O desafio do diagnóstico das infecções fúngicas invasivas

Associação das técnicas tradicionais ao sequenciamento de DNA ajuda a esclarecer casos inconclusivos

Anualmente, 150 milhões de casos graves de infecções fúngicas são reportados mundialmente, resultando em quase 2 milhões de mortes por ano.


Além das micoses endêmicas, distribuídas em regiões geográficas específicas, e das principais infecções já conhecidas, cada vez mais espécies vêm sendo descritas como agentes de infecção fúngica. Em indivíduos saudáveis, certos fungos não provocam dano algum, mas os imunossuprimidos, geralmente em uso de terapias agressivas para controle ou cura da doença de base, apresentam maior suscetilibilidade a quadros fatais.


Durante a pandemia de Covid-19, por exemplo, houve um aumento significativo das infecções fúngicas invasivas nos pacientes hospitalizados, associado a internações prolongadas e a terapias imunossupressoras. Os principais agentes detectados nesse contexto têm sido a Candida, o Aspergillus e o Trichosporon, além de espécies da ordem Mucorales.


O método padrão-ouro para confirmar esses diagnósticos é a identificação morfológica direta, histopatológica, em amostras clínicas, seguida do cultivo dos microrganismos em laboratório. Tais técnicas se complementam e, em situações ideais, conseguem reconhecer a identidade do fungo.


Ocorre que o diagnóstico, nesses casos, pode ser bastante complexo porque, a depender do gênero envolvido, o crescimento do agente demora e a identificação por exame histopatológico tem baixa acurácia. Contudo, na prática clínica, a detecção precisa de gênero e espécie do fungo causador do processo infeccioso é fundamental para a escolha do antifúngico e para a determinação do tempo de tratamento, além de nortear a necessidade de quimioprofilaxia secundária em pacientes repetidamente submetidos a terapias imunossupressoras.


Por vezes, mesmo quando estruturas fúngicas são vistas no exame micológico direto ou histopatológico, pode não haver crescimento dos organismos nas culturas, de forma que o diagnóstico resulta inconclusivo. Em infecções invasivas diagnosticadas pela histopatologia, a literatura descreve apenas cerca de 30% a 50% de positividade nas culturas. Ademais, há uma baixa positividade nas culturas de sangue na maior parte dos processos infecciosos causados por fungos.


Para completar, a obtenção de fragmentos de tecido infectado possíveis de ser analisados pelas diferentes metodologias pode requerer procedimentos invasivos. E muitas vezes a cultura para fungos não é solicitada ou, então, sua realização se torna inviável em função do acondicionamento integral do material em formol.


Diante do contínuo aprimoramento das plataformas para diagnósticos moleculares na Microbiologia, a identificação de fungos por PCR e sequenciamento do DNA tem se mostrado uma solução promissora, na medida em que possibilita precisão e rapidez no reconhecimento de fungos detectados em amostras clínicas, inclusive naquelas fixadas e emblocadas em parafina, particularmente quando o exame micológico direto está positivo ou há estruturas fúngicas no estudo histopatológico.


O teste molecular para identificação de fungos 

A utilização do sequenciamento de DNA permite identificar o fungo causador da infecção diretamente na amostra de tecido fixada ou não em formol, sem necessidade de crescimento em meio de cultura (veja eletroferogramas nas páginas a seguir). Outros organismos patogênicos, como vírus e bactérias, podem ser encontrados da mesma maneira, porém sequenciar o DNA fúngico é desafiador. A técnica para isolar esse DNA, em particular, precisa ser adequada para destruir sua complexa parede celular e expor seu material genético. Os bancos de dados com as sequências de genomas de fungos também estão em fase de construção. A própria nomenclatura desses agentes exige contínua atualização do laboratório. Ou seja, a ferramenta molecular, para ser empregada com sucesso, tem de se adaptar ao objeto de estudo e, no contexto de estudo dos fungos, o conhecimento se encontra em constante evolução. 


Estruturas fúngicas arredondadas com cápsula mucopolissacarídica, identificadas pelo Mucicarmim de Mayer, sugestivas de Cryptococcus sp



Diante desse cenário, a equipe de Pesquisa & Desenvolvimento e os médicos do Setor de Microbiologia do Fleury idealizaram e validaram o método de sequenciamento de DNA para identificação de fungos causadores de infecções. O processo utilizou amostras de tecidos frescos e tecidos fixados e emblocados em parafina, bem como cepas isoladas de diversos gêneros e espécies fúngicas, como Histoplasma capsulatum, Paracoccidioides brasiliensis, Aspergillus nidulans, Trichosporon asahii, Fusarium solani e Candida parapsilosis.


A elaboração de um protocolo de extração e amplificação de ácidos nucleicos que garantisse a detecção das principais espécies fúngicas foi conduzida ao longo de um ano de projeto, com desdobramentos importantes para pacientes e médicos-assistentes. Dessa forma, o Fleury atualmente complementa os exames tradicionais (morfológico, histopatológico, cultura) inconclusivos com a técnica molecular de sequenciamento de DNA e oferece, assim, um teste para identificação desses organismos por PCR e sequenciamento que parte diretamente do material biológico.


A técnica é consistente, precisa e sensível. A partir do material parafinado, na validação, o exame identificou o fungo envolvido na infecção em 92% dos casos avaliados, taxa que chegou a 95,6% quando utilizado tecido fresco.

É importante ressaltar que, devido ao caráter ubíquo de diversos gêneros de fungos – ou seja, à sua presença constante em ambientes e amostras biológicas –, a detecção desses agentes por sequenciamento de DNA deve ser feita apenas em amostras nas quais se observaram estruturas fúngicas no exame histopatológico ou no exame micológico direto. Para garantir a segurança diagnóstica e a correta análise do resultado obtido por sequenciamento, é crucial que, nos casos em que a histopatologia foi realizada por outro serviço, uma cópia do laudo seja encaminhada junto com o bloco de parafina. Vale ponderar que, se o paciente estiver colonizado por mais de um gênero e/ou espécie, a análise em tecido fica dificultada em função da metodologia atualmente utilizada.



Esparsas estruturas arrendondadas leveduriformes, identificadas por meio da coloração de Grocott em biópsia de linfonodo.



Fotomicrografia de fragmento de pele, corado pelo método de Grocott, exibe estruturas fúngicas filamentosas septadas, sugestivas de hialo-hifomicose.


Referências

Lockhart SR et al. CID 2021;72(52):S109-13.
Wickes BL e Wielserhold NP. Nat Commun 2018; 9(1):5135.
Kainz K et al Microbial Cell 2020; 7 (6):143 – 145.


Consultoria Médica

Anatomia Patológica

Dra. Flavia Fernandes Silva Zacchi

[email protected]

Infectologia e Microbiologia

Dra. Paola Cappellano

[email protected]

Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio
[email protected]

Pesquisadora

Ana Maria Fraga
[email protected]

Analistas de pesquisa

Aline Nogueira Olivé
[email protected]

Gabriela Rampazzo Valim

[email protected]