Marcadores bioquímicos de lesão cardíaca

A insuficiência circulatória aguda provoca alterações celulares que podem variar desde discretas perdas de algumas propriedades da membrana até a morte celular.

A insuficiência circulatória aguda provoca alterações celulares que podem variar desde discretas perdas de algumas propriedades da membrana até a morte celular. Em decorrência destas modificações, algumas substâncias intracelulares ganham o espaço intersticial e a circulação sangüínea, resultando em aumento transitório dos níveis circulantes. Estas substâncias incluem a aspartato aminotranferase, a mioglobina, a creatina quinase, a desidrogenase láctica, as troponinas, entre outras, e têm sido identificadas como marcadores de lesão cardíaca. Os marcadores são a expressão bioquímica da lesão das fibras cardíacas, mas não indicam a etiologia do processo.

Aspartato aminotransferase - AST
Aspartato aminotransferase, antes denominada de transaminase glutâmico oxalacética (TGO) está presente nas fibras musculares esqueléticas e cardíacas, nos parênquimas hepático, pancreático e renal, nos eritrócitos e no sistema nervoso central. A referência a esta enzima possui caráter histórico por ter sido a primeira enzima utilizada para diagnóstico de pacientes com infarto do miocárdio. Seu uso com esta finalidade foi abandonado em razão do surgimento de outros marcadores mais sensíveis e mais específicos.

Creatina quinase total e isoenzimas - CK
A creatina quinase é enzima composta pela união de duas subunidades do tipo B e/ou M, em três combinações possíveis, que correspondem às isoenzimas CK-BB, CK-MB e CK-MM. Cada uma delas possui atividade preponderante em algum tecido ou órgão específico:

- isoenzima CK-BB: próstata, útero, placenta, tiróide, cérebro e musculatura lisa;
- isoenzima CK-MB: 1% da CK total em músculo esquelético e 45% em músculo cardíaco;
- isoenzima CK-MM: 99% da CK total em músculo esquelético e 55% em músculo cardíaco.

A determinação da creatina quinase total não é mais recomendada para o diagnóstico de infarto do miocárdio, por causa da ampla distribuição nos tecidos, resultando em baixa especificidade. A isoenzima MB é uma opção adequada, especialmente se a dosagem de uma das troponinas não estiver disponível. Esta isoenzima possui elevadas sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de lesão do músculo cardíaco. Em geral, são realizadas três determinações seriadas num período de 9 a 12 horas. Se as três dosagens estiverem dentro dos intervalos de referência, o diagnóstico de infarto pode ser excluído. Preferencialmente, deve-se realizar a dosagem da massa de proteína correspondente à isoenzima (CK-MB massa) e não da atividade enzimática.

A concentração da CK-MB se eleva de 3 a 8 horas após o processo lesivo, atinge um pico em 24 horas e normaliza em 72 a 96 horas após um episódio único e limitado. A intensidade da elevação se correlaciona com o volume de tecido lesado e com o prognóstico.

O intervalo de referência para a isoenzima CK-MB, avaliada pela massa, é de até 5ng/mL de soro.

Desidrogenase láctica total e isoenzimas - DHL
Tendo em vista sua ampla distribuição em diferentes tecidos, resultando em baixa especificidade, a determinação da atividade da desidrogenase láctica total não é mais recomendada para o diagnóstico ou acompanhamento do paciente com lesão cardíaca.

Mioglobina
A mioglobina é uma proteína constituinte das células dos músculos esquelético e cardíaco. A determinação no soro pode ser útil para descartar o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, uma vez que possui elevado valor preditivo negativo. Por ser uma proteína presente no citoplasma e de baixo peso molecular, é liberada para a circulação precocemente após lesão isquêmica da fibra miocárdica. Concentrações elevadas são observadas 1 a 2 horas após o início da dor, atingindo o pico em 12 horas e, em geral, normalizando 24 horas após um episódio único. Esta curva contribui para que a determinação seriada seja útil no diagnóstico de re-infarto em pacientes com dor precordial recorrente. Elevação de mioglobina circulante não é específica de lesão cardíaca, ocorrendo no trauma da musculatura esquelética e na insuficiência renal, por exemplo. Os métodos de dosagem mais amplamente utilizados incluem turbidimetria e nefelometria, sendo o limite de referência até 0,15 µg/mL de soro.

Troponinas - cTnT e cTnI
Troponinas são proteínas estruturais envolvidas no processo de contração das fibras musculares esqueléticas e cardíacas. O complexo troponina é composto por três proteínas: troponina T, troponina I e troponina C. Como existem diferenças antigênicas entre as troponinas dos músculos esqueléticos e cardíacos, o uso de anti-soros específicos permite a identificação e quantificação de cada uma delas. As troponinas T (cTnT) e I (cTnI) são consideradas como os marcadores bioquímicos mais específicos e sensíveis para o diagnóstico de lesão isquêmica do miocárdio.

A elevação dos níveis de cTnI no soro ocorre entre 4 e 6 horas após a dor precordial, atinge um pico em 12 horas e permanece elevada por 3 a 10 dias após um evento isquêmico único. Ocorre um segundo pico de menor intensidade, entre o terceiro e o quarto dia após o infarto.

Uma diferença significativa entre as troponinas e a isoenzima CK-MB é que esta só se eleva após lesão isquêmica irreversível, enquanto as troponinas, por terem menor peso molecular e por apresentarem uma fração livre no citoplasma celular, são liberadas mesmo em situação de isquemia reversível, caracterizada clinicamente por angina instável.

Os estudos realizados em grupos específicos de pacientes com dor precordial e avaliados nas primeiras 24 horas, descreveram maior índice de diagnóstico de eventos cardíacos quando o critério era a elevação da troponina T, mesmo com CK-MB dentro dos intervalos de referência.

As troponinas podem ser dosadas no soro por imunoensaios com anticorpos monoclonais dirigidos contra sítios antigênicos específicos e são considerados como limites de referência, para a troponina T a concentração de 0,1ng/mL e para a troponina I, 0,26ng/mL. Insuficiência renal terminal, insuficiência cardíaca congestiva, sepse, miocardite, taquicardia supra-ventricular e mixedema podem se acompanhar de elevações dos níveis séricos de troponinas.

Importância da coleta seriada de amostras
Os resultados das dosagens dos níveis sangüíneos dos marcadores cardíacos são altamente dependentes do tempo decorrido entre o início dos sintomas e a coleta da amostra. Considerando o fato de que os pacientes são atendidos em tempos variados após o início do evento isquêmico, independentemente do marcador em questão, devem ser coletadas amostras seriadas, em geral, na admissão, 3, 6 e 9 horas. A necessidade de coletas seriadas se impõe, mesmo em se tratando de marcadores com elevada especificidade, como a cTnI, uma vez que existem outras condições, além do infarto agudo do miocárdio, que podem se associar à variações na sua concentração no sangue. Dosagens seriadas de cTnI, resultados do eletrocardiograma e a condição clínica são necessários para o diagnóstico diferencial entre infarto agudo do miocárdio e outras doenças cardíacas.

Como nenhum dos marcadores possui todas as características desejáveis, a NACB - National Academy of Clinical Biochemistry propõe o uso de dois marcadores para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio: a mioglobina, como marcador precoce e uma das troponinas (cTnI ou cTnI) como definitivo.

A Tabela abaixo apresenta as características da dinâmica de elevação, pico e retorno aos níveis basais de cada um dos marcadores cardíacos.

Características da dinâmica de elevação, pico e retorno aos níveis basais dos marcadores cardíacos.

A Tabela abaixo apresenta a sensibilidade clínica estimada dos diferentes marcadores de isquemia miocárdica, levando-se em conta o tempo após o início da dor precordial.

Sensibilidade clínica estimada dos marcadores de isquemia miocárdica, levando-se em conta o tempo após o início da dor precordial.