Nos últimos dias, a mídia aberta tem divulgado um surto de meningite meningocócica em curso na cidade de São Paulo. De fato, um comunicado divulgado no último dia 30 de setembro pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) informa que foram notificados cinco casos da doença em uma área restrita da zona leste da capital, entre os meses de julho e setembro de 2022. Não há, entretanto, menção de que esses casos estejam relacionados entre si e o aparente aumento na incidência não é descrito como surto no documento.
De qualquer modo, em razão disso, as autoridades sanitárias adotaram ações de prevenção e controle, incluindo a intensificação vacinal por meio da estratégia de bloqueio para pessoas com idade entre 3meses e 64 anos que residam, estudem ou trabalhem no perímetro delimitado como de maior risco de infecção. Nessa área de abrangência, a vacina meningocócica conjugada C está sendo oferecida gratuitamente pelas Unidades Básicas de Saúde mediante comprovação do endereço residencial, estudantil ou profissional.
A vacinação contra a doença meningocócica é recomendada rotineiramente no primeiro ano de vida, aos 3 e 5 cinco meses, com um reforço aos 12 meses. O Programa Nacional de Imunizações ainda oferece, na rede pública, uma dose da vacina conjugada contra os sorogrupos A, C, W e Y entre 11 e 14 anos de idade. Já nas clínicas privadas, é possível aplicar todas essas doses com a vacina ACWY, com reforços que podem variar de acordo com a recomendação das principais sociedades médicas (figura 1).
Não existe, por outro lado, contraindicação. Ao contrário, tanto do ponto de vista de proteção individual quanto de saúde coletiva, a imunização contra o meningococo é muito desejável.
Figura 1. Reforços da vacina contra meningite meningocócica, de acordo com a recomendação das principais sociedades médicas.
Sendo assim, embora no momento atual ainda não haja recomendações oficiais para vacinação indiscriminada da população, pessoas que não habitem ou frequentem a região em foco também podem optar por se imunizar. Nesse caso, indica-se uma das vacinas contra os sorogrupos A, C W e Y, uma vez que todos os imunizantes meningocócicos conjugados quadrivalentes disponíveis são considerados não inferiores à vacina meningocócica C isoladamente, com base nos estudos de imunogenicidade que respaldam seus licenciamentos.
No Brasil, existem várias marcas de vacinas meningocócicas conjugadas quadrivalentes disponíveis nas clínicas privadas de vacinação, as quais têm especificações diferentes para cada faixa etária (figura 2).
Figura 2. Posologia das vacinas meningocócicas conjugadas licenciadas no Brasil, de acordo com faixa etária de início do esquema primário.
*Pode ser administrada fora da faixa etária de licenciamento àqueles indivíduos com risco aumentado de doença meningocócica invasiva.
Vale lembrar que a vacinação de adultos e idosos é frequentemente negligenciada, como se imunização fosse “coisa de criança”. Pode ser interessante aproveitar este momento, em que a população está com sua atenção voltada para a possível necessidade de vacinação contra a meningite, como uma oportunidade de oferecer outras vacinas disponíveis para adultos, como herpes-zóster, pneumocócica 13-valente e influenza.
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Causas
A meningite pode ser causada por agentes infecciosos (bactérias, vírus, fungos) e não infecciosos (traumatismo, agentes químicos).
Dentre as bactérias causadoras da meningite temos a Neisseria meningitidis, ou meningococo, a principal responsável pelos casos na maioria das faixas etárias, cujos sorogrupos mais frequentes são A, B, C, W135 e Y; o Streptococcus pneumoniae, com mais de 90 sorotipos; o Mycobacterium tuberculosis, causador da tuberculose, e o Haemophilus influenzae, com seis sorotipos (a, b, c, d, e, f).
As meningites virais, menos graves do que as bacterianas, são representadas principalmente pelos enterovírus, incluindo ecovírus, coxsackie A e B e poliovírus .
Transmissão
Em geral, a transmissão ocorre de pessoa a pessoa, por meio das gotículas e secreções da nasofaringe ou do contato direto com as secreções respiratórias do paciente.
O período de transmissão vai depender do agente infeccioso e da instituição do diagnóstico e do tratamento precoces. A meningite meningocócica é transmitida enquanto o meningococo permanecer na nasofaringe – as colônias desaparecem 24 horas após a introdução de tratamento antibiótico. Cerca de 10% da população pode ser portador assintomático, o que reforça a importância da vacinação (ver quadro sobre vacinas).
Incubação
Em geral, o período de incubação é de dois a dez dias, em média, de três a quatro dias, de acordo com o agente etiológico responsável.
Grupos-alvo
A meningite pode acometer pacientes de qualquer idade. Crianças menores de 5 anos e adultos maiores de 60 anos são mais suscetíveis à doença.
Diagnóstico clínico
A tríade clássica da meningite bacteriana aguda consiste em febre (acima de 38°C), rigidez de nuca e alteração do estado mental, geralmente de início súbito. Dor de cabeça intensa e náusea também podem estar presentes e a ausência de todos esses achados exclui essencialmente a presença de meningite bacteriana. Infecções concomitantes podem ocorrer, a exemplo de sinusite ou otite, pneumonia e endocardite.
A meningite meningocócica pode causar manifestações cutâneas caracterizadas por um exantema (rash) sobretudo nas extremidades do corpo, o qual se apresenta tipicamente eritematoso e macular no início da doença, evoluindo de forma rápida para um exantema petequial.
Qualquer forma de meningite bacteriana que não seja tratada ou tratada muito tardiamente em seu curso é quase uniformemente fatal.
As meningites virais produzem quadro clínico semelhante aos das demais meningites agudas, porém mais leve, sem complicações e com duração inferior a uma semana. Quando se trata de enterovírus, as manifestações gastrointestinais (vômitos, anorexia e diarreia), respiratórias (tosse, faringite) e dor muscular surgem antes dos sintomas típos meningite.
Diagnóstico laboratorial
É realizado pelo estudo do líquido cefalorraquidiano (LCR) e de exames de sangue.
Tratamento
Deve ser precoce, com antibióticos na meninigite bacteriana, sempre de acordo com o agente etiológico.
Vacinas
A vacinação é a principal forma de prevenção da doença meningocócica. As vacinas são seguras e eficazes (em média, mais de 95% dos imunizados ficam protegidos), mas hoje se sabe que a proteção gerada pelas vacinas conjugadas (meningocócica C e ACWY) não permanece por toda a vida. O mesmo se dá com quem teve a doença, ou seja, a quantidade de anticorpos cai ao longo do tempo, o que implica a necessidade das doses de reforço, conforme as recomendações das Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm) e Pediatria (SBP).
A SBIm e a SBP recomendam, sempre que possível, o uso da vacina meningocócica conjugada ACWY. O esquema deve ser iniciado na rotina aos 3 meses de idade, com duas doses, com intervalo de dois meses, e reforços entre os 12 e 15 meses, aos 5 anos e aos 11 anos de idade, podendo ainda ser feito mais um reforço aos 16 anos (figura 1). Quando há atraso no início do esquema, o número de doses e o intervalo entre elas pode variar, dependendo do imunizante utilizado.
Além disso, é importante a aplicação da vacina meningocócica B, igualmente recomendada para crianças a partir de 3 meses e para adolescentes. O esquema varia de acordo com a idade em que a vacinação foi iniciada. Esse produto pode ser aplicado simultaneamente à meningocócica ACWY.
Vacina meningocócica C conjugada
Contém antígeno formado por componente da cápsula da bactéria (oligossacarídeo) do sorogrupo C, conjugado a uma proteína que, dependendo do fabricante, pode ser o toxoide tetânico ou o mutante atóxico da toxina diftérica, chamado CRM 197.
Previne: doenças causadas pelo meningococo C (incluindo meningite e meningococcemia).
Via de aplicação: intramuscular.
Indicações: crianças e adolescentes, adultos e idosos com condições que aumentem o risco para a doença meningocócica, ou de acordo com a situação epidemiológica, e viajantes com destino a regiões com surtos ou risco elevado de contrair a infecção.
Precauções e contraindicações: história de anafilaxia após uso de algum componente da vacina ou dose anterior.
Reações adversas mais comuns: as reações, quando presentes, manifestam-se nas primeiras horas após a vacinação e melhoram em cerca de 72 horas. Em mais de 10% dos vacinados, ocorrem vermelhidão, inchaço, dor ou sensibilidade no local da aplicação e dor de cabeça (principalmente em adultos). Crianças com menos de 2 anos podem apresentar vômitos, diarreia, inapetência, sonolência e agitação.
Entre 1% e 10% dos vacinados são acometidos por febre maior ou superior a 38°C, irritabilidade e dores musculares. Choro intenso pode ser manifestado por crianças com menos de 2 anos
Muito raramente (em menos de 0,01%) há aumento de gânglios, nódulo no local da aplicação, reação alérgica grave (chiados, inchaço facial, queda da pressão, dificuldade de respiração), tontura, convulsões, flacidez dos músculos, enjoo, dor na barriga, manchas na pele, problemas de rim, dermatite com formação de bolhas na pele e urticária.
Esquema de doses: veja figura 2.
Vacina meningocócica conjugada quadrivalente — ACWY
Trata-se de um imunizante inativado, composto por antígenos das cápsulas da bactéria Neisseria meningitidis dos sorogrupos A, C, W e Y, conjugados a uma proteína.
Previne: meningite e infecções invasivas pelos meningococos dos tipos A, C, W e Y.
Via de aplicação: intramuscular.
Indicações: crianças a partir dos 2 meses e adolescentes não previamente vacinados, viajantes, adultos e idosos, dependendo do risco epidemiológico, e pessoas de qualquer idade com condições clínicas que aumentem o risco para a doença meningocócica.
Precauções e contraindicações: história de anafilaxia por algum componente da vacina ou após uma dose prévia e presença de riscos importantes de hemorragia (hemofilia, trombocitopenia, outros distúrbios de coagulação e uso de anticoagulantes). Convém adiar a vacinação na vigência de quadro agudo febril grave.
Reações adversas mais comuns: dor, vermelhidão, inchaço e enduração locais. Além disso, pode haver manifestações sistêmicas, como febre, mal-estar, irritabilidade, sonolência, perda de apetite, dor muscular ou articular, náuseas, vômitos, cefaleia e cansaço.
Esquema de doses: veja figura 1.
Vacina recombinante contra meningococo B
Também uma vacina inativada, composta por três proteínas subcapsulares e vesículas da membrana externa do meningococo B.
Previne: meningite e infecções invasivas pelos meningococos do tipo B.
Via de aplicação: intramuscular.
Indicações: crianças e adolescentes, adultos até 50 anos, dependendo do risco epidemiológico, viajantes com destino a regiões endêmicas ou com risco aumentado de contrair a infecção e indivíduos de qualquer idade com enfermidades que elevem a suscetilibidade à doença meningocócica.
Precauções e contraindicações: história de anafilaxia por algum componente da vacina ou após uma dose prévia, presença de riscos importantes de hemorragia (hemofilia, trombocitopenia, uso de anticoagulantes e outros distúrbios de coagulação). Convém adiar a vacinação na vigência de quadro agudo febril grave.
Importante: é necessário apresentar receita médica para pacientes acima de 50 anos.
Reações adversas mais comuns: dor, vermelhidão, inchaço e enduração locais. Além disso, pode haver manifestaçõe sistêmicas como febre alta (principalmente em lactentes e menores de 2 anos de idade, com pico nas primeiras seis horas após a vacinação, regredindo até 72 horas), dor muscular e dor articular, entre outras.
Esquema de doses: veja figura 1.
Bibliografia
1. Michael Apicella M. Clinical manifestations of meningococcal infection. UpToDate, 3.10.2022
2. Meningites. Guia de vigilância epidemiológica da secretaria de vigilância em saúde.7ª edição.
3. sbim.org.br
Consultoria médica
Infectologia
Carolina dos Santos Lazari
Celso Granato
Vacinas
Daniel Jarovsky
Janete Kamikawa
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