Novos horizontes no manejo das hepatites virais | Revista Médica Ed. 2 - 2013

Com o suporte dos testes moleculares, o uso de fármacos com ação antiviral direta aumenta as chances de resposta sustentada.

Com o suporte dos testes moleculares, o uso de fármacos com ação antiviral direta aumenta as chances de resposta sustentada

O ano de 2013 ainda não chegou ao fim, mas já se tornou um marco na história do tratamento da hepatite C crônica no Brasil. Isso porque, no mês de março, o Ministério da Saúde incorporou ao arsenal terapêutico disponível novas drogas com efeito antiviral direto. Falamos do telaprevir e do boceprevir, agentes peptideomiméticos inibidores da serina protease NS3/4A do VHC, que conseguem interferir diretamente em seu ciclo intracelular.

Os estudos feitos com esses fármacos demonstraram taxas significativamente maiores de resposta virológica sustentada (RVS) em comparação com o tratamento de referência da infecção crônica pelo genótipo 1 do VHC, que, até 2010, consistia no uso da alfainterferona 2a ou 2b, ligada ou não a uma molécula de polietilenoglicol (PEG-IFN), associada à ribavirina (RB). Na terapia-padrão, afinal, a RVS não chega a 50% em portadores desse genótipo, o mais comum em nosso meio.

Os bons resultados desses estudos levaram a American Association for Study of Liver Diseases a recomendar, desde 2011, o tratamento da hepatite crônica pelo genótipo 1 do VHC com esquema triplo, contendo PEG-IFN mais RB associados ao telaprevir ou ao boceprevir, tanto para pacientes não experimentados quanto para os que não se curaram em terapias prévias.

O Sistema Único de Saúde, por sua vez, disponibilizou o telaprevir para indivíduos com fibrose hepática avançada e/ou cirrose compensada, seja para os tratados previamente, seja para os não tratados em ocasião anterior. O boceprevir fica reservado para casos individualizados em que há contraindicações ao telaprevir, sobretudo dermatológicas.

Com a inclusão dessas novidades terapêuticas, cabe à classe médica e aos serviços de Medicina Diagnóstica a concentração de esforços para detectar os casos ainda não diagnosticados de hepatite C crônica, usando recursos laboratoriais sensíveis, específicos, ágeis e integrados como suporte para oferecer o tratamento mais adequado àqueles que tiverem indicação.

Biologia molecular tem papel crucial na terapia tripla
Assim como ocorre no tratamento-padrão, os testes moleculares são indispensáveis para a condução da terapia tripla da hepatite C crônica com telaprevir ou boceprevir. Todos os pacientes devem ter a infecção pelo genótipo 1 confirmada por esses exames, bem como a carga viral (CV) pré-tratamento verificada. As diretrizes nacionais e internacionais com os novos fármacos trazem orientações bem definidas sobre os momentos de avaliação da CV do VHC durante a terapêutica:
Droga
TELAPREVIR (TVR)
BOCEPREVIR (BOC)
Tempo
Resultado RNA-VHC
Interpretação / Conduta
Resultado RNA-VHC
Interpretação / Conduta
Semana 4
>1.000 UI/mL
Provável resistência / Suspender todo o tratamento
Opcional
Indetectável
RVR / Prosseguir o tratamento
Semana 8
--
--
Indetectável
RVR / Observar o resultado da semana 24
Semana 12
>1.000 UI/mL
Não respondedor /
Suspender todo o tratamento
>100 UI/mL
Não respondedor / Suspender todo o tratamento
≤1.000 UI/mL ou indetectável
Concluir TVR e continuar com PEG-IFN mais RB
≤100 UI/mL ou indetectável
Prosseguir o tratamento até semana 48
Semana 24
Detectável
Não respondedor / Suspender o tratamento
Detectável
Não respondedor / Suspender o tratamento
Indetectável
Prosseguir o tratamento até a semana 48. Em pacientes não cirróticos, com CV indetectável nas semanas 4 e 12 (RVE), considerar tempo total de 24 semanas*
Indetectável
Continuar o tratamento até a semana 48. Em pacientes não cirróticos, com CV indetectável nas semanas 8 e 24 (RVE), considerar tempo total de 28 semanas*
Semana 48
Detectável
Não respondedor
Detectável
Não respondedor
Indetectável
Fazer nova quantificação em seis meses
Indetectável
Fazer nova quantificação em seis meses
Seis meses após término do tratamento
Detectável
Recidiva
Detectável
Recidiva
Indetectável
RVS
Indetectável
RVS

RVR=resposta virológica rápida | RVP=resposta virológica precoce | RVE=resposta virológica estendida / RVS =resposta virológica sustentada
*Não se recomendam tratamentos mais curtos, com base nas respostas virológicas, para pacientes experimentados que foram nulos de resposta a PEG-IFN mais RB anteriormente.

Exames relacionados à hepatite C oferecidos pelo Fleury:
 
  • Pesquisas de anticorpos anti-VHC (imunoensaio quimioluminescente ou imunoblot)
  • Detecção e quantificação do RNA do VHC (PCR em tempo real, com limite inferior de detecção de 15 UI/mL)
  • Genotipagem do VHC (sequenciamento)
  • Detecção do polimorfismo do gene da IL-28B (PCR) (enviado para parceiro internacional)
  • Biópsia hepática guiada por ultrassonografia ou tomografia computadorizada
Exames relacionados à hepatite B oferecidos pelo Fleury:
  • Pesquisa de antígenos do VHB e anticorpos anti-VHB: HBsAg, anti-HBc total, anti-HBc IgM, HBeAg, anti-HBe e anti-HBs
  • Detecção e quantificação do DNA do VHB (PCR em tempo real com limite inferior de detecção de 12 UI/mL)
  • Pesquisa de mutação na região pré-core do DNA do VHB (sequenciamento)
  • Pesquisa de resistência a antivirais: lamivudina, telbivudina, entecavir, adefovir e tenofovir (sequenciamento)
  • Genotipagem do VHB (enviado para parceiro internacional)


 

              Microscopia eletrônica de varredura colorida digitalmente evidencia vírions da hepatite B (setas). PHIL-CDC


O que há de novo para hepatite B crônica?
Para o tratamento da hepatite B, ao contrário do que ocorre com a infecção pelo VHC, os antivirais de efeito direto já vêm sendo utilizados há vários anos. Embora a alfainterferona também faça parte do arsenal terapêutico para a doença, estão também disponíveis no Brasil a lamivudina, o adefovir, o entecavir e o tenofovir. Contudo, existem muito mais nuances a considerar, no momento da decisão terapêutica, por conta de a interação do VHB com o sistema imunológico do hospedeiro ser bastante complexa.
Assim, em pacientes que nunca foram tratados, a presença do marcador sorológico de replicação HBeAg, associada a enzimas hepáticas elevadas, indica o uso de interferona. Estudos mais recentes demonstram que o genótipo A do VHB apresenta melhor resposta a essa droga. Uma vez que, no Brasil, predominam em proporções semelhantes os tipos A e F, é relevante saber qual deles o paciente porta antes de escolher a droga para tratá-lo inicialmente.
Por outro lado, pelo fato de o tenofovir só ter sido liberado pelo Ministério da Saúde brasileiro para monoinfectados pelo VHB a partir de 2010, não é infrequente receber, no consultório, indivíduos já tratados com interferona, com lamivudina e, até mesmo, com adefovir ou entecavir, tanto os que não tiveram resposta quanto os que soroconverteram o anti-HBe, mas passaram a apresentar reativação em virtude de mutação pré-core.
Esses pacientes, particularmente, requerem um adequado estudo molecular para confirmar a presença de replicação viral por meio da detecção do DNA do VHB e para verificar a presença da mutação pré-core e de mutações de resistência às drogas utilizadas anteriormente, de modo que seja definida, de maneira embasada, a melhor estratégia terapêutica.


Por que as hepatites são um problema de saúde pública

Hepatite B crônica
Prevalência global: acomete 5% da população mundial, ou 350-400 milhões de pessoas
Consequências: causa de 30% dos casos de cirrose e de 53% dos carcinomas hepatocelulares 
Hepatite C crônica
Prevalência global: afeta 2% da população mundial, ou 180 milhões de pessoas
Consequências: causa de 27% das cirroses e de 25% dos casos de carcinoma hepatocelular 

 

Assessoria Médica 
Dra. Carolina S. Lázari
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Dr. Celso Granato
[email protected]