCH1 é um receptor transmembrana que regula a ação de vários genes, entre os quais NFkB e cMYC. Mutações em NOTCH1 (frameshift, deleção c.7544_7545del/CT) são observadas em 10% das LLC ao diagnóstico, em 20% das refratárias e em 30% das transformadas em linfoma. Estão presentes em 25-30% dos pacientes com trissomia 12, em casos com IGHV não mutado e em indivíduos refratários à quimioterapia. Portadores de mutação em NOTCH1 não respondem bem a agentes anti-CD20.
Estadiamento clínico original de Rai (1975)
Estágio | Linfocitose | Linfonodomegalia | Hepatoesplenomegalia | Hb (g/dL) | Plaquetas(/µL) |
0 | + | - | - | ≥11 | ≥100.000 |
I | + | + | - | ≥11 | ≥100.000 |
II | + | ± | + | ≥11 | ≥100.000 |
III | + | ± | ± | <<11 | ≥100.000 |
IV | + | ± | ± | qlq | <100.000 |
Estadiamento clínico de Binet (1981)
Estágio | Critérios | Porcentagem do total | Sobrevida |
A | Menos de três sítios de acometimento | 55% | Igual à população geral |
B | Três ou mais sítios | 30% | Sete anos |
C | Anemia (<10 g/dL) ou trombocitopenia (100.000/µL) | 15% | Dois anos |
Parâmetros essenciais para o diagnóstico da LLC
Revisão hematológica e citomorfológica do esfregaço de sangue periférico ou revisão histológica de bloco de parafina de linfonodo ou medula óssea |
Citometria de fluxo do sangue periférico com >5.000/µL linfócitos B monoclonais (painel com marcadores de superfície para κ, λ, CD19, CD20, CD5, CD23, CD79b e CD10, além de CD200 para diferenciação de linfoma de células do manto) |
Obs.: Se houver <5.000 linfócitos monoclonais, pode-se classificar o quadro como linfocitose B monoclonal |
Métodos que oferecem valor preditivo do curso clínico e suas características
Método/teste | Características | Detecção |
FISH | Realizado em interfases do sangue periférico | +12, del(11q) [gene ATM], del(13q) [RB1] e del(17p) [gene TP53] |
Cariótipo | Realizado em metáfases após cultura com CpG | Cariótipo complexo |
CD38 | Citometria de fluxo | Expressão ≥30% |
ZAP-70 | Citometria de fluxo | Expressão ≥20% |
TP53 | Sequenciamento | Todos os éxons |
IGHV | Sequenciamento | |
NOTCH1 | Sequenciamento | Éxons 26, 27 e 34 |
Algoritmo simplificado para o diagnóstico e o prognóstico de LLC
Assessoria Médica |
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Hematologia e Citogenética Dra. Maria de Lourdes Chauffaille [email protected] Citometria de fluxo Dr. Alex Freire Sandes [email protected] Dr. Matheus Vescovi Gonçalves [email protected] |
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